O diabetes tipo 2 (DM2) é uma importante doença metabólica entendida como fator direto e independente na morbimortalidade cardiovascular. A aterosclerose e suas manifestações, como infarto e AVC, são responsáveis por grande parte das mortes nesses pacientes, tornando essencial o controle glicêmico e de múltiplos fatores de risco, como pressão arterial e dislipidemia.
A relação entre diabetes e risco cardiovascular é indissociável: o excesso de glicose circulante promove estresse oxidativo, inflamação e disfunção endotelial, acelerando a formação de placas ateroscleróticas.
Nesse cenário, terapias complementares despertam interesse, especialmente aquelas que podem atuar em vias inflamatórias e oxidativas envolvidas na progressão da aterosclerose. A curcumina, principal polifenol da cúrcuma, tem sido apontada como uma molécula promissora, com potenciais efeitos anti-inflamatórios, antioxidantes e moduladores de lipídios.
Metodologia
O ensaio clínico randomizado incluiu 72 pacientes com DM2 e risco cardiovascular elevado (≥ 5% pelo ASCVD). A randomização foi simples, com dois grupos homogêneos em relação a idade, sexo, IMC e uso de estatinas (mais de 85% em ambos). Foram excluídos pacientes em uso de inibidores do SGLT-2 ou agonistas do GLP-1, justamente para evitar viés, já que esses fármacos são reconhecidamente cardioprotetores.
O grupo intervenção recebeu curcumina (500 mg três vezes ao dia) associada ao tratamento convencional por 14 semanas, enquanto o grupo controle permaneceu apenas com a terapia habitual. O estudo foi aberto, não duplo-cego, o que pode introduzir vieses de avaliação. Ainda assim, houve acompanhamento rigoroso com visitas mensais e contato telefônico semanal para checar adesão e efeitos adversos.
Os desfechos avaliados incluíram parâmetros clínicos (pressão arterial, frequência cardíaca, escore de risco ASCVD), laboratoriais (perfil lipídico, HbA1c, glicemia de jejum) e biomarcadores inflamatórios/oxidativos (TNF-α, MDA). O desfecho primário foi a redução da pressão arterial e melhora na classificação de risco cardiovascular, enquanto desfechos secundários envolveram alterações do perfil lipídico e glicêmico.
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Resultados e discussão
A população estudada tinha idade média de 60 anos e IMC em torno de 35 kg/m². Houve perdas equilibradas em ambos os braços do estudo, sem impacto relevante nos resultados.
O uso da curcumina reduziu significativamente a pressão arterial sistólica e diastólica, melhorou o perfil lipídico (queda de LDL-C e aumento de HDL-C) e atenuou marcadores inflamatórios (TNF-α) e oxidativos (MDA). Não houve impacto sobre HbA1c, glicemia de jejum, peso ou triglicerídeos. Em relação à segurança, os eventos adversos foram leves e autolimitados, predomínio de náusea no grupo intervenção, porém sem necessidade de interrupção do tratamento
Embora esses resultados sejam interessantes, é importante destacar que o estudo não avaliou desfechos cardiovasculares duros, como a redução de MACE (eventos cardíacos adversos maiores). Da mesma forma, o tempo de acompanhamento de apenas 14 semanas não permite inferir benefícios sustentados a longo prazo. Assim, os dados sugerem um possível efeito adjuvante da curcumina na melhora de parâmetros intermediários, mas não validam sua utilização como agente protetor cardiovascular comprovado.
Para a prática clínica, os resultados reforçam que a curcumina pode ter espaço como coadjuvante em pacientes já em uso de estatinas e anti-hipertensivos, especialmente em contextos de menor acesso a terapias modernas, como inibidores do SGLT-2 ou agonistas do GLP-1.
Conclusão e mensagem prática
A suplementação de curcumina (500 mg, três vezes ao dia) por 14 semanas mostrou reduções em pressão arterial, LDL-C e marcadores inflamatórios e oxidativos, além de aumento de HDL-C, com bom perfil de segurança a curto prazo e poucos efeitos colaterais. Contudo, o estudo não avaliou redução de eventos cardiovasculares maiores e o curto tempo de acompanhamento impede inferências sobre benefícios clínicos sustentados.
Além das limitações metodológicas, como pequeno número de participantes e estudo aberto, há um aspecto prático importante: o custo da suplementação não é trivial. Formulações com concentrações elevadas ou marcas importadas podem atingir o custo mensal até de 300 reais ou mais, tornando o uso pouco acessível, especialmente sem evidência robusta de benefício em desfechos clínicos.
Até novos ensaios, mais longos e robustos, serão necessários para definir se esses resultados iniciais realmente se traduzem em redução de eventos clínicos relevantes, não é possível indicar a curcumina como terapia protetora cardiovascular estabelecida. Caso o médico considere seu uso como adjuvante, é fundamental discutir com o paciente o benefício incerto, avaliando individualmente, possíveis interações e preferências.
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