Sabe-se que a composição microbiana varia conforme o local anatômico e é influenciada por fatores como comorbidades, genética, dieta e higiene. Os estudos sugerem que a microbiota é essencial para o funcionamento dos sistemas imune e endócrino e suas alterações, ou desequilíbrios (disbioses), podem estar associadas ao desenvolvimento de diversas doenças, inclusive o câncer.
Evidências recentes indicam que a microbiota intestinal desempenha papel importante no desenvolvimento e na progressão do câncer endometrial (CE) por meio de múltiplos mecanismos, tais como, modulação imunológica, produção de metabólitos e alterações no ambiente inflamatório.
Os principais fatores de risco para o câncer endometrial são situações de hiperestrogenismo/exposição prolongada ao estrogênio, além de obesidade, nuliparidade, idade avançada e predisposição genética.
Entre os fatores que influenciam a composição microbiana, a dieta é um dos mais relevantes. Dietas ricas em fibras e probióticos parecem exercer efeito protetor, reduzindo a inflamação sistêmica, fortalecendo a função imunológica e mantendo níveis normais de estrogênio. Por outro lado, uma dieta rica em gorduras e calorias pode induzir disbiose, promover inflamação sistêmica e alterar o metabolismo dos estrogênios.
A atividade aumentada da enzima β-glucuronidase microbiana pode intensificar a recirculação entero-hepática dos estrogênios e, consequentemente, contribuir para a carcinogênese endometrial.
Acreditava-se que o útero fosse um ambiente estéril. Entretanto, avanços nas técnicas de detecção revelaram a presença de uma comunidade microbiana que habita o endométrio.
As microbiotas do trato genital inferior e superior, diretamente adjacentes ao ambiente endometrial, representam áreas promissoras, pouco estudadas, na patogênese do câncer endometrial. Assim, essa revisão sistemática publicada em setembro de 2025 teve como objetivo resumir as evidências disponíveis sobre a microbiota do trato reprodutivo feminino e sua associação com a patogênese do câncer endometrial.
Foram incluídos estudos que analisaram mulheres ou modelos humanos in vitro/ex vivo, com câncer ou hiperplasia endometrial (HE) e compararam com casos sem câncer ou hiperplasia endometrial para analisar a microbiota do trato genital feminino (endométrio, colo uterino e vagina).
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Resultados
Foram identificados 597 registros inicialmente nas buscas eletrônicas. Após exclusão de duplicatas e trabalhos que não preenchiam os critérios citados, foram incluídos 21 estudos, publicados entre 2016 e 2025.
Microbiota Endometrial no Câncer de Endométrio:
- Bactéria
Houve muita heterogeneidade entre os estudos e resultados divergentes. Apenas um estudo comparou a microbiota presente no tecido tumoral de CE com a do tecido peri-tumoral saudável das mesmas pacientes.
Foi observado que os tecidos com câncer endometrial apresentaram enriquecimento consistente em bactérias anaeróbias e pró-inflamatórias, com detecção frequente de: Prevotella, Atopobium, Porphyromonas, Peptoniphilus, e Dialister, Fusobacterium e Sneathia. Além disso, Streptococcus, Gardnerella e Acinetobacter foram detectados com maior frequência em CE do que nos controles em diversos estudos. O achado mais consistente foi a redução acentuada de Lactobacillus spp. — especialmente L. crispatus e L. iners — em pacientes com EC em comparação com controles.
Nos casos de HE, foram identificados gêneros enriquecidos com possível valor biomarcador, incluindo: Bacillus pseudofirmus, Stenotrophomonas e Delftia.
- Fungos e Vírus
Foram encontrados dois estudos que investigaram o papel de fungos e vírus no endométrio de pacientes com câncer endometrial.
Han et al. (2024) demonstraram enriquecimento de Penicillium spp. em tecidos de CE (40 casos), acompanhado pela presença de metabólitos semelhantes ao estradiol, sugerindo um possível envolvimento fúngico em mimetismo hormonal e promoção tumoral.
Deligdisch et al. (2013) identificaram sequências do human mammary tumor virus (HMTV) em 23% das amostras de CE (de um total de 67 casos), mas não nas amostras controle, propondo uma possível contribuição viral para a carcinogênese endometrial.
Microbiota cervicovaginal no Câncer de Endométrio:
Foram incluídos seis estudos, publicados entre 2019 e 2024, que investigaram a microbiota cervicovaginal em pacientes com câncer endometrial.
As amostras foram coletadas assepticamente da vagina ou do colo do útero durante o ato cirúrgico ou pré-operatoriamente, utilizando swabs ou biópsias teciduais.
Todos esses estudos compararam a microbiota cervicovaginal de pacientes com câncer endometrial ou hiperplasia endometrial à de mulheres saudáveis ou com condições uterinas benignas.
Os ambientes cervicais e vaginais de pacientes com CE mostraram-se menos frequentemente dominados por Lactobacillus spp. (redução de Lactobacillus iners e L. crispatus) e, em vez disso, colonizados por comunidades anaeróbias complexas e polimicrobianas (aumento de Mobiluncus curtisii, Dialister pneumosintes, Atopobium vaginae e Porphyromonas spp, Prevotella, Peptoniphilus e Porphyromonas).
Estudos funcionais e in vitro:
Essas modalidades de estudo são fundamentais para compreensão dos mecanismos pelos quais determinados microorganismos participam da iniciação e progressão tumoral, como interagem com os tecidos do hospedeiro e influenciam o comportamento celular.
Alguns estudos mostraram o potencial papel protetor de Lactobacillus crispatus, mostrando que o meio condicionado por essa bactéria inibiu significativamente a proliferação de organismos endometriais malignos in vitro.
Esse achado sugere que, além da associação epidemiológica, membros específicos da flora comensal podem exercer efeitos antitumorais diretos, possivelmente por meio da modulação da imunidade epitelial, da manutenção do pH ácido ou da secreção de metabólitos protetores.
Outros dois estudos sugerem que o Porphymonas somerae pode influenciar o desenvolvimento ou a progressão do câncer endometrial, sendo capaz de invadir diretamente as células epiteliais, escapar da vigilância imune e modular o metabolismo intracelular do hospedeiro, incluindo o aumento da produção de succinato (um metabólito conhecido por estabilizar o fator HIF-1α, envolvido na progressão tumoral), além de induzir a produção de citocinas pró-inflamatórias, criando um microambiente endometrial favorável ao tumor.
Mensagem prática
Esta revisão sistemática destaca uma associação significativa entre as alterações da microbiota do trato genital feminino e o carcinoma endometrial.
O câncer endometrial parece estar relacionado à redução de Lactobacillus spp. e ao aumento de espécies bacterianas pró-inflamatórias. Estabelecer uma relação causal é de importância fundamental, uma vez que a modulação da microbiota uterina e vaginal pode representar um alvo promissor para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas conservadoras na hiperplasia endometrial.
Autoria

Caroline Oliveira
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