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Em março de 2017 foi publicado na renomada revista “Alzheimer´s & Dementia” um artigo bastante relevante no âmbito da prevenção de demência. Foi analisada a relação entre o consumo de “bebidas adoçadas” (BA) e marcadores de lesão vascular cerebral e doença de Alzheimer (DA) pré-clínica.
O excessivo consumo de açúcar especialmente pela civilização ocidental contribui para o desenvolvimento de doenças cardiometabólicas. A ingestão de bebidas como refrigerantes e sucos artificiais responde por uma parcela significativa dessa quantidade exagerada de açúcar ingerida por nós.
Estudos em modelos animais sugerem que o excesso de açúcar estimula o desenvolvimento da doença de Alzheimer, mas pouco sabemos sobre o efeito a longo prazo da ingestão de refrigerantes no cérebro humano. Utilizando testes neuropsicológicos e ressonância magnética do crânio, foi analisada a associação entre o consumo de BA e fenótipos da DA pré-clínica no estudo de Framingham (FHS) que abrange um grupo de mais de cinco mil participantes residentes em Massachusetts, Estados Unidos. A motivação do trabalho foi testar a hipótese de que um alto consumo de bebidas doces estaria associado tanto a lesão vascular cerebral como a doença de Alzheimer pré-clínica.
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O estudo, aprovado pelo centro médico da Universidade de Boston incluiu apenas participantes maiores de 30 anos, que responderam a um extenso e detalhado questionário sobre dieta e consumo de BA no último ano. As respostas dos questionários mostraram uma média de 1.942 calorias ingeridas por dia. O consumo de BA foi relatado como menor que uma vez por dia, uma a duas vezes por dia e maior que duas vezes por dia respectivamente por 2395, 1239 e 641 participantes (56%, 29% e 15%). É sabido que a volumetria cerebral e hipocampal são sensíveis a neurodegeneração precoce, enquanto que alterações da substância branca podem ser marcadores de lesão vascular cerebral. Desse modo, o volume total do cérebro e os volumes específicos do hipocampo e da substância branca dos voluntários foram aferidos através de ressonância magnética.
Falhas sutis da memória podem preceder o diagnóstico clínico de doença de Alzheimer em até uma década. Logo, a identificação e constatação dessas alterações com o auxílio de testes neuropsicológicos é extremamente útil para identificar pessoas com alto risco de desenvolver demência. Os participantes do estudo foram submetidos a extensas baterias de testes neuropsicológicos conhecidos e validados.
Os resultados do trabalho mostraram que o maior consumo de BA foi associado a menor volume cerebral total e escores mais baixos em testes de memória. Houve também associação discreta do ponto de vista de significância estatística entre alto consumo de BA e diminuição do volume do hipocampo. Ingerir BA mais de duas vezes por dia ou mais de três vezes por semana associou-se a maior incidência de alterações na substância branca em alguns modelos de comparação. O consumo maior de BA dietéticas especificamente, também foi associado a menor volume cerebral total e pior performance em baterias do teste neuropsicológico.
Em suma, a análise revelou que o alto consumo de BA foi associado a um padrão de resultados consistente com doença de Alzheimer pré-clínica. A conclusão é impactante especialmente por tratar-se de uma amostra de participantes de meia-idade em geral. A magnitude das associações observadas foi estimada em um envelhecimento cerebral equivalente a 1.5-2.6 anos no quesito volume cerebral e 3.5-13 anos no quesito memória episódica para aqueles que consumiram mais BA.
Estudos prévios com modelos animais ajudam a justificar teoricamente os achados encontrados. Camundongos que receberam dieta rica em açúcar refinado tiveram aumento da agregação de proteína beta amiloide, hiperfosforilação da proteína TAU, atrofia hipocampal e redução dos níveis de fator neurotrópico cerebral (BDNF), molécula correlacionada a preservação da integridade das sinapses. Trabalhos anteriores também revelaram que o aumento dos níveis de BDNF associou-se à diminuição significativa do risco de Alzheimer, sugerindo que essa molécula pode ser um dos elos entre a patologia da doença e as dietas ricas em açúcar.
Os riscos do consumo de açúcar de uma maneira geral têm despertado o interesse mundial de governantes no sentido de debater e definir políticas públicas que visem a informar e limitar excessos. A Organização Mundial de Saúde disponibiliza protocolos atualizados com recomendações sobre a quantidade ideal de cada nutriente na dieta. No Reino Unido, o governo tem aumentado impostos sobre BA e essa parece ser uma tendência mundial. Tais medidas são extremamente relevantes uma vez que além de combater a obesidade e suas consequências, reduziria potencialmente a incidência da demência de Alzheimer, uma das maiores doenças incapacitantes e ameaçadoras da população que envelhece.
Referência:
- MP Pase et al. Sugary Beverage Intake and Preclinical Alzheimer’s Disease in the Community. Alzheimers Dement. 2017 Mar 06.
Autoria

Rodrigo Buksman
Rodrigo Barros Buksman, concluiu a faculdade de Medicina em 2005. Completou seu treinamento como Clínico Geral na tradicional Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, seguido de mais um programa de residência médica no Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) / Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) onde tornou-se Geriatra. Após processo seletivo, passou por um período de treinamento intensivo no Departamento de Geriatria e Cuidados Paliativos do Hospital Mount Sinai (EUA) vinculado à Universidade de Nova Iorque (NYU). Retornou ao Brasil em 2010, ano em que obteve o Título de Especialista em Geriatria pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG/AMB). Aprovado em concurso público federal, passou a fazer parte do corpo clínico do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (INTO), onde acompanha pacientes em pré e pós operatório. Em meados de 2007 passou a fazer parte da rotina de Clínica Médica de um hospital privado de grande porte e tornou-se Chefe de Equipe. Nesse cenário ao longo de 8 anos especializou-se na condução e supervisão de casos clínicos de alta complexidade. Médico do Beep Saúde - Health Care On Demand.
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