O aleitamento materno é a melhor forma de nutrir o neonato e o lactente até 6 meses de forma exclusiva e junto com a alimentação complementar até pelo menos 2 anos de idade. O manejo medicamentoso durante a lactação é um desafio para os profissionais de saúde mundialmente, poucos são os medicamentos com contraindicação absoluta neste período, mas muitas vezes ocorrem interrupções temporárias ou definitivas do aleitamento materno inapropriadas por conta do uso medicamentoso. Para ajudar os profissionais de saúde, Berwick e colaboradores publicaram, em julho de 2025 na revista Seminars in Perinatology, uma revisão explicando os princípios da excreção de medicamentos no leite materno, descrevendo potencial para bioefeitos e fornecendo estratégias para a tomada de decisões sobre a seleção de medicamentos quando os dados são limitados ou não estão disponíveis.
Pontos fortes e limitações dos bancos de dados da segurança do uso de medicamentos na lactação
Vários países têm um sistema nacional para notificação de eventos adversos associados à exposição a medicamentos pelo aleitamento materno como nos Estados Unidos o Food and Drug Administration (FDA), entretanto uma revisão de escopo de bancos de dados e registros que relatam reações adversas a medicamentos em bebês amamentados por Jordan e colaboradores encontrou confusão e viés frequentes nesses sistemas de relatórios. E apenas 8,6% dos casos no banco de dados de farmacovigilância francês têm uma pontuação de causalidade “provável” ou “certa”, e o sistema de notificação de eventos adversos da FDA não fornece avaliação da probabilidade de causalidade. A maioria dos estudos que avaliam a segurança de medicamentos em bebês amamentados são relatos de caso, que têm limitação para generalizar os achados.
Estudos em andamento com avaliação dos níveis séricos de medicamentos no leite materno e/ou em bebês amamentados
Cinco grandes estudos estão em andamento, sendo quatro dos Estados Unidos e um da Bélgica, com avaliação dos níveis séricos de medicamentos no leite materno e/ou em bebês amamentados. O estudo da Bélgica é o UmbrelLACT e ainda não tinha resultados disponíveis. Os estudos norte-americanos são:
- Infant Risk Center, já com resultados disponíveis;
- CUDDLE (Pharmacokinetics and Safety of Commonly Used Drugs in Lactating Women and Breastfed Infants);
- MONEAD (The Maternal Outcomes and Neurodevelopmental Effects of Antiepileptic Drugs) e
- Maternal and Pediatric Precision in Therapeutics (MPRINT) Hub, ainda sem resultados disponíveis.
Fatores que afetam a passagem do medicamento para o leite materno
Esses fatores incluem:
- Fatores medicamentosos:
- Peso molecular geralmente > 800Da são preferidos, porque <300Da cruzam as células mamária via poros aquosos (informação disponível no site do FDA);
- Ligação a proteínas mais alta (>90%) geralmente é preferido, porque baixa ligação do medicamento a proteínas aumenta sua passagem para o leite materno (informação disponível no site do FDA);
- Lipossolubilidade baixa é preferida, pois lipossolubilidade alta aumenta a passagem para o leite materno (informação disponível no site do PubChem);
- pKa <7,2 reduz passagem para o leite materno (informação disponível no site do PubChem);
- Volume de distribuição alto do medicamento diminui sua disponibilidade para passagem para o leite materno (informação disponível no site do PubChem);
- Biodisponibilidade oral baixa é preferida, mas podem aumentar efeitos gastrointestinais (informação disponível no site do FDA);
2. Interação entre a lactante e o medicamento:
- Meia-vida do medicamento (metade do tempo para ser metabolizada) <4 horas é preferida e recomenda-se que a lactante tome a medicação logo após o término da mamada para permitir que o medicamento seja bem eliminado antes da próxima mamada (informação disponível no site do FDA);
- Concentração plasmática do medicamento menor é preferida (informação disponível no site do FDA);
- Taxa da concentração do medicamento leite/plasma que compara o percentual do medicamento disponível no leite materno com o plasma e é desejável que seja <1 (informação disponível no LactMed AAP Pediatric Care Online ou HalesMeds, mas demanda que a pessoa seja assinante ou pague pelo uso);
3. Interação entre a lactante, o lactente e o medicamento: é refletida na Dose Relativa Infantil (DRI), que é a porcentagem da dose materna recebida pelo bebê e é calculada usando a relação M/P, volume de leite consumido pelo bebê e concentração plasmática materna do fármaco. DRI <5–10% é geralmente considerada segura;
4. Fatores do neonato ou lactente: prematuros, neonatos e menores de 2 meses de idade têm maior risco de eventos adversos e intoxicações por conta de medicamentos passados pelo leite materno por conta de seu metabolismo imaturo e porque, após a fase do colostro, aumenta substancialmente seu consumo do leite com alto volume em comparação à sua superfície corpórea baixa. O consumo de fórmula infantil reduz a exposição ao leite materno e é um fator protetor para diminuir a exposição medicamentosa, mas pode prejudicar o aleitamento materno;
5. Fatores da lactação: a fase de produção de colostro aumenta a passagem de medicamento de peso molecular maior, pois as junções entre os lactócitos são mais largas neste momento.
Algoritmo sugerido pelo artigo para tomada de decisão quanto à segurança do uso do medicamento durante o aleitamento materno
Diante da necessidade de prescrição de medicamento para lactante, aparecem três cenários:
- Medicamento de uso comum para lactante e seguro → prescreva;
- Perfil de segurança do medicamento incerto para o médico prescritor → oriente ordenhar e guardar o leite materno (colocando rótulo com data e horário no freezer) enquanto avalia a segurança nas seguintes ferramentas on-line gratuitamente InfantRisk Center, mothertobaby.org/contact , LactMed e protocolos da Academy of Brestfeeding Medicine, também disponíveis com assinatura Hale’s Meds e AAP Pediatric Care Online e informe em quanto tempo terá tomado a decisão;
- Se informação segura não está disponível, avalie as características do medicamento como se o peso molecular é >800Da, a meia-vida é < 4 horas, tem > 90% de ligação protéica e tem alto volume de distribuição. Considere consultar centros de referência como ligar para o Infant Risk Call Center e mandar e-mail para MotherToBaby. Avise o pediatra ou médico de família assistente para monitorar possíveis efeitos colaterais no neonato ou lactente.
Orientações a mais para promover segurança:
- Fazer a dose imediatamente depois da mamada para medicamentos com meia-vida curta;
- Usar a menor dose necessária e a menor duração de tratamento possível.
- Avaliar via de administração com menor absorção sistêmica (ex. tópica versus oral)
- Avaliar a idade do neonato ou lactente e se é prematuro.
No artigo, Berwick e colaboradores mostram dois casos clínicos de lactante que evolui com depressão pós-parto e psicose com necessidade de escolha entre antidepressivos inibidores seletivos da recaptação de serotonina com escolha final pela sertralina e depois entre antipsicóticos, cuja escolha é mais difícil, mas parece ser melhor o uso de olanzapina, mostrando a aplicação do algoritmo que sugerem.
Conclusão
O artigo de Berwick e colaboradores traz uma enorme contribuição para nosso dia-a-dia de prescritores como pediatras, obstetras, médicos de família e outros médicos que atendem lactantes ao criar um algoritmo embasado nos fatores que afetam a passagem do medicamento para o leite materno ao mesmo tempo que referencia onde podemos encontrar as informações e pedir ajuda.
No Brasil, podemos notificar eventos adversos medicamentosos na lactação dentro da ANVISA pelo VigiMed ou NOTIVISA. Também sugiro o uso de referências bibliográficas para avaliação do perfil de segurança dos medicamentos no aleitamento materno:
- O guia do Ministério da Saúde Amamentação e uso de medicamentos e outras substâncias de 2014;
- O uso do site https://www.e-lactancia.org/.
Autoria

Renata Carneiro da Cruz
Editora médica de Pediatria da Afya ⦁ Mestre em Saúde Materno-Infantil pela UFRJ ⦁ Residência em Pediatria Geral pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) ⦁ Residência em Medicina Intensiva Pediátrica pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA) ⦁ Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
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