Logotipo Afya
Anúncio
Gastroenterologia19 setembro 2022

Glúten e risco de neoplasias gastrointestinais

A possível relação entre o glúten e processos inflamatórios intestinais, sistêmicos e neoplasias, motivou sua crescente restrição de consumo.

Nos últimos anos, o glúten foi transformado no maior vilão alimentar e muitas dietas da moda propuseram sua restrição para perda ponderal, diminuição da inflamação intestinal e até prevenção de neoplasias gastrointestinais. Mas será que existe risco na ingestão do glúten para pessoas sem doença celíaca? Um artigo recente, de excelente qualidade científica, publicado por Wang Y et al (2022), buscou responder esta questão.

Leia também: A introdução precoce de glúten na dieta pode reduzir a prevalência de doença celíaca

gastroenterite aguda

O que é o glúten?

Glúten é o componente proteico do trigo, centeio e cevada, comumente consumido nas dietas ocidentais. Sua ingestão tem sido relacionada a condições patológicas do trato gastrointestinal. A ingestão de produtos sem glúten aumentou rapidamente nas últimas três décadas devido a possíveis benefícios à saúde, popularizados pela mídia e pelo marketing da indústria alimentícia.

O que o glúten pode causar em pacientes com Doença Celíaca?

A doença celíaca é uma doença autoimune crônica e sistêmica, caracterizada por enteropatia sensível ao glúten em indivíduos geneticamente predispostos. Nesses pacientes, o glúten desencadeia uma reação imunológica que leva a alterações patológicas do intestino delgado, em especial das vilosidades intestinais, podendo aumentar o risco a longo prazo de câncer.

De acordo com os dados do Global Cancer Observatory (2020), as neoplasias do trato gastrointestinal foram responsáveis por cerca de 30% dos novos casos e 39% das mortes por todos os tipos de câncer, em 2020. A dieta é um dos principais fatores de risco modificáveis para estes cânceres intestinais. Numerosos estudos demonstraram que a ingestão de grãos e de fibras de cereais estão inversamente associadas ao risco de lesões malignas do trato gastrointestinal, incluindo o câncer gástrico e o câncer colorretal.

Devido ao seu alto teor de prolina, o glúten não pode ser completamente digerido por proteases humanas. Por sua vez, uma dieta sem glúten pode resolver os sintomas e normalizar a mucosa intestinal de pacientes com doença celíaca, diminuindo o risco de complicações patológicas. Os potenciais mecanismos subjacentes ao desenvolvimento de neoplasias envolvem inflamação crônica, estresse oxidativo e alterações nas vias de sinalização oncogênica. Logo, uma dieta sem glúten poderia reduzir os danos intestinais e reduzir o estresse oxidativo em celíacos.

O glúten aumenta o risco de neoplasia em pacientes sem doença celíaca?

Em estudo realizado por Wang et al (2022), examinou-se a associação entre a ingestão de glúten e o risco de neoplasias do sistema digestivo em adultos norte-americanos livres de doença celíaca. Foram usados dados dietéticos adquiridos por meio de questionários de frequência alimentar e informações de três grandes estudos. O estudo tipo coorte realizado por Wang et al (2022), até onde sabemos, é o primeiro a investigar de forma abrangente a associação da ingestão de glúten com o risco de câncer do aparelho digestivo, em uma população sem diagnóstico de doença celíaca.

Em outro estudo recente, Um et al (2020) descobriu que não houve associação entre a ingestão de glúten e o risco geral de câncer colorretal, embora tenha sido potencialmente associada a risco aumentado de câncer de cólon proximal. Da mesma forma, o estudo de Wang et al (2022) sugeriu ausência de associação entre a ingestão de glúten e o risco de câncer colorretal, bem como de esôfago, intestino delgado e fígado. Tais achados, portanto, não sustentam a hipótese que a ingestão de glúten na dieta contribui para o desenvolvimento de câncer do aparelho digestivo em indivíduos sem Doença Celíaca.

Saiba mais: Abordagem diagnóstica e terapêutica da síndrome do intestino irritável e da diarreia funcional

Nos pacientes sem Doença Celíaca a restrição de glúten é prejudicial?

Vários estudos têm indicado que evitar o glúten pode piorar a qualidade alimentar da dieta da população ocidental. Indivíduos que aderem a uma dieta estrita sem glúten têm demonstrado ingestão inadequada de minerais e vitaminas, incluindo cálcio, zinco, folato e vitamina B12. Além disso, os produtos gluten-free tendem a apresentar menor teor proteico e maior quantidade de gordura saturada, sódio e colesterol do que produtos equivalentes com glúten. Estudos recentes também relataram que indivíduos em uma dieta sem glúten apresentaram níveis mais altos de metais pesados e toxinas no sangue e na urina, como chumbo, mercúrio, cádmio e arsênico do que indivíduos sem restrição de glúten. Isso provavelmente se deve à maior ingestão de arroz, que tende a acumular mais essas toxinas do que outras plantações.

Existem algumas limitações deste estudo. Primeiro, os participantes eram predominantemente leucodermos e profissionais da área de saúde dos Estados Unidos, o que limita a generalização dos resultados para outras populações, embora seja improvável que o mecanismo subjacente à relação dieta-câncer se diferencie substancialmente entre populações.

Mensagem Prática do estudo

Em resumo, a ingestão de glúten não foi associada a maior risco de câncer do sistema digestivo, em adultos sem Doença Celíaca. Conclui-se que é improvável que a restrição do glúten na dieta seja benéfica para a prevenção de neoplasias do sistema digestivo na população geral.

 

Artigo escrito em parceria com:

  • Danielle Martins Fernandes e Souza: Especialização em Gastroenterologia pelo Hospital Lifecenter. Especialização em Clínica Médica pelo Hospital Mater Dei. Título de Especialista em Clínica Médica pela AMB. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9277963606660241
Anúncio

Assine nossa newsletter

Aproveite o benefício de manter-se atualizado sem esforço.

Ao assinar a newsletter, você está de acordo com a Política de Privacidade.

Como você avalia este conteúdo?

Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.

Referências bibliográficas

Compartilhar artigo