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Endocrinologia22 abril 2025

Uso de agonistas de GLP-1 podem reduzir o consumo de álcool?

Estudo analisou a influência do tratamento para sobrepeso/obesidade com agonistas de GLP-1 sobre o consumo de álcool em um cenário real de atendimento clínico

O transtorno do uso de álcool (TUA) é uma condição crônica e recorrente, caracterizada por um padrão compulsivo de consumo de álcool, perda de controle sobre a ingestão e consequências adversas significativas para a saúde física, mental e social dos indivíduos afetados. Em 2019, o consumo de álcool foi responsável direta ou indiretamente por aproximadamente 2,6 milhões de mortes no mundo, representando cerca de 4,7% do total de óbitos globais. Além disso, estima-se que o TUA seja um fator de risco relevante para mais de 200 doenças, incluindo cânceres, doenças cardiovasculares e distúrbios hepáticos. 

O uso abusivo do álcool está associado a alterações neurobiológicas que envolvem o sistema de recompensa cerebral, especialmente a via dopaminérgica mesolímbica, onde o álcool aumenta a liberação de dopamina, reforçando comportamentos de busca pela substância. Esse mecanismo promove a transição do uso voluntário para o uso compulsivo, levando à dependência. Apesar das diversas abordagens terapêuticas disponíveis, incluindo intervenções comportamentais e farmacológicas (como dissulfiram, naltrexona e acamprosato), as taxas de recaída permanecem elevadas, alcançando 70% no primeiro ano de tratamento. 

Nos últimos anos, com o uso crescente de agonistas de GLP-1 na terapia para diabetes e obesidade, evidências crescentes indicam que os agonistas do receptor do peptídeo semelhante ao glucagon tipo 1 (aGLP-1), como liraglutida e semaglutida, também podem influenciar positivamente os mecanismos adaptativos que levam ao TUA. Estudos pré-clínicos demonstraram que esses fármacos reduzem o consumo de álcool em modelos animais, modulando a sinalização dopaminérgica na via de recompensa e atenuando os comportamentos induzidos pelo álcool e a suscetibilidade à recaída. Nesse contexto, foi publicado recentemente um estudo acerca da influência do tratamento para sobrepeso/obesidade com agonistas de GLP-1 sobre o consumo de álcool em um cenário real de atendimento clínico. 

O estudo

O estudo teve um desenho observacional, prospectivo, coletando dados clínicos ao longo de 15 meses (janeiro de 2023 a março de 2024). Foram incluídos 262 pacientes adultos com índice de massa corporal (IMC) ≥ 27 kg/m², tratados com liraglutida ou semaglutida para controle de peso. O consumo de álcool foi classificado em: abstêmios, consumidores ocasionais e consumidores regulares. Para aqueles que conseguiam quantificar o consumo, os dados foram registrados em unidades semanais. 

A população do estudo foi composta em sua maioria por mulheres (79%), com idade média de 46 anos. Antes da intervenção, 11,8% dos pacientes eram abstêmios, 19,8% consumiam álcool raramente e 68,3% eram consumidores regulares. Dentre os consumidores regulares (n = 179), 143 pacientes (54,6%) quantificaram seu consumo. O peso médio inicial foi de 92,6 kg para mulheres e 114,4 kg para homens. 

Os agonistas de GLP-1 parecem reduzir a ingestão de álcool 

Dentre os 262 pacientes tratados, 188 (71,8%) tiveram pelo menos duas consultas dentro do período do estudo, porém 28,2% dos participantes perderam o seguimento. Após a intervenção, 44,7% dos indivíduos selecionados no estudo tinham dados documentados sobre a ingestão de álcool. Apesar da perda de dados, o estudo demonstrou que o consumo médio de álcool reduziu significativamente de 11,8 ± 1,0 unidades/semana para 4,3 ± 0,5 unidades/semana (p < 0,001). Em consumidores de alto risco (≥11 unidades/semana), a redução foi de 23,2 ± 1,8 para 7,8 ± 0,9 unidades/semana. Nenhum paciente relatou aumento no consumo de álcool. 

A perda de peso, conforme esperado para tal classe de medicações, foi significativa, com uma redução média de 7,7 kg em aproximadamente 4 meses. Uma correlação positiva fraca foi observada entre a redução do consumo de álcool e a perda de peso (r = 0,24; n = 72). Pacientes que não reduziram o consumo de álcool ainda assim apresentaram perda de peso significativa (7,6 ± 0,6 kg). 

Vale destacar que não foi categorizado qual agonista de GLP-1 foi utilizado para saber se os resultados são generalizáveis para a classe ou se algum teve um desempenho superior. 

Veja também: Farmacoterapia para transtorno por uso de álcool

O que podemos aprender com este estudo e como ele influencia nossa prática médica

Os resultados somam mais dados favoráveis à hipótese de que os agonistas de GLP-1 podem reduzir o consumo de álcool em pacientes com obesidade, possivelmente devido à modulação da via dopaminérgica de recompensa.  

Apesar de interessantes e animadoras, as evidências deste estudo devem sempre ser interpretadas de forma cuidadosa, uma vez que foi um ensaio observacional, com limitações no tamanho amostral e alto índice de perdas no seguimento. Há também a dependência de autorrelato que também deve ser levada em conta na interpretação dos dados. Ainda, devemos considerar que considerar não é possível estabelecer, devido ao caráter observacional do estudo, se a redução do álcool não poderia simplesmente estar ligada às mudanças de hábitos estimuladas dentro do tratamento para perda de peso, e não necessariamente ligados aos agonistas de GLP-1. 

Contudo, este estudo suscita a necessidade de estudos randomizados controlados sobre este tema e a elucidação dos mecanismos subjacentes em populações diversificadas. Se confirmados, esses achados podem remodelar o tratamento da dependência do álcool em indivíduos com obesidade. 

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Referências bibliográficas

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