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Endocrinologia31 maio 2025

Tratamento para hipofisite: glicocorticoide em altas doses ou reposição com ICI?

Estudo comparou altas doses e reposição de corticoides no tratamento da hipofisite, um efeito colateral da imunoterapia contra o câncer

A utilização de inibidores de checkpoint imunológico (ICI) melhorou consideravelmente a eficácia do tratamento de diversos tipos de câncer. Dentre seus efeitos colaterais, podemos observar disfunção de glândulas endócrinas como a hipófise. Um dos efeitos adversos mais graves é a hipofisite associada aos ICI. Sua incidência varia de 0,6 a 13,6% dependendo da classe de ICI utilizada, podendo ocorrer algumas semanas após o uso. Uma das principais consequências é a deficiência de ACTH, que pode ocorrer isoladamente ou em combinação com déficit de outros hormônios hipofisários. 

Seus sintomas incluem fadiga, náuseas, perda de apetite, mialgia/artralgia, astenia, tontura, disfunção cognitiva leve e cefaleia. Estes sintomas podem ser leves e facilmente confundidos com o quadro clínico do próprio câncer. Deste modo, a triagem laboratorial periódica é importante para um diagnóstico oportuno, senda a hiponatremia a alteração mais comum. O diagnóstico imediato é fundamental para instituição rápida do tratamento, evitando-se assim uma possível crise adrenal. 

Corticoide em altas doses foi utilizado para tratar hipofisite associada a ICI durante os primeiros anos após a introdução desta classe de medicamentos, mas a tendência atual tem sido utilizar reposição de glicocorticoide com doses substitutivas, uma vez que altas doses são associadas a menor sobrevida e maior incidência de efeitos colaterais como diabetes e osteoporose. A recuperação do eixo é outra questão importante a ser considerada. 

Apesar destas diferenças entre os esquemas de tratamento, as recomendações são baseadas em estudos retrospectivos, não havendo um ensaio clínico randomizado controlado para responder adequadamente a esta pergunta. Para abordar este problema, um grupo de pesquisadores austríacos realizou um ensaio clínico tendo como objetivo primário comparar os dois esquemas terapêuticos quanto à frequência de resolução das deficiências hormonais. O estudo foi publicado no periódico Annals of Medicine em 2025 (1).  

Métodos 

Foi realizado um ensaio clínico randomizado, aberto, em um centro único (Universidade Médica de Graz, Áustria). O hipopituitarismo foi definido através dos níveis basais de cortisol, T4 livre, TSH, FSH, LH, estrógeno/testosterona, GH e IGF-1, ou após testes de estímulo específicos quando necessário. Os critérios de inclusão foram uso de um ou mais ICI, idade maior de 18 anos e diagnóstico de hipofisite baseado em critérios clínicos, laboratoriais e/ou radiológicos. Paciente previamente tratados com glicocorticoide foram excluídos. 

A intervenção com altas doses de corticoide foi realizada com prednisolona 1 mg/kg de peso corporal, por 2 semanas, com titulação da dose até chegar à dose de reposição após este período. O grupo que recebeu reposição foi tratado com hidrocortisona 20 mg por dia divididos em duas doses. Os pacientes foram seguidos por 8 semanas. 

Saiba mais: Inibidores de checkpoint e alterações endocrinológicas

Resultados 

Um total de 18 pacientes completou o estudo, sendo 10 no grupo de reposição e 8 no grupo de altas doses. Onze pacientes eram mulheres. Quanto ao tipo de câncer em tratamento, a amostra consistia em 11 pacientes com melanoma maligno, 2 com carcinoma pulmonar não-pequenas-células e um paciente com cada um dos seguintes diagnósticos: carcinoma espinocelular de pela, carcinoma renal, câncer de mama, câncer gástrico e câncer colorretal. A maioria dos indivíduos recebeu nivolumab. 

Quanto aos sintomas clínicos de hipofisite, 17 pacientes apresentaram fadiga/astenia, 12 apresentavam perda de apetite e 7 apresentaram perda de peso. A insuficiência adrenal isolada foi vista em 12 pacientes, enquanto um paciente apresentava hipotireoidismo associado, 4 apresentavam hipogonadismo e um apresentava hipogonadismo acompanhado de deficiência somatotrófica. 

Na comparação de desfechos entre os grupos, não foram observadas diferenças entre o tratamento de reposição e o de altas doses de corticoide nos marcadores de insuficiência adrenal (ACTH, cortisol e sódio). Nenhum paciente atingiu o desfecho primário do estudo (recuperação da função adrenal). Dois pacientes com hipogonadismo (um em cada grupo), recuperaram a função gonadal. Quanto aos efeitos adversos, foi observado aumento significante de hemoglobina glicada (de aproximadamente 0,5%). Não houve diferenças no perfil lipídico e nos marcadores de remodelação óssea. 

Conclusões 

Este foi o primeiro estudo randomizado controlado comparando tratamento com reposição e altas doses de corticoide, em indivíduos com hipofisite induzida por ICI. Não houve diferença na remissão do hipopituitarismo entre os grupos, e nenhum dos pacientes recuperou a função adrenal. A persistência da insuficiência adrenal está em consonância com achados prévios da literatura. O número de pacientes foi insuficiente para diferenciar o efeito dos diferentes esquemas terapêuticos com ICI sobre os desfechos endócrinos. O tratamento com altas doses de corticoide deve ser reservado apenas para casos selecionados, devido aos seus potenciais efeitos metabólicos deletérios, especialmente sobre a glicemia. 

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Referências bibliográficas

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