Pancreatite moderada a grave ocorre em até 35% dos pacientes e apresenta pior prognóstico. Em modelos animais, a hipoperfusão regional do pâncreas foi associada a ocorrência de necrose. Apesar das evidências serem controversas, a expansão volêmica agressiva precoce é amplamente recomendada no manejo da pancreatite aguda.
Recentemente, de-Madaria e colaboradores realizaram um ensaio clínico randomizado aberto, denominado de Waterfall, para comparar ressuscitação volêmica agressiva com moderada na pancreatite aguda.
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Métodos
Em 18 centros (Índia, Itália, México e Espanha), pacientes que apresentavam pancreatite aguda pela Classificação de Atlanta Revisados foram randomizados 1:1 para receber ressuscitação agressiva ou moderada com solução de ringer lactato. O estudo incluiu pacientes que compareceram ao pronto-socorro até 24 horas após o início da dor e que receberam o diagnóstico até oito horas antes da randomização.
Foram critérios de exclusão: pancreatite moderada a grave ao diagnóstico; pacientes com insuficiência cardíaca NYHA II, III, IV; hipertensão arterial não controlada; hipernatremia; hiponatremia; hipercalemia; hipercalcemia; expectativa de vida menor que 1 ano; pancreatite crônica; insuficiência renal crônica e cirrose descompensada.
A ressuscitação volêmica agressiva consistiu em um bolus de 20 mL/Kg de peso corporal em duas horas, seguido de 3 mL/Kg/h. Já a reposição volêmica moderada consistiu em bolus de 10 mL/Kg em 2 horas em pacientes com hipovolemia ou sem bolus em pacientes com normovolemia, seguido de 1,5 mL/Kg/h em todos os pacientes deste grupo. Os pacientes foram avaliados em 12, 24, 48 e 72 horas, e a reposição volêmica foi ajustada de acordo com o estado clínico do paciente. Em ambos os grupos, a hidratação foi diminuída ou interrompida se houvesse suspeita de sobrecarga hídrica. A alimentação oral foi iniciada após 12 horas se a intensidade da dor abdominal fosse menos que cinco pela escala PAN-PROMISE. A ressuscitação volêmica era interrompida após 48 horas no grupo hidratação agressiva e após 20 horas no grupo hidratação moderada se o paciente fosse capaz de tolerar a alimentação oral por mais de 8 horas. Os pacientes e investigadores estavam cientes dos grupos de estudo designados.
O desfecho primário foi o desenvolvimento de pancreatite moderada ou grave durante a internação segundo a Classificação de Atlanta Revisada. O principal desfecho de segurança foi a sobrecarga de fluidos. Os desfechos secundários pré-especificados incluíram falência de órgãos e complicações locais após a randomização e durante a hospitalização; duração da internação; admissão em unidade de terapia intensiva (UTI); o número de dias na UTI; o uso de suporte nutricional ou tratamento invasivo após a randomização e durante a internação; presença de SIRS; SIRS persistente (com duração > 48 horas nas primeiras 72 horas após a randomização); níveis de proteína C reativa no sangue em 48 horas e 72 horas; morte; desfecho combinado de morte, falência orgânica persistente (com duração > 48 horas) ou pancreatite necrosante infectada; e sintomas medidos com o uso da escala PAN-PROMISE na admissão e em cada avaliação. O tamanho calculado da amostra foi de 744, sendo uma análise parcial planejada para depois da inclusão de 248 pacientes.
Resultados
Um total de 249 pacientes foram incluídos na análise parcial. O estudo foi interrompido devido a diferenças significativas entre os grupos nos resultados de segurança sem uma diferença significativa na incidência de pancreatite moderada ou grave (22,1% no grupo de ressuscitação agressiva e 17,3% no grupo de ressuscitação moderada; risco relativo ajustado, 1,30; intervalo de confiança de IC95%, 0,78 a 2,18; P = 0,32). Sobrecarga de fluido foi observada em 20,5% dos pacientes que receberam ressuscitação agressiva e em 6,3% daqueles que receberam expansão moderada (risco relativo ajustado, 2,85; IC95%, 1,36 a 5,94, P = 0,004). O tempo mediano desde a randomização até a sobrecarga de volume foi de 34 horas (intervalo interquartílico, 22 a 46) no grupo de ressuscitação agressiva e 46 horas (intervalo interquartílico, 30 a 64) no grupo expansão moderada.
A duração mediana da hospitalização foi de seis dias (intervalo interquartílico, 4 a 8) no grupo de ressuscitação agressiva e cinco dias (intervalo interquartílico, 3 a 7) no grupo de ressuscitação moderada. Pacientes incluídos no grupo ressuscitação agressiva receberam uma mediana de 7,8 (6,5 a 9,8) litros de ringer lactato, enquanto os indivíduos do grupo ressuscitação moderada receberam 5,5 (4,0 a 6,8) litros.
Falência orgânica persistente ocorreu em 6,6% dos pacientes no grupo de ressuscitação agressiva e em 1,6% no grupo de ressuscitação moderada (risco relativo ajustado, 2,69; IC95%, 0,56 a 12,88); insuficiência respiratória em 7,4% e 2,4%, respectivamente (risco relativo ajustado, 2,19; IC95%, 0,63 a 7,64); e pancreatite necrosante em 13,9% e 7,1%, respectivamente (risco relativo ajustado, 1,95; IC95%, 0,87 a 4,38). Um total de 6,6% dos pacientes do grupo de ressuscitação agressiva e 1,6% dos do grupo de ressuscitação moderada foram admitidos na UTI (risco relativo ajustado, 2,71; IC95%, 0,64 a 11,51).
Mensagens práticas
A ressuscitação volêmica agressiva em pacientes com pancreatite aguda levou a um risco maior de sobrecarga de volume e não mostrou o benefício hipotético em desfechos clínicos. Esses achados contradizem as diretrizes atuais de manejo da pancreatite aguda, as quais recomendam ressuscitação agressiva precoce e devem ser revistas.
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