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Um trabalho admirável publicado em setembro de 2017 (Whitehall II study) investigou a associação entre alterações do índice de massa corporal (IMC) e a ocorrência de demência.
O desenho desse estudo que o torna único no cenário científico, descreve o acompanhamento de 10.308 adultos de 35 a 55 anos ao longo de quase 30 anos. Em cada participante (6.895 homens e 3.413 mulheres empregados originalmente pelo governo britânico), o IMC foi verificado seis vezes de 1985 a 2015.
Foram identificados 329 casos de demência através de testes realizados em 1997, 2003, 2007 e 2012. A média de idade de quem recebeu o diagnóstico foi 75 anos. Os resultados mostraram associação entre obesidade (caracterizada por IMC > 30 kg/m²) aos 50 anos e surgimento de demência posteriormente.
Surpreendentemente, quando a obesidade foi detectada aos 60 ou 70 anos, tal associação não foi constatada. Independentemente do risco de demência, índices de IMC acima de 30 kg/m² ou abaixo de 18 kg/m² estiveram associados a maior mortalidade.
Outros estudos prospectivos também sugerem que a obesidade em adultos seria um fator de risco para demência. No entanto, essa hipótese foi contestada por um importante trabalho de grandes proporções, publicado em 2015. Nessa ocasião, foram analisados dados retrospectivos de 2 milhões de pacientes com mais de 40 anos durante duas décadas. O aumento do IMC mostrou-se como fator protetor, enquanto que índices abaixo de 20 kg/m² foram associados a um risco 34% maior de demência.
Seria possível justificar resultados tão antagônicos? Na verdade, a trajetória dos valores de IMC é a chave da resposta. Pacientes dementes costumam cursar com perda ponderal acelerada em idades mais avançadas, além de apresentarem dificuldade maior em ganhar peso. Desse modo, a idade modifica a associação entre obesidade e demência.
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O trabalho recém-publicado mostra que ao compararmos a trajetória do IMC de portadores de demência com pacientes hígidos, os participantes doentes apresentam IMC elevado na meia-idade seguido de declínio acelerado na década que antecede o diagnóstico de demência. Uma combinação de apatia, diminuição do olfato, paladar e apetite contribuem para a perda ponderal que acompanha a doença.
O Whitehall II study foi o primeiro trabalho a elaborar um modelo de trajetória do IMC com quase três décadas de acompanhamento, priorizando a análise do tempo que antecedeu o diagnóstico de demência em detrimento da idade por si só. Os mecanismos exatos que justificariam a relação entre obesidade e risco futuro de demência são pouco compreendidos. Possíveis “candidatos” para explicar a associação demandam mais pesquisas e incluem atrofia cerebral, depósito amiloide, quebra da barreira hemato-encefálica, inflamação sistêmica e neuronal.
O número de obesos aumentou consideravelmente nos últimos 40 anos. Os resultados do Whitehall II study mostram que a obesidade na meia-idade é um fator de risco para o surgimento de demência e à medida que a epidemia de obesidade se estender, a incidência de demência aumentará em paralelo agravando uma importante questão de saúde pública.
Para corroborar a conclusão obtida, entende-se que futuros trabalhos devam adotar o seguimento dos participantes por no mínimo 10 anos visando minimizar os efeitos de uma eventual fase pré-clínica de demência, uma vez que alterações decorrentes da doença podem antecedê-la em muitos anos.
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Referências:
- Ferrie, J. E., Head, J., Shipley, M. J., Vahtera, J., Marmot, M. G. and Kivimäki, M. (2007), BMI, Obesity, and Sickness Absence in the Whitehall II Study. Obesity, 15: 1554–1564. doi:10.1038/oby.2007.184
Autoria

Rodrigo Buksman
Rodrigo Barros Buksman, concluiu a faculdade de Medicina em 2005. Completou seu treinamento como Clínico Geral na tradicional Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, seguido de mais um programa de residência médica no Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) / Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) onde tornou-se Geriatra. Após processo seletivo, passou por um período de treinamento intensivo no Departamento de Geriatria e Cuidados Paliativos do Hospital Mount Sinai (EUA) vinculado à Universidade de Nova Iorque (NYU). Retornou ao Brasil em 2010, ano em que obteve o Título de Especialista em Geriatria pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG/AMB). Aprovado em concurso público federal, passou a fazer parte do corpo clínico do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (INTO), onde acompanha pacientes em pré e pós operatório. Em meados de 2007 passou a fazer parte da rotina de Clínica Médica de um hospital privado de grande porte e tornou-se Chefe de Equipe. Nesse cenário ao longo de 8 anos especializou-se na condução e supervisão de casos clínicos de alta complexidade. Médico do Beep Saúde - Health Care On Demand.
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