Logotipo Afya
Anúncio
Endocrinologia29 janeiro 2025

Inibidores de checkpoint e alterações endocrinológicas

Os inibidores de checkpoint imunológicos (ICIs) revolucionaram o manejo do câncer, proporcionando avanços significativos em sobrevida

Os inibidores de checkpoint imunológicos (ICIs) revolucionaram o manejo do câncer, proporcionando avanços significativos em sobrevida e taxa de resposta em tumores como melanoma, carcinoma de pulmão de células não pequenas (NSCLC) e carcinoma renal. Esses agentes, que incluem bloqueadores de CTLA4, PD1 e PDL1, atuam reativando o sistema imunológico para reconhecer e destruir células tumorais. Contudo, ao liberar os “freios” imunológicos, os ICIs podem desencadear eventos adversos relacionados à imunidade, que variam de manifestações leves a potencialmente fatais. 

As endocrinopatias destacam-se como uma de suas complicações mais frequentes, muitas vezes irreversíveis e com impacto significativo na qualidade de vida. As disfunções hipofisárias, tireoidianas, pancreáticas, adrenais e de paratireoides representam os principais alvos.  

Devido seu uso crescente e a importância emergente do assunto, foi publicada recentemente uma revisão na Nature Endocrine Reviews a respeito do tema, a qual trazemos para discussão aqui no portal. O estudo revisou detalhes sobre os mecanismos imunológicos, as manifestações clínicas, biomarcadores diagnósticos e as estratégias de manejo dessas condições, com foco na importância de uma abordagem multidisciplinar para otimizar os desfechos clínicos. Para facilidade didática em nossa discussão, trazemos os dados de acordo com cada sistema endócrino abordado e os dados mais relevantes de cada tópico. 

Disfunções hipofisárias: hipofisite autoimune 

A hipofisite imunomediada é uma das endocrinopatias mais comumente associadas ao uso de ICIs, especialmente com anti-CTLA4, como o ipilimumabe. Sua incidência pode chegar a aproximadamente 20%, enquanto os anti-PD1 e anti-PDL1 apresentam taxas mais baixas, embora significativas, particularmente em terapias combinadas. A patogênese envolve uma infiltração linfocítica da hipófise, com subsequente destruição tecidual e falência funcional. Estudos sugerem que a presença de autoanticorpos anti-hipófise desempenha um papel importante na disfunção glandular. 

Clinicamente, a hipofisite frequentemente se apresenta de forma insidiosa, com sintomas inespecíficos como fadiga, cefaleia, náuseas, hipotensão ortostática e febre. A deficiência de ACTH é a mais prevalente, mas a falência de outros eixos hormonais, incluindo TSH, LH/FSH e GH, também pode ocorrer. Casos graves podem evoluir para crises adrenais se não diagnosticados e tratados prontamente. Logo, a mensagem para a prática clínica aqui é clara: O primeiro e mais comum eixo acometido é o eixo adrenal e os pacientes e devemos ter atenção aos sintomas de insuficiência adrenal, situação que pode levar os pacientes a graves riscos de morbimortalidade. Além disso, é fundamental antes do início de ICs realizar uma avaliação de base dos hormônios hipofisários, sobretudo do ACTH e cortisol, além de TSH e T4 livre. 

O diagnóstico é baseado na avaliação laboratorial de níveis séricos de cortisol e ACTH, com confirmação por imagem. A ressonância magnética (RM) geralmente mostra aumento glandular com realce heterogêneo pós-contraste em fases iniciais. Nos casos avançados, atrofia hipofisária pode ser observada. A reposição de glicocorticoides, com hidrocortisona como agente de escolha, é essencial para tratar a deficiência de ACTH e prevenir crises adrenais. O manejo adicional envolve reposição de hormônios tireoidianos ou gonadais conforme necessário. Pacientes devem ser orientados sobre os sinais de crise adrenal e ajustes hormonais em situações de estresse. 

Diabetes mellitus tipo 1 induzido por ICIs 

O diabetes mellitus tipo 1 (DM1) induzido por ICIs é uma endocrinopatia rara, com incidência relatada entre 0,1% e 1%, sendo mais frequentemente associada a anti-PD1 e anti-PDL1, como nivolumabe e pembrolizumabe. Essa condição é causada pela destruição autoimune acelerada das células beta pancreáticas, mediada por linfócitos T ativados. A presença de autoanticorpos pancreáticos, incluindo GAD65, IA-2 e ZnT8, é observada em aproximadamente 60% dos casos, sugerindo um mecanismo imunomediado semelhante ao DM1 clássico na maioria das vezes, porém não em sua totalidade. Estudos indicam que certos haplótipos HLA, como HLA-DR4, estão associados a maior risco de desenvolvimento dessa endocrinopatia. 

O DM1 induzido por ICIs apresenta-se de forma abrupta, frequentemente com hiperglicemia severa e cetoacidose diabética (CAD) como manifestação inicial. Sintomas comuns incluem poliúria, polidipsia, perda de peso rápida e desidratação. Em muitos casos, a CAD é a primeira indicação clínica da falência funcional das células beta. 

O diagnóstico exige confirmação laboratorial de critérios de diabetes, com níveis baixos ou indetectáveis de peptídeo C e presença (ou não) de autoanticorpos contra células beta. A ausência de elevação de peptídeo C após estímulo com glucagon pode confirmar a deficiência absoluta de insulina, ainda que não seja um teste muito realizado na prática, sobretudo em nossa realidade nacional.  

O manejo requer insulinoterapia intensiva, com ajustes frequentes e monitoramento contínuo da glicemia. Além disso, pacientes devem receber educação sobre a prevenção de complicações agudas, como hipoglicemia e recorrência de CAD. Apesar da gravidade do quadro, alguns estudos sugerem que o desenvolvimento de DM1 pode estar associado a melhores desfechos oncológicos, possivelmente devido à maior atividade imunológica. 

Disfunções tireoidanas 

As disfunções tireoidianas são as endocrinopatias mais frequentes associadas aos ICIs, particularmente com anti-PD1/PDL1. A tireoidite imunomediada geralmente segue um curso bifásico, com tireotoxicose transitória devido à destruição tireoidiana, seguida de hipotireoidismo permanente. Pacientes podem apresentar sintomas inespecíficos, como fadiga, palpitações e intolerância ao frio, tornando o diagnóstico um desafio em estágios iniciais. Além disso, pacientes também podem apresentar tireotoxicose por Doença de Graves. A recomendação da avaliação de TSH e T4 livre durante o uso das medicações varia entre as sociedades médicas, porém costuma-se recomendar avaliações entre 4 a 6-8 semanas durante o curso do tratamento e após, semestral ou anualmente. 

O diagnóstico é baseado na avaliação de TSH e T4 livre, com anticorpos anti-TPO frequentemente presentes. O manejo inclui beta-bloqueadores para tireotoxicose sintomática e reposição com levotiroxina em casos de hipotireoidismo, ajustada de acordo com a necessidade clínica do paciente. Enquanto houver descompensações tireoidianas, sobretudo em situações de tireotoxicose, é recomendável suspender o uso dos ICs. 

Leia mais: Inibidores do checkpoint imune e disfunção tireoidiana: novo estudo

Insuficiência adrenal primária 

A insuficiência adrenal primária é rara, mas pode ocorrer com terapias combinadas, como anti-CTLA4 e anti-PD1/PDL1. A destruição autoimune do córtex adrenal resulta em deficiência combinada de glicocorticoides e mineralocorticoides. Os sintomas incluem fadiga severa, hiponatremia, hipercalemia e hiperpigmentação. O diagnóstico é estabelecido por baixos níveis de cortisol basal (< 5 µg/dL) com ACTH elevado e aldosterona reduzida. O tratamento envolve reposição com hidrocortisona e fludrocortisona, com ajuste de doses em situações de estresse. 

Hipopara tireoidismo 

O hipoparatireoidismo induzido por ICIs é extremamente raro, manifestando-se por hipocalcemia, hiperfosfatemia, com PTH baixo, além de sintomas clássicos da hipocalcemia como espasmos musculares e tetania. O manejo consiste em reposição de cálcio e calcitriol para corrigir a hipocalcemia. 

Biomarcadores e prognóstico 

Os biomarcadores podem desempenhar um papel crucial na identificação precoce e no monitoramento de endocrinopatias relacionadas aos ICIs. Autoanticorpos contra hipófise e tireoide têm valor preditivo significativo, enquanto haplótipos HLA específicos estão associados a maior risco de disfunções como diabetes tipo 1. Além disso, elevações de citocinas inflamatórias, como IL-6, podem indicar predisposição a hipofisite e insuficiência adrenal. 

Perspectivas 

As endocrinopatias associadas aos ICIs exigem uma abordagem interdisciplinar robusta, envolvendo oncologistas e endocrinologistas. A padronização de protocolos de triagem e manejo é essencial para reduzir complicações e garantir a continuidade do tratamento oncológico.  

Ainda que o desenvolvimento de endocrinopatias, paradoxalmente, esteja frequentemente associado a melhores desfechos oncológicos, refletindo maior ativação imunológica, os pacientes enfrentam as consequências das endocrinopatias em si, cujo manejo pode ser desafiador, sobretudo no desenvolvimento do DM1. 

Novos estudos devem explorar estratégias de prevenção e validação de biomarcadores emergentes que permitam identificar precocemente os indivíduos de maior risco para desenvolvimento da condição, bem como facilitar o diagnóstico de endocrinopatias que nem sempre são óbvias, sobretudo no contexto do paciente oncológico. 

Como você avalia este conteúdo?

Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.

Compartilhar artigo

Referências bibliográficas

Newsletter

Aproveite o benefício de manter-se atualizado sem esforço.

Anúncio

Leia também em Endocrinologia