Diverticulite colônica aguda: O que você precisa saber?
Os divertículos colônicos, caracterizados por projeções saculiformes da mucosa do intestino grosso, são extremamente comuns, especialmente a partir da sétima década de vida, quando a prevalência alcança os 60%. Entre os portadores de divertículos colônicos, apenas 5% evoluem com diverticulite colônica aguda (DCA), com incidência de 180 casos para 100.000 pessoas-ano, dos quais apenas 12% com as formas complicadas da doença.
No ocidente, 90% dos casos envolvem o cólon esquerdo, especialmente o cólon sigmoide, contrastando com a epidemiologia asiática e africana, onde o cólon direito responde por 3 a cada 4 casos.
Quais os prováveis mecanismos?
A obstrução de óstios diverticulares por fecalitos ou resíduos alimentares, com consequente isquemia, microperfuração e infecção, embora seja uma teoria tradicional e plausível, tem sido questionada nos últimos anos.
Entre as motivações, inclui-se a ausência de risco aumentado com o consumo de nozes e sementes, bem como a ausência de resposta universal à antibioticoterapia.
A herança genética, por sua vez, exerce papel significativo em até metade dos casos, tendo-se identificado a associação com desordens neuromusculares, doenças do tecido conjuntivo (síndrome de Ehlers-Danlos e Marfan), hérnias incisionais e aneurismas aórticos. As mutações da laminina, uma proteína de matriz extracelular, essencial ao sistema nervoso entérico, também têm sido implicadas.
Por fim, a dieta e o estilo de vida, ao impactarem na constituição da microbiota intestinal, possivelmente deflagram inflamação crônica e precipitação das crises de diverticulite, bem como a exposição a alguns medicamentos, como os inibidores da JAK2.
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Quais as principais manifestações clínicas?
A apresentação clássica é de dor abdominal aguda, localizada em quadrante inferior esquerdo, com sensibilidade à palpação local e ausência de vômitos.
Um escore de predição clínica leva em conta os seguintes comemorativos:
- Idade > 50 anos;
- Episódios prévios de DCA;
- Sinais e sintomas em quadrante inferior esquerdo do abdome;
- Agravamento da dor com a movimentação;
- Ausência de vômitos;
- Proteína C reativa (PCR) superior a 50 mg/dL.
A elevação da PCR para além de 150 mg/dL, por sua vez, é preditora de gravidade e necessidade de drenagem percutânea ou intervenção cirúrgica.
Os dados da entrevista e exame físico, contudo, são considerados insuficientes para a definição do diagnóstico, sendo recomendado a complementação com exame seccional de imagem, especialmente a tomografia computadorizada do abdome (TCA).
O que caracteriza as formas complicadas?
A DCA complicada é definida pela presença de flegmão, abscesso, peritonite, obstrução, estenoses e/ou fístulas. Nesses casos, a necessidade de internação hospitalar é mais frequente, com demanda cirúrgica em até 20%.
Qual o sistema de classificação mais difundido?
O sistema de classificação de Hinchey, elaborado em 1978 e destinado às formas complicadas de DCA, ainda é um dos mais disseminados, tendo sido elaboradas algumas poucas modificações.
Estágios |
Características |
I |
Abscesso pericólico. |
II |
Abscesso pélvico, intra-abdominal ou retroperitoneal. |
III |
Peritonite purulenta. |
IV |
Peritonite generalizada fecal. |
Outras classificações mais recentes, inspiradas na previamente apresentada, incluíram outros parâmetros de maior acurácia, como as dimensões do abscesso (> 3 a 5 cm), bem como a presença de disfunções orgânicas.
Qual é o tratamento habitual da diverticulite colônica aguda?
Os casos não complicados de DCA, majoritários, podem ser manejados de forma ambulatorial, dispensando a antibioticoterapia em boa parte das vezes, desde que se tenha um acompanhamento clínico estreito.
Quais as principais indicações de referência ao cirurgião?
A avaliação pela equipe da cirurgia é sempre recomendável nos casos de DCA, mas torna-se ainda mais importante nos casos complicados, recorrentes e com sintomas refratários. A cirurgia laparoscópica dedicada à doença diverticular é segura e recomendada nos casos eletivos, com redução da morbidade e do tempo de internação hospitalar. No cenário de urgência e emergência, as evidências são limitadas.
Dieta
A dieta líquida clara, tradicionalmente recomendada, provavelmente é dispensável na maioria dos casos não complicados.
Antibióticos
Ao contrário do que muitos imaginam, a antibioticoterapia nem sempre é necessária, devendo ser evitada nos casos não complicados entre pacientes imunocompetentes e sem comorbidades sistêmicas relevantes.
Indicações de antibioticoterapia na DCA |
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* Uso crônico de corticoides, imunossupressores, transplantados, oncológicos ou portadores de doença renal crônica.
A despeito dessas recomendações, na prática cotidiana há uma sobreutilização de antibióticos, geralmente pautada em cobertura de gram positivos, gram negativos e anaeróbios, com esquemas de amplo espectro como ceftriaxona + metronidazol ou ciprofloxacino + metronidazol nas infecções comunitárias e piperacilina-tazobactam ou carbapenêmicos em casos graves ou com risco aumentado para a resistência antimicrobiana.
A evitação de antibióticos em casos selecionados tem se mostrado segura, não estando associada ao incremento de complicações, recorrências ou indicação de sigmoidectomia ou drenagem percutânea, além de não modificar o tempo de resolução dos sintomas e taxa de readmissão hospitalar.
O tempo de antibioticoterapia, após o controle do foco infeccioso por cirurgia ou radiointervenção nos casos pertinentes, deve se limitar a 4 dias.
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Abscessos
Os abscessos complicam cerca de 20% das diverticulites colônicas agudas. Quando pequenos, podem ser tratados de forma conservadora pautada em antibióticos. Entretanto, abscessos maiores do que 3 a 5 cm devem ser avaliados para a drenagem percutânea.
Pneumoperitônio
A presença de gás extraluminal pericólico, em pequeno volume, é compatível com estratégia inicial conservadora.
Na presença de pneumoperitônio à distância, a abordagem inicial não operatória pode ainda ser considerada, desde que se respeite as contraindicações abaixo destacadas e com vigilância clínico-cirúrgica estreita em virtude do risco aumentado de falha terapêutica com a estratégia conservadora nesse cenário.
Quando a abordagem não operatória, diante de pneumoperitônio à distância, deve ser evitada? |
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Quais as estratégias cirúrgicas?
A lavagem peritoneal laparoscópica, com posicionamento da drenos, não é considerada um tratamento de primeira linha para a peritonite associada à DCA, sendo recomendada a realização concomitante de retossigmoidectomia.
Uma vez realizada a ressecção cirúrgica colônica, as opções subsequentes são:
- Procedimento de Hartmann (retossigmoidectomia + fechamento do coto retal + confecção de colostomia terminal), recomendado nas peritonites purulentas ou fecais difusas, entre indivíduos policomórbidos e críticos.
- Anastomose colorretal primária, com ou sem uma ileostomia protetora, que pode ser considerada nos pacientes com reserva fisiológica, ausência de comorbidades sistêmicas relevantes e com anatomia favorável, com base nas preferências do cirurgião.
Os pacientes que realizam a anastomose na primeira intervenção, em comparação com o procedimento de Hartmann, tendem a apresentar redução do tempo de internamento, menores custos hospitalares e maior taxa de reversão da ostomia (96% vs. 65% em 18 meses), não sendo observadas diferenças significativas na morbimortalidade em curto prazo.
A manutenção da cavidade abdominal aberta, associada à terapia de pressão negativa a vácuo, não é comum no cenário da DCA perfurada, mas é mandatória nos casos de síndrome de compartimento abdominal ou predição de necessidade de revisão da cavidade em curto prazo.
Após a recuperação da DCA complicada tratada de forma conservadora, a ressecção cirúrgica eletiva do sigmoide, em geral, deve ser considerada. Nos casos não complicados, mais do que o número de episódios prévios de diverticulite, deve-se considerar, antes da indicação da colectomia eletiva, o risco de recorrência, morbidade cirúrgica, intensidade dos sintomas, complexidade da doença, risco cirúrgico, comorbidades, qualidade de vida e preferências do paciente.
As complicações cirúrgicas, presentes em até 20% dos casos, bem como a possibilidade de recorrência da DCA a despeito do procedimento, devem ser sempre elucidadas nas discussões pré-operatórias com o paciente.
A margem distal da ressecção, alvo da anastomose colorretal, deve estar no nível ou abaixo da junção retossigmoideana, na topografia do promontório sacral, onde há a coalescência de tenia coli.
Colonoscopia após a recuperação
Os pacientes recuperados das formas complicadas devem ser submetidos à colonoscopia entre 4 e 8 semanas após o evento, desde que tenha ocorrido resolução completa dos sintomas, para minimizar o risco de perfuração, desconforto abdominal e dificuldades técnicas.
O risco de câncer colorretal entre os indivíduos com DCA não complicada é baixo, da ordem de 2%, sendo a colonoscopia rotineira questionável nesse cenário; enquanto se aproxima dos 8% nos casos complicados, condição em que está formalmente indiciada.
Como evitar a recorrência?
As medidas profiláticas incluem emagrecimento com alvo de normalização do índice de massa corporal; dieta rica em fibras, frutas e vegetais, com limitação de açúcares e carne vermelha; prática regular de atividade física; abstenção do tabagismo e evitar o uso indiscriminado de anti-inflamatórios não esteroidais.
Conclusão e mensagens práticas: diverticulite colônica aguda (DCA)
- A diverticulite colônica aguda é uma condição comum entre os idosos.
- Os casos leves e não complicados são majoritários, e frequentemente o tratamento pode ser ambulatorial, não havendo indicação universal de antibioticoterapia.
- O limiar para a antibioticoterapia, entretanto, é mais baixo para os indivíduos policomórbidos, imunodeprimidos e idosos, bem como na presença de sintomas intensos, refratários ou evidências de resposta inflamatória sistêmica.
- As principais complicações são caracterizadas pela presença de flegmão, abscessos, perfurações e estenoses.
- As estratégias cirúrgicas consistem em cirurgia de Hartmann ou sigmoidectomia com anastomose colorretal primária, com ou sem ileostomia protetora.
- Até 8% dos pacientes com formas complicadas apresentam, em concomitância, câncer de cólon, motivo pelo qual a colonoscopia é recomendada em 4 a 8 semanas, desde que os sintomas iniciais tenham sido resolvidos.
- As medidas preventivas incluem hábitos de vida saudáveis, evitação do sedentarismo, tabagismo e controle da obesidade.
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