O uso de ácido tranexâmico para hemorragia pós-parto (HPP) entrou na prática obstétrica globalmente. A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda a infusão endovenosa desse fármaco durante dez minutos no tratamento da HPP, devido a evidências da redução da mortalidade dessa medida quando comparado a placebo.
Essa melhoria no atendimento às mulheres com hemorragia pós-parto teve um preço. Para o anestesista, ter ampolas de ácido tranexâmico à mão parece uma estratégia óbvia para facilitar seu uso durante a cesariana, um cenário importante para hemorragia grave.
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Tragicamente, foram identificados vários casos recentes de administração intratecal inadvertida de ácido tranexâmico em vez de anestésico local para raquianestesia. Os casos relatados desse erro catastrófico parecem estar aumentando.
Um artigo especial, publicado em outubro de 2022, no International Journal of Ginecology & Obstetrics alerta para esse problema recente na prática obstétrica e anestésica.
O estudo
Uma revisão de 2019 identificou 21 casos relatados de injeção intratecal inadvertida de ácido tranexâmico desde 1988, dos quais dez foram fatais. Dezesseis foram relatados entre 2009 e 2018. A neurotoxicidade do ácido tranexâmico intratecal foi descrita em 1980. Ele antagoniza os receptores do ácido γ-aminobutírico tipo A e da glicina, causando profunda excitação neuronal. A apresentação clínica típica dessa intoxicação é mioclonia segmentar espinhal abrupta, progredindo rapidamente para convulsões generalizadas e arritmias malignas e com mortalidade de 50%.
Recomendações aos profissionais
Alertas de segurança de medicamentos foram emitidos pela Food and Drug Administration (FDA) em 2020 dos EUA e pela OMS em 2022, mas isso parece não ter sido suficiente.
As recomendações do FDA alertam que os profissionais de saúde devem considerar os seguintes passos:
1. Armazenar os frascos de injeção de ácido tranexâmico separadamente de outros medicamentos, de forma a tornar os rótulos visíveis para evitar a dependência da identificação dos medicamentos pela cor da tampa do frasco.
2. Adicionar uma etiqueta de advertência auxiliar para observar que o frasco contém ácido tranexâmico.
3. Verificar o rótulo do recipiente para garantir que o produto correto seja selecionado e administrado.
4. Utilizar a leitura de código de barras ao estocar os armários de medicamentos e preparar ou administrar o produto.
Considerações
Os autores desse artigo recomendam ampla divulgação de informações para aumentar a conscientização sobre esse risco potencial e protocolos hospitalares locais para garantir que o ácido tranexâmico seja armazenado separadamente das drogas anestésicas, preferencialmente fora da sala de cirurgia e com uma etiqueta de advertência auxiliar.
Mensagem prática
A implementação de estratégias de segurança em grande escala será necessária para garantir que o potencial de salvar vidas do ácido tranexâmico não seja eclipsado pela mortalidade por erros de medicamentos.
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