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Ginecologia e Obstetrícia17 setembro 2024

Avaliação do impacto do estresse térmico na função placentária

Revisão sistemática analisa a literatura existente sobre a relação entre a exposição ao estresse térmico e a função placentária.

Recentemente, foi publicada uma revisão sistemática no International Journal of Environmental Research and Public Health com o objetivo de analisar a literatura existente sobre a relação entre a exposição ao estresse térmico e a função placentária. A revisão visa sintetizar as metodologias e os desenhos de estudo utilizados em pesquisas sobre calor e placenta, com a intenção de informar e orientar as abordagens que devem ser adotadas em futuros estudos sobre o impacto do calor na função placentária humana. 

O estresse térmico ambiental representa uma ameaça crescente para a saúde pública, exacerbada pelo aumento contínuo das temperaturas globais e pela intensificação dos eventos de calor devido às mudanças climáticas. A elevação das temperaturas e a intensificação dos efeitos das ilhas de calor urbanas agravam o impacto do aquecimento global, colocando em risco a capacidade de adaptação de várias regiões, especialmente aquelas que já enfrentam temperaturas extremas. Este cenário pode levar centenas de milhões de pessoas a experimentar níveis de exposição ao calor que ultrapassam os limites fisiológicos, prejudicando a regulação da temperatura corporal e aumentando o risco de problemas como desidratação, exaustão térmica e doenças associadas. 

Grupos específicos, como idosos, pessoas em situação de pobreza, crianças, minorias, trabalhadores externos e gestantes, são especialmente vulneráveis aos impactos do estresse térmico. As gestantes, em particular, enfrentam riscos adicionais devido às mudanças fisiológicas durante a gravidez, que dificultam a regulação da temperatura e aumentam a suscetibilidade a desidratação e elevação da temperatura central. A exposição ao calor pode prejudicar a função placentária, afetando a saúde fetal e os desfechos da gravidez, como parto prematuro e baixo peso ao nascer. Embora haja evidências de que o calor afeta esses resultados, os mecanismos biológicos envolvidos ainda são pouco compreendidos. 

função placentária

Metodologia 

O protocolo para esta revisão sistemática foi registrado no Open Science Framework (OSF) e seguiu as recomendações do PRISMA. A revisão focou em artigos que analisaram a relação entre estresse térmico e função placentária em grávidas, incluindo estudos com animais e humanos.  

A busca de literatura foi realizada nas bases de dados PubMed, CINHAL e Medline entre abril de 2023 e março de 2024, com a ajuda de um bibliotecário para refinar os termos de busca. Utilizou-se uma combinação de palavras-chave relacionadas à gravidez, estresse térmico e doenças placentárias. As bibliografias dos artigos selecionados foram revisadas para garantir a cobertura completa dos estudos relevantes. 

Foram importados 235 artigos para o Covidence® para triagem e extração de dados. Após remover duplicatas e avaliar títulos e resumos, 24 artigos atenderam aos critérios de inclusão e foram selecionados para análise detalhada. A qualidade da evidência foi avaliada com base em critérios como geração de sequência e relato seletivo, com dois revisores independentes discutindo e consensuando as avaliações. A maioria dos estudos foi de alta qualidade, embora alguns apresentassem viés e relato seletivo. 

Principais resultados 

Dos 24 artigos finais, 18 eram ensaios clínicos randomizados e 6 eram estudos experimentais não randomizados. Os estudos foram realizados entre 1971 e 2023, com quase metade entre 2020 e 2023. Os países incluídos foram Austrália, Estados Unidos, Brasil, China, Grécia, Egito, Finlândia, Japão e Emirados Árabes Unidos. A maioria dos estudos usou sujeitos animais (23 estudos), com amostras variando de 7 a 48 sujeitos. Estudos foram conduzidos em diferentes espécies, como ovelhas, ratos, búfalos, vacas, cabras e porcos. 

Veja também: Estudo associa placenta lateral com parto pré-termo e cesariana

Efeitos do Calor na Placenta 

Peso e eficiência placentária (eficácia da placenta em apoiar o crescimento fetal): O peso e a eficiência placentária foram amplamente estudados nos artigos revisados, com 14 estudos focando nessas medidas. Em três desses estudos, que utilizaram câmaras climáticas com estresse térmico variando de 28 a 44°C, observou-se um aumento no peso placentário e uma redução na eficiência, além de menores pesos fetais. Em contraste, oito estudos mostraram pesos placentários menores, com alguns também relatando pesos fetais reduzidos e outros não encontrando mudanças significativas no peso fetal. A variabilidade nos resultados destaca a complexidade da relação entre estresse térmico e função placentária. Enquanto alguns estudos indicam que o estresse térmico pode levar a um aumento no peso placentário com eficiência reduzida, outros mostram pesos placentários menores sem impactos consistentes no peso fetal. As metodologias variadas, incluindo estresse térmico cíclico, exposição sazonal e câmaras controladas, contribuem para uma interpretação mais complexa e nuançada desses efeitos. 

Fluxo sanguíneo uteroplacentário: O fluxo sanguíneo uteroplacentário foi avaliado em 8 estudos, tendo sido medido por métodos variados, desde invasivos (como cirúrgico) até não invasivos (como ultrassonografia). Os resultados mostram que o estresse térmico pode influenciar o fluxo sanguíneo uteroplacentário, o que pode ter consequências para o desenvolvimento fetal. 

Anatomia: 7 estudos analisaram a anatomia placentária, revelando mudanças significativas como alteração na contagem de cotilédones, massa e área da placenta, e espessura em condições de calor. 

Expressão gênica: 8 estudos focaram na expressão gênica, indicando que o estresse térmico crônico reduz a capacidade de síntese de proteínas e afeta a expressão de genes relacionados ao desenvolvimento fetal. 

Esteroides: 3 estudos analisaram esteroides placentários. Um estudo com mulheres mostrou alterações em níveis de estradiol e estriol, sem impactos adversos claros na saúde fetal. Outros estudos com cabras e búfalos indicaram respostas hormonais a estresse térmico, sugerindo impactos na função endócrina da placenta. 

Mensagem final 

A revisão destaca o impacto variado do estresse térmico na função placentária, abrangendo alterações no peso, eficiência, fluxo sanguíneo, anatomia e expressão genética da placenta. Há uma necessidade de mais estudos sobre o tema para maiores conclusões. Compreender esses efeitos diversos é crucial para orientar práticas clínicas e intervenções de saúde pública, especialmente em um contexto de aumento das temperaturas globais.

Autoria

Foto de Ênio Luis Damaso

Ênio Luis Damaso

Doutor em Ciências Médicas pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) ⦁ Professor no Curso de Medicina da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo (FOB-USP) ⦁ Professor no Curso de Medicina da Universidade Nove de Julho de Bauru (UNINOVE).

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Referências bibliográficas

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