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Para uma melhor compreensão do tema “Responsabilidade Civil“, que será estudado ao longo de quatro capítulos, deve-se ter como princípio básico que todos os atos praticados pelo homem em relação ao meio social do qual faz parte possui relação direta ou indireta com a ideia de direito. Tal afirmação se justifica em razão de ser o direito, na qualidade de manifestação social por primazia, o objeto por meio do qual se busca disciplinar as atividades humanas e servir como agente delimitador de seus impulsos individualistas e sem consideração aos interesses de terceiros.
Neste sentido, outro ponto que não se pode olvidar é que o direito se envolve, concomitantemente com a evolução do grupo a que pertence, razão pela qual, para se conhecer bem uma legislação, faz-se necessário conhecer bem a história de sua civilização.
Para Aguiar Dias¹, o instituto é essencialmente dinâmico, tem de adaptar-se, transformar-se na mesma proporção em que evolve a civilização. Há de ser dotado de flexibilidade suficiente para oferecer, em qualquer época, o meio ou processo pelo qual, em face de nova técnica, de novas conquistas, de novos gêneros de atividade, assegure a finalidade de restabelecer o equilíbrio desfeito por ocasião do dano, considerado, em cada tempo, em função das condições sociais então vigentes.
Assim, pode-se afirmar que a responsabilidade civil nasceu sob o signo do sentimento de justiça que deveria estabelecer a norma de conduta para limitar a atividade humana, até porque toda manifestação dessas ações traz intrínseca uma responsabilidade. Resta-nos esclarecer como surgiu o instituto, objeto do presente estudo. Nos primórdios, não havia a concepção clara de direito, prevalecia assim, a vingança privada, ou seja, a reparação do mal pelo mal.
Com a evolução do homem e de seus sentimentos por justiça, começam a se destacar regras para a imposição de penas por meio de ordenamentos próprios que viriam a regular o direito da vítima em impingir uma pena pela violação que sofreu.
Após o período imposto pela regra jurídica da pena de talião², surge, em substituição, a regra da composição. A vingança passa a ser substituída por uma composição que venha a compensar a vítima pelo dano sofrido, ficando à vítima vetado o direito de fazer justiça pelas próprias mãos. Surge, assim, com a Lei das XII Tábuas³, a oficialização da justiça.
A evolução seguinte seria a concepção da responsabilidade com o surgimento da ação de indenização, após o Estado ter assumido a função de guardião dos interesses privados e públicos e resguardado para si a função de estabelecer a aplicação das penas. Porém, é com a Lei Aquilia4 que surgem os princípios regulamentadores da reparação de danos, no entanto, a noção de culpa tem por termo inicial o período governado por Justiniano. A partir desse momento, o elemento culpa torna-se um requisito da responsabilidade pelo dano causado.
Com inspirações arraigadas no direito romano, o Direito Francês foi responsável pelo aperfeiçoamento dos princípios da responsabilidade civil, como se observa da separação entre a reparação e a pena, estabelecendo, de forma coerente, a regra de reparação de todo dano causado por culpa.
Nesse contexto, a criação do Código de Napoleão é tida como um dos marcos da teoria da responsabilidade civil nas codificações modernas.
A título de esclarecimento, o primeiro julgamento de que se tem notícia a respeito da responsabilidade civil na área de saúde, mais precisamente a médica, ocorreu no ano de 1825 em território francês5.
Em tempo, pode-se dizer que responsabilidade civil é a execução de meios pelo qual se impele ao profissional causador do dano reparar ao ofendido pelo dano sofrido – este, podendo ser de ordem moral ou patrimonial – em razão de seus atos, de pessoa sob sua responsabilidade, de fato de coisa que se encontre sob sua proteção ou por determinação prescrita em lei.
Afinal, nunca é tarde para lembrar Josserand, que exarava toda a plenitude da responsabilidade civil ao afirmar que a história da responsabilidade civil é a história e o triunfo da jurisprudência e, também, de alguma forma, da doutrina; é, mais geralmente, o triunfo do espírito do senso jurídico. Viu-se ´o direito evoluir sob uma legislação imóvel´ e o juiz foi a alma do progresso científico, o artífice laborioso do direito novo contra as fórmulas velhas do direito tradicional.6
No próximo capítulo trataremos da Responsabilidade Civil Médica.
- DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 8.ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1987.
- Denominação da antiguidade que se aplicava à pena que se vingava um delito ao infligir ao infrator o castigo idêntico ao que cometeu – olho por olho, dente por dente.
- Para melhor esclarecimento, a Lei das XXII Tábuas não era um código como se conhece nos dias de hoje especifico para cada área do direito, mas uma lei que compreendia dispositivos sobre direitos público e privado.
- Criada por intermédio de um plebiscito do tribuno Aquílio sob o signo de reprimir os delitos causados de forma injusta em razão dos bens de terceiros.
- O Dr. Helie de Domfront foi chamado às seis horas da manhã para dar assistência ao parto da Sr.ª Foucault. Somente lá se apresentou às nove horas. Constatou, ao primeiro exame, que o feto se apresentava de ombros, com a mão direita no trajeto vaginal. Encontrando dificuldade de manobra na versão, resolveu amputar o membro em apresentação, para facilitar o trabalho do parto. A seguir notou que o membro esquerdo também se apresentava em análoga circunstância, e, com o mesmo objetivo inicial, amputou o outro membro. Com conseqüência, a criança nasceu e sobreviveu ao tocotraumatismo. Diante de tal situação, a família Foucault ingressa em juízo contra o médico. Nasceu daí um dos mais famosos processos submetidos à justiça francesa. A sociedade dividiu-se. A Academia Nacional de Medicina da França pronunciou-se a favor do médico e, solicitada pelo Tribunal, nomeou quatro médicos, dos maiores obstetras da época. O resultado do laudo foi o seguinte: 1. Nada provado que o braço fetal estivesse macerado; 2. Nada provado que fosse impossível alterar a versão manual do feto; 3. Não havia razões recomendáveis para a amputação do braço direito e, muito menos, do esquerdo; 4. A operação realizada pelo Dr. Helie deverá ser considerada como uma falta grave contra as regras da arte. Apesar da imparcialidade do laudo, a Academia impugnou-o e outro é emitido por outros médicos, que chegaram a conclusão contrária à primeira manifestação dos Delegados da Academia. O Tribunal de Domfront condenou o Dr. Helie ao pagamento de uma pensão anual de 200 francos. In Kfouri Neto, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 5. edição. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2003, p. 51/52.
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