O intestino exerce um papel significativo na saúde mental.1 A sensação de “frio” no estômago ou a diarreia que antecede uma importante apresentação em público são ilustrações comuns de como uma resposta mediada pelo cérebro pode ser sentida no intestino. A coevolução do genoma humano e do microbioma intestinal permitiu que interações bidirecionais complexas entre o intestino, o sistema nervoso entérico e o sistema nervoso central fossem estabelecidas, formando o que hoje se denomina de eixo cérebro-intestino-microbioma. Sabemos que a microbiota intestinal participa amplamente na síntese/liberação de vários hormônios, produção de ácidos graxos de cadeia curta, tais como acetato, propionato e butirato, e neurotransmissores relacionados ao eixo cérebro-intestino (ex: serotonina), que então modulam a função cerebral e o comportamento do hospedeiro.2
Comunicação entre o cérebro e o intestino
Distúrbios gastrointestinais como a síndrome do intestino irritável (SII), dispepsia e dor abdominal funcional são conhecidos por se associarem com condições mentais, incluindo estresse, ansiedade e depressão. Por outro lado, doenças presumivelmente neurodegenerativas como a doença de Parkinson e Alzheimer têm parte de sua fisiopatologia explicada por alterações da microbiota intestinal.3,4 O estresse sabidamente altera a composição da microbiota intestinal, com diminuição na abundância relativa do gênero Lactobacillus e Bifidobacterium e aumento de patógenos oportunistas, como Odoribacter, Clostridium e Mucisprillum.2 A título de exemplo, mulheres com maior abundância fecal de Prevotella experimentam maior resposta emocional negativa quando expostas imagens negativas e menor atividade cerebral no hipocampo do que aquelas com maior abundância de Bacteroides.5 Camundongos livres de germes (nascidos e criados sem microbiota) mostram resposta alterada a eventos estressores quando comparados àqueles com microbiota intestinal livre de patógenos específicos, o que possivelmente é explicado por alterações nos níveis de corticosterona, triptofano e 5-hidroxitriptamina, envolvidos na regulação do humor e ansiedade.2
O produto de uma comunicação desordenada entre o cérebro e o intestino se associa a distúrbios de motilidade, hipersensibilidade visceral e alterações no sistema imune, barreira intestinal e comportamentais, sendo uma nova fronteira de pesquisa para os distúrbios relacionados ao estresse e ansiedade. Nesse contexto, o uso de probióticos surge como uma ferramenta interessante, já que potencialmente modula o eixo cérebro-intestino-microbioma.6 Diversos estudos em modelo animal demonstram uma melhora significativa dos comportamentos do tipo ansioso ou depressivo após a suplementação com probióticos.7-9 O Lactobacillus rhamnosus é um dos probióticos mais estudados, uma vez que é capaz de regular positivamente os níveis de serotonina.7 Em camundongos, a colonização intestinal por Lactobacillus rhamnosus GG no início da vida foi capaz de modular o eixo intestino-cérebro, reduzindo a ansiedade na idade adulta.7
Por outro lado, em humanos, os resultados são ainda controversos. Recentemente, um estudo randomizado, controlado por placebo demonstrou que a suplementação de Lactobacillus rhamnosus HN001, quando administrado em mulheres gestantes durante a gravidez e o pós-parto, é capaz de reduzir significativamente os escores de depressão e ansiedade no período pós-parto, em comparação ao placebo.10 Outros estudos revelaram que Lactobacillus rhamnosus CNCM I-3690 e Saccharomyces boulardii CNCM I-1079 melhoraram a resposta ao estresse frente a discursos em público e exames acadêmicos, respectivamente.11,12
Em pacientes com SII, uma metanálise recentemente publicada por Ceccherini e colaboradores sugeriu que Lactobacillus rhamnosus e Lactobacillus acidophilus têm a maior eficácia em SII, especialmente na qualidade de vida, distensão e dor abdominal.13 Embora os Consensos Japonês e Britânico de síndrome do intestino irritável tenham recomendado o uso de probióticos, o Colégio Americano de Gastroenterologia ainda não adotou essa recomendação, uma vez que ainda existe grande heterogeneidade de resultados e uma indefinição de qual a melhor cepa e a melhor dose para tratamento dessa condição que afeta o eixo cérebro-intestino.14-16
Conclusão
Episódios de depressão e ansiedade geralmente seguem um evento estressor. Indivíduos que são capazes de experimentar estresses intensos ou prolongados sem um efeito emocional negativo são considerados resilientes ao estresse. A resiliência ao estresse é influenciada por vários fatores psicológicos e biológicos, incluindo o eixo microbioma-intestino-cérebro. Pesquisas recentes demostram que a microbiota intestinal pode influenciar o humor e que o estresse é uma variável importante nessa relação. O estresse altera a microbiota intestinal e, potencialmente, contribui para mudanças de humor. Da mesma forma, pacientes com transtornos funcionais do trato gastrointestinal, como síndrome do intestino irritável, dispepsia e dor abdominal funcional, em sua maioria, apresentam algum grau de ansiedade e depressão, sugerindo realmente existir uma via bidirecional de comunicação entre o cérebro e o intestino. Nesse cenário, os probióticos surgem como novas ferramentas capazes de impactar positivamente no tratamento dessas condições.
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