O artigo, publicado recentemente na revista BMC Pregnancy and Childbirth, aborda a hemorragia pós-parto (HPP) como uma das principais causas de mortalidade materna no mundo. A principal causa da HPP é a atonia uterina, e sua ocorrência está relacionada tanto ao volume de sangue perdido quanto à condição de saúde materna, especialmente em mulheres com anemia prévia. O manejo ativo do terceiro período do trabalho de parto, com uso de ocitocina, é amplamente recomendado para prevenir HPP, podendo ser complementado com ácido tranexâmico em casos de alto risco.
O estudo discute o contato pele a pele (do inglês skin-to-skin contact, SSC) imediato entre mãe e recém-nascido como uma estratégia fisiológica promissora, capaz de aumentar os níveis endógenos de ocitocina, favorecer a contração uterina e, possivelmente, reduzir o risco de HPP. Revisões anteriores mostraram que o SSC encurta a duração do terceiro período, melhora a integridade placentária e reduz a necessidade de uterotônicos. No entanto, ainda não havia evidência consolidada sobre o efeito direto do SSC em desfechos como a incidência de HPP, atonia uterina ou volume de perda sanguínea — lacuna que este estudo buscou preencher.
Metodologia
Este estudo é uma revisão sistemática com meta-análise, conduzida segundo as diretrizes PRISMA. Foram incluídos ensaios clínicos randomizados, quase-randomizados e estudos quase-experimentais com delineamento prospectivo, que compararam o contato pele a pele (skin-to-skin contact – SSC) com os cuidados de rotina em mulheres submetidas a partos vaginais ou cesarianas. O SSC foi definido como o posicionamento do recém-nascido nu sobre o abdome ou tórax da mãe imediatamente após o parto, antes da expulsão da placenta.
A busca foi realizada até maio de 2024 nas bases PubMed, Scopus, CENTRAL, CINAHL, Web of Science, Google Scholar e registros de ensaios clínicos, sem restrições de idioma ou país. Foram considerados estudos realizados em países classificados como de alta ou baixa renda, segundo o Banco Mundial. Os principais desfechos avaliados incluíram presença de atonia uterina, ocorrência de hemorragia pós-parto (HPP) moderada ou grave, e volume médio de perda sanguínea após o parto. A análise estatística utilizou modelos de efeitos aleatórios (DerSimonian-Laird) com cálculo de risco relativo (RR) e diferença de médias (MD), com heterogeneidade avaliada pelo teste Q de Cochran e índice I².
Principais achados
Foram avaliados 18 estudos envolvendo um total de 2.749 mulheres, conduzidos em países como Egito, Índia, China, Turquia, Arábia Saudita, Iraque, Israel e Estados Unidos, todos em ambiente hospitalar. As amostras variaram de 40 a 659 participantes por estudo, sendo a maioria parturientes com partos vaginais a termo. Seis estudos foram ensaios clínicos randomizados, dois quase-randomizados e dez quase-experimentais. A intervenção com contato pele a pele (SSC) foi iniciada imediatamente após o nascimento, com o recém-nascido nu colocado sobre o abdome ou tórax da mãe, por períodos que variaram de 20 a 120 minutos. Nos grupos controle, os recém-nascidos foram separados da mãe para cuidados rotineiros, como aquecimento em incubadoras ou entrega a familiares.
Quanto aos desfechos analisados, seis estudos com 580 mulheres mostraram uma redução significativa no risco de atonia uterina no grupo SSC (RR: 0,11; IC95%: 0,05–0,25), com baixa heterogeneidade (I² = 3,38%). Em relação à perda sanguínea ≥ 500 mL, três estudos com 540 participantes também indicaram benefício do SSC (RR: 0,18; IC95%: 0,04–0,80), principalmente em partos vaginais. Em relação à perda média de sangue, nove estudos (1.396 mulheres) mostraram redução durante o terceiro período do parto (−55,5 mL; IC95%: −79,2 a −31,8), com maior efeito em partos vaginais (−66,9 mL). Duas análises adicionais mostraram reduções na perda média de sangue após 2 horas (−63,96 mL; 362 mulheres) e após 24 horas (−287,45 mL; 727 mulheres), com resultados consistentes tanto em países de baixa como de alta renda. Nos partos cesáreos, embora não tenha havido redução significativa na incidência de hemorragia grave (≥ 1.000 mL), houve diminuição no volume médio de sangue perdido em até 145 mL. A qualidade metodológica dos estudos variou, com menor risco de viés nos ensaios clínicos, embora os estudos não randomizados apresentassem maior risco de viés por fatores de confusão.
Conclusões
- O contato pele a pele (SSC) é uma intervenção eficaz para reduzir atonia uterina, perda sanguínea ≥ 500 mL e o volume médio de sangramento pós-parto em mulheres submetidas a partos vaginais.
- O SSC estimula a liberação endógena de ocitocina por meio da ativação de fibras sensoriais cutâneas e da sucção mamilar, o que favorece a contração uterina e o esvaziamento placentário.
- Embora não tenha havido redução significativa na hemorragia pós-parto grave (≥ 1.000 mL) após cesarianas, o SSC reduziu a perda de sangue em 24 horas nesse grupo, especialmente quando aplicado por períodos mais longos.
- Os efeitos foram consistentes em países de baixa e alta renda, reforçando que se trata de uma prática acessível, segura e de baixo custo, com potencial para ser incorporada às diretrizes clínicas de manejo expectante do terceiro período do parto.
- São necessários mais ensaios clínicos randomizados, especialmente em partos cesáreos, além da padronização dos métodos de mensuração de sangramento e definição da duração ideal do SSC para maximizar seus efeitos preventivos.
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.