Logotipo Afya
Anúncio
Proctologia7 agosto 2024

Diverticulite colônica aguda: O que você precisa saber? 

Aqui apresentaremos os principais pontos de artigo publicado no Journal of Trauma and Acute Care Surgery sobre o diagnóstico e o tratamento da diverticulite colônica aguda
Por Leandro Lima

Os divertículos colônicos, caracterizados por projeções saculiformes da mucosa do intestino grosso, são extremamente comuns, especialmente a partir da sétima década de vida, quando a prevalência alcança os 60%.  Entre os portadores de divertículos colônicos, apenas 5% evoluem com diverticulite colônica aguda (DCA), com incidência de 180 casos para 100.000 pessoas-ano, dos quais apenas 12% com as formas complicadas da doença. 

No ocidente, 90% dos casos envolvem o cólon esquerdo, especialmente o cólon sigmoide, contrastando com a epidemiologia asiática e africana, onde o cólon direito responde por 3 a cada 4 casos. 

Diverticulite colônica aguda: O que você precisa saber? 

Imagem de gpointstudio/freepik

Quais os prováveis mecanismos? 

A obstrução de óstios diverticulares por fecalitos ou resíduos alimentares, com consequente isquemia, microperfuração e infecção, embora seja uma teoria tradicional e plausível, tem sido questionada nos últimos anos.  

Entre as motivações, inclui-se a ausência de risco aumentado com o consumo de nozes e sementes, bem como a ausência de resposta universal à antibioticoterapia.  

A herança genética, por sua vez, exerce papel significativo em até metade dos casos, tendo-se identificado a associação com desordens neuromusculares, doenças do tecido conjuntivo (síndrome de Ehlers-Danlos e Marfan), hérnias incisionais e aneurismas aórticos. As mutações da laminina, uma proteína de matriz extracelular, essencial ao sistema nervoso entérico, também têm sido implicadas.  

Por fim, a dieta e o estilo de vida, ao impactarem na constituição da microbiota intestinal, possivelmente deflagram inflamação crônica e precipitação das crises de diverticulite, bem como a exposição a alguns medicamentos, como os inibidores da JAK2.  

Ouça também: Abdome agudo: panorama clínico [podcast]

Quais as principais manifestações clínicas? 

A apresentação clássica é de dor abdominal aguda, localizada em quadrante inferior esquerdo, com sensibilidade à palpação local e ausência de vômitos.  

Um escore de predição clínica leva em conta os seguintes comemorativos:   

  • Idade > 50 anos;
  • Episódios prévios de DCA;  
  • Sinais e sintomas em quadrante inferior esquerdo do abdome;  
  • Agravamento da dor com a movimentação; 
  • Ausência de vômitos; 
  • Proteína C reativa (PCR) superior a 50 mg/dL.  

A elevação da PCR para além de 150 mg/dL, por sua vez, é preditora de gravidade e necessidade de drenagem percutânea ou intervenção cirúrgica.  

Os dados da entrevista e exame físico, contudo, são considerados insuficientes para a definição do diagnóstico, sendo recomendado a complementação com exame seccional de imagem, especialmente a tomografia computadorizada do abdome (TCA).  

O que caracteriza as formas complicadas? 

A DCA complicada é definida pela presença de flegmão, abscesso, peritonite, obstrução, estenoses e/ou fístulas. Nesses casos, a necessidade de internação hospitalar é mais frequente, com demanda cirúrgica em até 20%.  

Qual o sistema de classificação mais difundido? 

O sistema de classificação de Hinchey, elaborado em 1978 e destinado às formas complicadas de DCA, ainda é um dos mais disseminados, tendo sido elaboradas algumas poucas modificações.   

Estágios 

Características 

I 

Abscesso pericólico. 

II 

Abscesso pélvico, intra-abdominal ou retroperitoneal. 

III 

Peritonite purulenta. 

IV 

Peritonite generalizada fecal.  

Outras classificações mais recentes, inspiradas na previamente apresentada, incluíram outros parâmetros de maior acurácia, como as dimensões do abscesso (> 3 a 5 cm), bem como a presença de disfunções orgânicas.  

Qual é o tratamento habitual da diverticulite colônica aguda?  

Os casos não complicados de DCA, majoritários, podem ser manejados de forma ambulatorial, dispensando a antibioticoterapia em boa parte das vezes, desde que se tenha um acompanhamento clínico estreito.   

Quais as principais indicações de referência ao cirurgião? 

A avaliação pela equipe da cirurgia é sempre recomendável nos casos de DCA, mas torna-se ainda mais importante nos casos complicados, recorrentes e com sintomas refratários. A cirurgia laparoscópica dedicada à doença diverticular é segura e recomendada nos casos eletivos, com redução da morbidade e do tempo de internação hospitalar. No cenário de urgência e emergência, as evidências são limitadas. 

Dieta 

A dieta líquida clara, tradicionalmente recomendada, provavelmente é dispensável na maioria dos casos não complicados.  

Antibióticos 

Ao contrário do que muitos imaginam, a antibioticoterapia nem sempre é necessária, devendo ser evitada nos casos não complicados entre pacientes imunocompetentes e sem comorbidades sistêmicas relevantes.   

Indicações de antibioticoterapia na DCA 

  • DCA complicada ou com sintomas refratários;  
  • Presença de comorbidades, imunodepressão* ou fragilidade;  
  • Presença de sinais inflamatórios sistêmicos, corroborados por PCR > 140 mg/L e leucócitos globais > 15.000.  

* Uso crônico de corticoides, imunossupressores, transplantados, oncológicos ou portadores de doença renal crônica.   

A despeito dessas recomendações, na prática cotidiana há uma sobreutilização de antibióticos, geralmente pautada em cobertura de gram positivos, gram negativos e anaeróbios, com esquemas de amplo espectro como ceftriaxona + metronidazol ou ciprofloxacino + metronidazol nas infecções comunitárias e piperacilina-tazobactam ou carbapenêmicos em casos graves ou com risco aumentado para a resistência antimicrobiana.   

A evitação de antibióticos em casos selecionados tem se mostrado segura, não estando associada ao incremento de complicações, recorrências ou indicação de sigmoidectomia ou drenagem percutânea, além de não modificar o tempo de resolução dos sintomas e taxa de readmissão hospitalar.  

O tempo de antibioticoterapia, após o controle do foco infeccioso por cirurgia ou radiointervenção nos casos pertinentes, deve se limitar a 4 dias.  

Saiba mais: Doença do refluxo gastroesofágico (DRGE): novas atualizações no manejo 

Abscessos 

Os abscessos complicam cerca de 20% das diverticulites colônicas agudas. Quando pequenos, podem ser tratados de forma conservadora pautada em antibióticos. Entretanto, abscessos maiores do que 3 a 5 cm devem ser avaliados para a drenagem percutânea.  

Pneumoperitônio 

A presença de gás extraluminal pericólico, em pequeno volume, é compatível com estratégia inicial conservadora.   

Na presença de pneumoperitônio à distância, a abordagem inicial não operatória pode ainda ser considerada, desde que se respeite as contraindicações abaixo destacadas e com vigilância clínico-cirúrgica estreita em virtude do risco aumentado de falha terapêutica com a estratégia conservadora nesse cenário.   

Quando a abordagem não operatória, diante de pneumoperitônio à distância, deve ser evitada? 

  • Líquido livre difuso na cavidade abdominal;  
  • Instabilidade hemodinâmica;  
  • Indivíduos com maior vulnerabilidade, elucidada pela presença de comorbidades, imunodepressão ou idade acima de 65 anos. 

Quais as estratégias cirúrgicas? 

A lavagem peritoneal laparoscópica, com posicionamento da drenos, não é considerada um tratamento de primeira linha para a peritonite associada à DCA, sendo recomendada a realização concomitante de retossigmoidectomia. 

Uma vez realizada a ressecção cirúrgica colônica, as opções subsequentes são: 

  • Procedimento de Hartmann (retossigmoidectomia + fechamento do coto retal + confecção de colostomia terminal), recomendado nas peritonites purulentas ou fecais difusas, entre indivíduos policomórbidos e críticos. 
  • Anastomose colorretal primária, com ou sem uma ileostomia protetora, que pode ser considerada nos pacientes com reserva fisiológica, ausência de comorbidades sistêmicas relevantes e com anatomia favorável, com base nas preferências do cirurgião.  

Os pacientes que realizam a anastomose na primeira intervenção, em comparação com o procedimento de Hartmann, tendem a apresentar redução do tempo de internamento, menores custos hospitalares e maior taxa de reversão da ostomia (96% vs. 65% em 18 meses), não sendo observadas diferenças significativas na morbimortalidade em curto prazo.   

A manutenção da cavidade abdominal aberta, associada à terapia de pressão negativa a vácuo, não é comum no cenário da DCA perfurada, mas é mandatória nos casos de síndrome de compartimento abdominal ou predição de necessidade de revisão da cavidade em curto prazo.   

Após a recuperação da DCA complicada tratada de forma conservadora, a ressecção cirúrgica eletiva do sigmoide, em geral, deve ser considerada. Nos casos não complicados, mais do que o número de episódios prévios de diverticulite, deve-se considerar, antes da indicação da colectomia eletiva, o risco de recorrência, morbidade cirúrgica, intensidade dos sintomas, complexidade da doença, risco cirúrgico, comorbidades, qualidade de vida e preferências do paciente.  

As complicações cirúrgicas, presentes em até 20% dos casos, bem como a possibilidade de recorrência da DCA a despeito do procedimento, devem ser sempre elucidadas nas discussões pré-operatórias com o paciente.   

A margem distal da ressecção, alvo da anastomose colorretal, deve estar no nível ou abaixo da junção retossigmoideana, na topografia do promontório sacral, onde há a coalescência de tenia coli.  

Colonoscopia após a recuperação  

Os pacientes recuperados das formas complicadas devem ser submetidos à colonoscopia entre 4 e 8 semanas após o evento, desde que tenha ocorrido resolução completa dos sintomas, para minimizar o risco de perfuração, desconforto abdominal e dificuldades técnicas.  

O risco de câncer colorretal entre os indivíduos com DCA não complicada é baixo, da ordem de 2%, sendo a colonoscopia rotineira questionável nesse cenário; enquanto se aproxima dos 8% nos casos complicados, condição em que está formalmente indiciada.   

Como evitar a recorrência?  

As medidas profiláticas incluem emagrecimento com alvo de normalização do índice de massa corporal; dieta rica em fibras, frutas e vegetais, com limitação de açúcares e carne vermelha; prática regular de atividade física; abstenção do tabagismo e evitar o uso indiscriminado de anti-inflamatórios não esteroidais.    

Conclusão e mensagens práticas: diverticulite colônica aguda (DCA)  

  • A diverticulite colônica aguda é uma condição comum entre os idosos.
  • Os casos leves e não complicados são majoritários, e frequentemente o tratamento pode ser ambulatorial, não havendo indicação universal de antibioticoterapia. 
  • O limiar para a antibioticoterapia, entretanto, é mais baixo para os indivíduos policomórbidos, imunodeprimidos e idosos, bem como na presença de sintomas intensos, refratários ou evidências de resposta inflamatória sistêmica.  
  • As principais complicações são caracterizadas pela presença de flegmão, abscessos, perfurações e estenoses. 
  • As estratégias cirúrgicas consistem em cirurgia de Hartmann ou sigmoidectomia com anastomose colorretal primária, com ou sem ileostomia protetora.  
  • Até 8% dos pacientes com formas complicadas apresentam, em concomitância, câncer de cólon, motivo pelo qual a colonoscopia é recomendada em 4 a 8 semanas, desde que os sintomas iniciais tenham sido resolvidos.  
  • As medidas preventivas incluem hábitos de vida saudáveis, evitação do sedentarismo, tabagismo e controle da obesidade. 
Anúncio

Assine nossa newsletter

Aproveite o benefício de manter-se atualizado sem esforço.

Ao assinar a newsletter, você está de acordo com a Política de Privacidade.

Como você avalia este conteúdo?

Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.

Referências bibliográficas

Compartilhar artigo