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Gastroenterologia29 agosto 2024

Doença de Crohn: O que é a terapia combinada avançada?

A terapia combinada avançada (TCA) está sendo encarada com entusiasmo para o tratamento das doenças inflamatórias intestinais.
Por Leandro Lima

As doenças inflamatórias intestinais (DII), como a doença de Crohn (DC) e a retocolite ulcerativa (RCU), apresentam-se com prevalência crescente nos países em desenvolvimento e a sua fisiopatologia é complexa. De uma forma sumarizada, há a interação entre fatores genéticos, dietéticos, microbiota intestinal e gatilhos ambientais, com a participação da imunidade inata, adaptativa e de mucosa, com superexpressão citocínica e ativação de vias inflamatórias.   

O arsenal terapêutico moderno, exemplificado na tabela abaixo, contribuiu muito para alavancar a taxa de remissão clínica e melhorar a qualidade de vida desses pacientes, embora pouco mais da metade deles alcance a remissão clínica ao final de um ano de tratamento.  

 

Arsenal terapêutico da doença inflamatória intestinal 

Anti-TNFs 

  • Infliximabe 
  • Adalimumabe 
  • Certolizumabe 
  • Golimumabe 

Anti-integrina 

  • Vedolizumabe 

Anti-IL-12/23 (subunidade p40) 

  • Ustekinumabe 

Anti-IL-23 (subunidade p19) 

  • Risankizumabe 
  • Mirikizumabe 
  • Guselkumabe 

Inibidores orais da JAK 

  • Tofacitinibe 
  • Upadacitinibe 

Moduladores do Receptor de Esfingosina 1 Fosfato (S1P) 

  • Ozanimod 
  • Etrasimod 

Leia mais: Doença de Crohn: abordagem diagnóstica e conduta frente a achados

Dessa forma, são necessárias estratégias para ampliar a capacidade de indução e manutenção de remissão clínica  nas DIIs, e nesse sentido podemos enfatizar alguns pontos de intervenção:  

  • Promover o diagnóstico precoce e oportunizar o tratamento nos primeiros 2 anos de início dos sintomas, em um momento em que há melhor resposta terapêutica (conceito da “janela de oportunidade”); 
  • Estratificar, de forma mais acurada, o risco evolutivo para complicações, incluindo dados moleculares, selecionando pacientes com fenótipos mais agressivos para terapias iniciais mais intensivas;  
  • Monitorizar, com proximidade, a atividade da DII e adotar a estratégia de tratamento baseada em alvos (treat-to-target), com meta de resolução sintomática em curto prazo, remissão bioquímica em médio prazo e remissão endoscópica e normalização da qualidade de vida em longo prazo; 
  • Otimizar a terapia de forma precoce, distinguindo mecanismos de falha primária, geralmente farmacodinâmica, e secundária, possivelmente farmacocinética, em que a dosagem dos níveis séricos das drogas, bem como anticorpos antidroga, se faz relevante.  

Além de todas as estratégias anteriormente elencadas, a terapia combinada avançada (TCA) está sendo encarada com entusiasmo, capitaneada pelos grandes centros mundiais dedicados ao tratamento das DIIs.  

A TCA consiste no uso concomitante de múltiplos agentes biológicos e/ou pequenas moléculas, partindo da premissa de que a atuação simultânea em alvos distintos seria benéfica em amplificar a taxa de resposta e remissão clínica, especialmente entre pacientes graves, experimentados e falhados com várias modalidades terapêuticas.  

A terapia multifacetada deve levar em conta a relação entre os benefícios, mais evidentes nos casos graves, e os riscos, especialmente no que se refere às malignidades e às infecções, com as induzidas por Clostridioides difficile, infecções perianais, urinárias e do trato respiratório. 

Em quais cenários tende a haver mais benefícios com a TCA? 
  • Múltiplas falhas terapêuticas;  
  • Fenótipos graves e complexos (doença extensa de intestino delgado, histórico de várias enterectomias, doença ileal grave, pancolite extensa, doença fistulizante perianal e doença estenosante/penetrante agressivas); 
  • Manifestações extraintestinais e desordens inflamatórias imunomediadas concomitantes e persistentes a despeito da contenção da atividade luminal da DII.  

Os regimes de TCA propostos geralmente incluem o vedolizumabe ou ustekinumabe,  primando-se pela maior segurança dos mesmos em relação aos eventos adversos, como as infecções oportunistas e malignidades. Antes de se avançar com a TCA, contudo, deve-se sempre discutir sobre as alternativas terapêuticas, como exemplificadas na sequência:  

Estratégias tradicionais para as múltiplas falhas ou fenótipos agressivos 
Mudança para outra monoterapia (switch) A principal desvantagem dessa abordagem é o risco de perder uma resposta parcial ao tratamento vigente.  
Inclusão em ensaios clínicos com novas drogas Mantendo-se sempre a clareza na discussão com o paciente da possibilidade de alocação ao braço do placebo e da incerteza sobre o efeito da medicação em teste.  
Abordagem cirúrgica Levando-se em conta a morbidade perioperatória e suas possíveis complicações.  

Os dados da literatura, porém, são de natureza majoritariamente observacional, baseados em casos clínicos ou série de casos, com grande heterogeneidade de resposta clínica (40 a 80% nas análises agrupadas), sendo as lacunas de conhecimento ainda significativas: 

  • Em qual momento a TCA deve ser introduzida? 
  • Qual a melhor combinação terapêutica? 
  • Qual deve ser a sua duração? 
  • Com que frequência os pacientes devem ser monitorizados? 
  • Quais são os efeitos adversos de longo prazo? 

Saiba mais: Retocolite ulcerativa: fisiopatologia, classificação e procedimentos diagnósticos

Os estudos controlados de maior relevância até o momento foram os seguintes:  

  • Infliximabe + Natalizumabe (2007): estudo conduzido por Sands demonstrou que a associação entre anti-TNF e terapia anti-integrina não esteve relacionada ao aumento de eventos adversos e permitiu a redução do CDAI, um escore de atividade clínica empregado na DC. O natalizumabe, entretanto, não tem sido utilizado atualmente nas DIIs, tendo em vista o risco da leucoencefalopatia multifocal progressiva;  
  • Estudo VEGA (2023): RCT de fase 2, contemplando adultos com RCU moderada a grave e virgens de terapia biológica, comparou o golimumabe (anti-TNF) e guselkumabe (antagonista da subunidade p19 da IL-23) na modalidade de TCA e monoterapia por 12 semanas, em que a taxa da resposta clínica foi de 83% (TCA), 75% (guselkumabe) e 61% (golimumabe), sem alcançar significância estatística.   
  • Estudo EXPLORER (2024): Estudo aberto, de fase 4 e com braço único, que avaliou pacientes com DC de risco moderado a alto, com diagnóstico há menos de 2 anos, submetidos à terapia tripla com adalimumabe, vedolizumabe e metotrexato, que evidenciou que a mesma se associava a provável superioridade em relação à terapia com placebo, vedolizumabe ou adalimumabe em monoterapia, com chances de 99%, 86% e 71%, respectivamente.  

Nesse sentido, deixamos claro que a TCA é, nesse momento, um tratamento off label, cujo papel parece se restringir a indivíduos com doença luminal ativa e refratariedade a múltiplos tratamentos ou fenótipos agressivos da DII. É muito desejável que a condução desses casos se faça em centros de excelência, com abordagem multidisciplinar, e preferencialmente no ambiente de estudos clínico, com seguimento de longo prazo, objetivando melhor discernimento sobre a eficácia e segurança.  

terapia combinada e doenças intestinais inflamatórias

Conclusão e Mensagens práticas 

  • A terapia combinada avançada (TCA) é um horizonte que naturalmente se abre no cenário da doença inflamatória intestinal (DII) refratária e grave. A natureza multifacetada das DIIs traz consigo a plausibilidade das intervenções simultâneas em mecanismos de ação diferenciados. Entretanto, os potenciais benefícios da TCA devem ser ponderados com o acréscimo, em potencial, do risco potencial de infecções e malignidades, com a perspectiva de que, nesse sentido, geralmente o pior cenário é o da DII em atividade grave e persistente.  

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Referências bibliográficas

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