As malformações congênitas do trato gastrointestinal (TGI), fazem parte de um espectro de doenças resultantes de obstrução parcial ou completa da luz intestinal, ou de má rotação, por exemplo. Clinicamente, os pacientes apresentam dificuldades de progressão da dieta ou não conseguem se alimentar de forma adequada, associado a distensão abdominal, vômitos e até mesmo não eliminação de fezes.
Condições como atresia esofágica, atresia duodenal, estenose hipertrófica de piloro e aganglianose intestinal fazem parte das doenças que podem necessitar uma intervenção cirúrgica em fazes iniciais da vida dos nossos pacientes pediátricos, porém em algumas situações os pacientes evoluem com alterações de motilidade do TGI. Nesse contexto, durante a plenária do 56ª Encontro Anual da Sociedade Europeia de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica (ESPGHAN 2024), esse tópico foi abordado.
A discussão
A plenária deu início com a discussão sobre o manejo da dismotilidade em pacientes submetidos a cirurgias de correção de atresia esofágica. Sabemos que parte considerável desses pacientes evoluem clinicamente com sinais e sintomas clínicos sugestivos de alteração da motilidade do esôfago. Afinal, será esse um problema para toda a vida dos pacientes? A resposta veio através da aula da Dra. Madeleine Aumar, que iniciou evidenciando dados epidemiológicos sobre o grande volume de pacientes futuros que já terão sido operados devido atresia esofágica, serão cerca de 7.000 adultos na França e mais de 40.000 em toda a Europa, em 2030. Esse é um número muito expressivo e coloca em tema em alta para discussão.
A palestrante reforça que, cerca de 25% dos pacientes submetidos a cirurgia de correção de atresia esofágica, evoluem com sintomas gastrointestinais diário na vida adulta, sendo a grande maioria relacionada a dismotilidade esofágica, tendo grande impacto nos escores de qualidade de vida, quando aplicados nesses pacientes. De forma adicional, cerca de 35% dos pacientes apresentam disfagia por volta dos 6 anos de idade e uma série de adultos houve relatos de quase 80% de sintomas associados a disfagia.
Sabemos que essas alterações iniciais, manifestadas da infância, acontecem pela anormalidade presente dos plexos mioentéricos, associado a uma hipoplasia muscular e devido anormalidades em relação a expressão de proteínas que fornecem uma adequada estrutura neuronal.
A confirmação dessas alterações de motilidade pode ser feita através das manometrias esofágicas que, em crianças normalmente se encontra um relaxamento incompleto do esfíncter esofagiano superior, diferente dos adultos que já totalmente coordenado, mas já a videomanometria mostra uma inadequada coordenação no esfíncter superior. Já em relação ao esfíncter esofagiano inferior, os controles parecem ser similares aos pacientes com atresia esofágica, mas a complacência esofágica parece estar alterada nos pacientes com atresia.
Do ponto de vista das alterações de peristalse esofágica, podemos encontrar uma aperistalse, uma pressurização e contrações isoladas distalmente.
E quais são as consequências a longo prazo da dismotilidade esofágica?
A palestrante apresentou um estudo na qual pacientes com dismotilidade esofágica, com idade entre 11 e 65 anos, foram avaliados em relação aos sinais e sintomas mais prevalentes ao longo prazo, com destaque para disfagia, doença do refluxo gastroesofágico (DRGE), metaplasia intestinal, câncer de esôfago, esofagite eosinofílica (EoE) e síndrome de Dumping. Os guidelines sugerem que esse perfil de paciente precisa realizar um seguimento regular com o gastroenterologista e a endoscopia deve ser considerada mais frequentemente com o avançar da idade e presença de sintomas. Outro estudo evidenciado pela Dra. Madeleine, mostra a relação em DRGE e complicações, sendo esofagite em cerca de 60% dos pacientes adultos, seguido de metaplasia intestinal entre 5-11% e câncer podendo chegar a 5% de prevalência. Avaliando exclusivamente a EoE, cerca de 30% das crianças até 10 anos apresentam essa condição e esses dados não são tão claros em adultos.
ESPGHAN 2024: Dieta na DII pediátrica – o que esperar do futuro?
Mensagem prática
O gastroenterologista pediátrico deve ficar atento a evolução clínica dos pacientes submetidos a cirurgia de correção de atresia esofágica, buscando ativamente pelos potenciais sinais e sintomas mais prevalentes a cada visita médica. A transição para o cuidado adulto deve ser realizada de forma gradual e as informações sobre vigilância de complicações previamente realizadas deve ser compartilhada.
Lembrar que a dismotilidade esofágica é muito frequente em crianças e adultos, com grande impacto na qualidade de vida a longo prazo. No Brasil o acesso aos exames que avaliam de forma mais precisa as alterações de motilidade são concentrados em grandes centros e com acesso limitado, além de poucos centros de treinamentos disponíveis no país, o que torna a elucidação desses diagnósticos mais desafiadoras.
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