Os betabloqueadores não seletivos têm sido classicamente utilizados para prevenir (re)sangramento em pacientes com hipertensão portal clinicamente significativa, uma vez que são capazes de reduzir o gradiente de pressão venosa hepática (GPHV) na maioria dos pacientes. Na profilaxia primária de hemorragia digestiva varicosa, o carvedilol, o qual possível um efeito anti-alfa-adrenérgico adicional, leva a uma maior redução do GPHV em comparação ao propranolol, alcançando uma taxa de resposta significativamente maior (75% versus 36%- 48%).
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Por outro lado, poucos estudos compararam a eficácia de propranolol e carvedilol na profilaxia secundária de hemorragia digestiva alta varicosa, a qual geralmente é realizada pela combinação do tratamento medicamentoso e a terapia endoscópica com ligadura elástica de varizes de esôfago. Nesse estudo, Jachs e colaboradores avaliaram a eficácia e segurança do carvedilol versus propranolol combinados à terapia endoscópica na prevenção de ressangramento de varizes de esôfago.
Métodos
Estudo de coorte retrospectiva que incluiu pacientes cirróticos em profilaxia secundária de hemorragia digestiva alta submetidos a avaliação clínica e hemodinâmica pareada no Laboratório de Hemodinâmica Hepática da Universidade de Viena entre 2004 e 2021 antes e após introdução de betabloqueador. Foram utilizados os seguintes critérios de inclusão:
- Presença de GPHV basal > 12 mmHg antes do uso de betabloqueador;
- Dose estável do betabloqueador no momento da aferição do GPHV de controle;
- Intervalo de tempo máximo de 3 meses entre a medida basal do GPHV e a medida após introdução do betabloqueador.
Foram excluídos pacientes que tinham histórico de (i) trombose oclusiva da veia porta, (ii) hipertensão portal não cirrótica e (iii) carcinoma hepatocelular (CHC). Informações sobre ressangramento de varizes, injúria renal aguda, desenvolvimento de ascite/paracentese, colocação de TIPS, diagnóstico de CHC, transplante de fígado e óbito foram registradas. Todos os pacientes foram submetidos a ligadura elástica até erradicação das varizes de esôfago. A escolha do betabloqueador foi realizada a critério do médico assistente. Carvedilol teve sua dose titulada conforme tolerância do paciente até 12,5 mg/dia e propranolol até 80 mg/dia.
Para análise estatística, foram considerados os seguintes desfechos: (i) (re)sangramento agudo de varizes (HDAv), evidenciado por sangramento ativo de varizes observada durante a endoscopia ou evidência clínica de hemorragia digestiva alta em pacientes com varizes e na ausência de outra fonte de sangramento, (ii) estágio AKI 1b ou superior, conforme definido por um aumento agudo na creatinina sérica ≥ 0,3 mg/dL ou por ≥ 50% para um valor final de ≥ 1,5 mg/dL, (iii) desfecho combinado de desenvolvimento de ascite em pacientes sem ascite ou necessidade de paracentese em pacientes com ascite leve a moderada no início do estudo e (iv) morte relacionada ao fígado.
Resultados
Oitenta e sete pacientes (carvedilol/propranolol: n=45/n=42) foram incluídos no estudo. Os pacientes foram submetidos à primeira avaliação hemodinâmica cerca de 2,2 (0,8; 8.5) meses após o sangramento inicial. A idade mediana foi de 55 (49; 61) anos, e a maioria dos pacientes era do sexo masculino (n=68, 78,2%). As etiologias mais comuns da cirrose foram etanólica (66,7%), seguida de viral (17,2%). A mediana do GPHV foi de 21 (IQR: 18; 24) mmHg e 39,1%/48,3%/12,6% tinham cirrose Child-Turcotte-Pugh-A/-B/-C, respectivamente. Após o início betabloqueador, o GPHV reduziu de maneira mais significativa em pacientes tratados com carvedilol (diminuição relativa: -20 [-29; -10]% vs. -11 [-22; -5]% para propranolol, p=0,027). O grupo tratado com carvedilol também obteve maior taxa de resposta do GPHV (53,3% vs. 28,6%, p=0,034). Por outro lado, o uso de carvedilol foi associado a reduções mais acentuadas na pressão arterial média (-12[-17; -6]% vs. -6[-17; 2]%, p=0,044) do que propranolol. Incidências cumulativas de ressangramento (1 ano: 2,4% vs. 8,9%; 3 anos: 5,2% vs. 19,0%; 5 anos: 10,4% vs. 29,3%; teste de Gray: p=0,027) e morte relacionada ao fígado (1 ano: 4,8% vs. 6,2%; 3 anos: 7,4% vs. 19,6%; 5 anos: 7,4% vs. 27,3%; p=0,036) foram significativamente menores em pacientes que tomaram carvedilol, em comparação ao propranolol. Além disso, a incidência cumulativa de desenvolvimento/piora da ascite foi menor em pacientes tomando carvedilol (1 ano: 2,6% vs. 13,5%; 3 anos: 6,5% vs. 17,4%; 5 anos: 11,7% vs. 29,1%), em comparação ao propranolol (p=0,012). Já as taxas de injúria renal aguda, não diferiram entre os dois grupos (p=0,255).
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Mensagens práticas
O carvedilol deve ser o betabloqueador de primeira escolha para profilaxia secundária de hemorragia digestiva alta em pacientes cirróticos, pois oferece maior redução da pressão portal, menor taxa de ressangramento e melhores desfechos relacionados ao fígado. Não existem estudos randomizados prospectivos até o momento sobre esse tópico. As evidências atuais corroboram o que foi proposto pela nova diretriz de manejo da hipertensão portal – BAVENO VII.
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