Já é do conhecimento de todos que a gestação envolve muitas adaptações nos órgãos e sistemas da mulher. Com o sistema cardiovascular não é diferente, e saber a adaptação cardiovascular que pode ocorrer nesse período permite ao médico se preparar para os acontecimentos e eventos adversos esperados sobre o binômio materno-fetal.
Adaptação cardiovascular na gestação
A primeira alteração percebida no sistema materno é a vasodilatação periférica consequente à redução da resistência vascular periférica cujo principal objetivo é permitir o aumento do débito cardíaco (DC). O aumento do volume plasmático, já evidente nas primeiras semanas de gestação, também exerce importante papel na manutenção do DC, tendo atingindo o seu pico após 28 semanas. A massa ventricular também se modifica durante esse período, sem sofrer modificação no remodelamento ventricular, esta alteração é característica do primeiro e segundo trimestre. Dessa forma, a elevação do DC, que pode chegar a um aumento de 40% do seu valor basal, é mantida pela queda da resistência vascular periférica, aumento do volume plasmático e aumento da massa ventricular. A complacência aumentada da aorta também auxilia no processo.
De uma forma simplificada, podemos dizer que a pressão arterial durante a gestação sofre uma pequena queda no primeiro trimestre, fica mais acentuada na segunda e retorna aos níveis pré-gestacionais no terceiro. Se pudéssemos representar o comportamento da pressão arterial na gestação usaríamos a letra “V” que representa muito bem esse comportamento. A frequência cardíaca tende a subir seus valores basais (10-20 bpm), o volume sistólico reduz e a pressão venosa pulmonar se mantém.
Mas e no trabalho de parto? Tudo permanece mantido?
Não, esse é um ponto importante quando falamos de gestante cardiopata. No parto, como consequência do lançamento do sangue dos sinusoides uterinos na circulação materna, ocorre o aumento da pré-carga, da pressão arterial e do DC, este último pode chegar a 50% do valor pré-parto.
No período expulsivo, onde encontramos o pico de contração isométrica e de maior duração e frequência, o DC pode chegar a um aumento de 80% e a RVP que até então era reduzida, aumenta.
As oscilações de PA não acompanham essas modificações no período expulsivo. Deve-se acrescentar ainda a contribuição que a perda sanguínea exerce sobre essas modificações, lembrando que a perda estimada numa cesariana é o dobro da perda estimada em um parto vaginal.
No pós parto, como consequência da autotransfusão uterina e da descompressão do fluxo da veia cava ocorre o aumento súbito do retorno venoso. Esse súbito aumento associado ao aumento da resistência vascular periférica são os responsáveis pelo aumento do risco de congestão pulmonar e edema agudo de pulmão no pós parto nas gestantes cardiopatas. O que nos permite tomar a conduta adequada frente a cada patologia de base apresentada.
Referências Bibliográficas:
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