A doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) é uma doença com aumento de prevalência mundial e a prevalência estimada de esteato-hepatite não alcoólica (NASH) é de 3-5%. Atualmente, essa condição é a segunda principal indicação de transplante hepático nos EUA.
A DHGNA geralmente está inserida em um contexto de síndrome metabólica, sendo frequentes comorbidades como DM, obesidade, dislipidemia e doença renal crônica. Dessa forma, o risco cirúrgico cardiovascular do transplante hepático nesses pacientes tende a ser 2 vezes maior do que nas outras indicações.
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Recentemente, foi publicado no The Lancet uma revisão sistemática com metanálise a fim de identificar os principais preditores de sobrevida pós transplante hepático nesse grupo de pacientes, com o objetivo clínico de auxiliar no ajuste de fatores de risco modificáveis e também otimizar tomada de decisões quanto a transplante hepático.
Métodos
Realizada revisão sistemática e metanálise com estudos das principais bases de dado no período entre 18 de junho de 2020 a 28 de abril de 2022.
Os critérios de inclusão basearam-se no desenho do estudo, na população e nos resultados.
- Desenho do estudo: observacionais, ensaio clínico randomizado, revisão sistemática/metanálise;
- População: pacientes pós transplante hepático por NAFLD/NASH e sem outras indicações além de NASH;
- Resultados: analisados em uma coorte NASH (com ou sem comparação com não NASH) — avaliando sobrevida do paciente e enxerto em 1-3-5-10 anos e sobrevida global.
Foram excluídos estudos pediátricos, em animais, de retransplante e estudos que classificaram pacientes com cirrose criptogênica e IMC < 30 como cirrose por NASH.
Foram coletados dados quanto ao tipo de estudo, grupos/subgrupos, tamanho da amostra, dados demográficos do paciente e doador, variáveis clínicas pré e pós transplante, variáveis do enxerto e das cirurgias.
Heterogeneidade foi avaliada através do índice de inconsistência (I²) e na presença de ensaios heterogêneos, o modelo de efeitos aleatórios foi utilizado para cálculo da razão de chances e IC 95%. Além disso, estudos com alto risco de viés foram excluídos da análise.
Resultados da revisão sobre o pós transplante hepático nestes pacientes
Foram identificados 8.538 títulos na literatura, contudo após aplicar critérios de exclusão, apenas 25 estudos foram incluídos na revisão sistemática e 5 na metanálise. Esses estudos avaliaram 27 preditores de sobrevida do paciente e 11 preditores de sobrevida do enxerto.
As variáveis preditivas de sobrevida pós transplante em pacientes com NAFLD foram:
- Idade do receptor;
- Estado funcional;
- CHC;
- MELD;
- Diabetes;
- Terapia de substituição renal pré-transplante;
- Encefalopatia hepática;
- Trombose de veia porta;
- Internação em UTI no Transplante hepático ou dentro de 1 ano do transplante.
Além disso, preditores não previamente declarados, também foram significativamente associados a sobrevida do paciente/enxerto: suporte ventilatório no TH, > 3 meses em lista de TH, ano do TH, doença renal estágio V, fibrilação atrial, imunossupressão sem inibidor de calcineurina, hipertensão pós transplante hepático e tempo de permanência hospitalar.
A metanálise identificou que os principais fatores de risco de mortalidade pós transplante hepático foram a idade do receptor (HR 2, 07 IC 95% 1,71-2,5) e diabetes (HR 1,18 IC 95% 1,08- 1,28).
Dados de idade e IMC não foram agrupados devido a heterogeneidade nos pontos de corte utilizados nas referências.
Discussão
Os dados não foram suficientes para fazer recomendações prognósticas em relação a dados de sexo e raça de receptor e doador.
A idade do receptor foi diretamente relacionada a maior risco de mortalidade, mesmo ajustando fatores confundidores, especialmente em maiores de 65 anos.
O DM pré transplante está diretamente relacionado a pior prognóstico, provavelmente devido a aumento de complicações cardiovasculares nessa população. Idealmente, o paciente com NASH candidato a TH, deve estar compensado dessa comorbidade. Estudos futuros devem avaliar alvos de hemoglobina glicada nesses pacientes.
MELD > 23 foi relacionado a maior mortalidade, todavia foi insignificante quando avaliado de forma contínua. Todavia, isso é limitado pois há poucos estudos apoiando esse dado. Deve-se lembrar que os pacientes listados para transplante, em geral, apresentam MELD elevado e que esse risco é inerente a uma cirrose avançada.
Sabe-se que a obesidade grau III é fator de risco para TH, sendo em alguns casos uma contraindicação ao TH. No geral, há aumento de mortalidade pós-TH em pacientes com maior IMC, contudo não existem coortes específicas comparando NASH e não NASH. São necessários mais estudos avaliando os efeitos do IMC no pós-TH por NASH a curto e longo prazo.
As principais limitações do estudo estão a seguir:
- Todos os estudos incluídos foram coorte, não randomizados;
- Exclusão de muitos estudos devido a coortes duplicadas;
- Ponto de corte de IMC > 30 na definição de cirrose criptogênica como NASH;
- Foram incluídos apenas textos em inglês;
- Aumento de falsos positivos relacionados a grande lista de variáveis analisada.
Mensagens práticas sobre transplante hepático nestes pacientes
A cirrose hepática por NAFLD vem crescendo na prática clínica, tornando-se causa importante de indicação de transplante hepático. Os pacientes com NAFLD apresentam no geral maior risco cardiovascular e maior morbimortalidade relacionada ao transplante hepático, que é uma cirurgia de grande porta. Entender os principais fatores prognósticos auxilia na tomada de decisões e manejo desses pacientes. Os achados desse estudo podem auxiliar nessa tomada de decisões. Além disso, apesar de baixas evidências, reforça recomendação de controle do DM pré transplante hepático a fim de reduzir mortalidade. Os dados de IMC foram inconsistentes e sugerem que os pacientes com NASH não devem ser excluídos do TH apenas com base nesse parâmetro.
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