A principal indicação para solicitar enzimas pancreáticas deve ser a suspeita de pancreatite aguda, que deve sempre ser considerada diante de instalação de dor aguda e intensa no andar superior do abdome, frequentemente epigástrica, com irradiação para o dorso (“em barra”) e associada à hiporexia, náuseas e vômitos.
O diagnóstico de pancreatite aguda é pautado no tripé: clínica, laboratório (enzimas pancreáticas ≥ 3 vezes o limite superior da normalidade) e estudo seccional de imagem (TC ou RM), sendo necessária a presença de ao menos 2 entre 3 critérios elencados.
O gatilho para a solicitação das enzimas pancreáticas, entretanto, deve ser acionado somente diante de um quadro clínico compatível com pancreatite aguda, com objetivo de moldar, de forma útil, a probabilidade pré-teste, enriquecendo o raciocínio diagnóstico.
Observa-se, entretanto, um exagero em sua solicitação, que é realizada diante de cenários de baixa probabilidade, gerando ônus financeiro e susceptibilidade a resultados falso-positivos.
A tabela abaixo sintetiza várias causas de aumento de amilase e lipase, entre as quais destacamos, em decorrência do maior potencial de confusão diagnóstica, patologias comuns como a gastroenterite aguda e doença ulcerosa péptica (em que há o risco de investigações adicionais desnecessárias) e os quadros de abdome agudo (em que a atribuição errônea do quadro à pancreatite aguda poderia privar o paciente de intervenção específica, como na obstrução intestinal ou isquemia mesentérica).
Causas não pancreáticas de aumento de amilase e lipase |
Pancreáticas
Gastrointestinais
Outras
|
As estratégias para racionalizar o emprego dessas ferramentas, além da sua indicação criteriosa, também inclui a adoção preferencial da lipase em detrimento da amilase, em virtude de sua maior especificidade e meia-vida mais prolongada. Nunca é demais lembrar que as enzimas pancreáticas não têm valor prognóstico e, uma vez elevadas, não há necessidade de seriamento, a menos que se suspeite de um segundo hit de pancreatite aguda.
As elevações modestas das enzimas pancreáticas apontam, em geral, para etiologias extrapancreáticas e, por si só, não devem ser indicativas de prosseguir na investigação com exames de imagem. A revisão da entrevista médica, acoplada ao exame físico abdominopélvico, geralmente será capaz de apontar para a etiologia subjacente nesses cenários, e muitas vezes levará a conclusão de que a solicitação havia sido inadequada, um exercício retrospectivo sempre válido.
Conclusão e mensagens práticas
- As enzimas pancreáticas, amilase e lipase, são frequentemente solicitadas nos pronto-socorros e hospitais, com tendência ao exagero na utilização dessas ferramentas.
- O cenário clínico em que são imprescindíveis é na suspeita de pancreatite aguda, com preferência da lipase em detrimento da amilase.
- Em cenários clínicos de baixa probabilidade, se associam a aumento dos custos financeiros, além de exposição ao risco de resultados falso-positivos.
- Além das doenças pancreáticas, o aumento das enzimas pode ser observado em outras afecções gastrointestinais, vasculares, endocrinológicas, oncológicas, ginecológicas, infecciosas e neurológicas.
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