A obesidade, uma das principais causas de morbimortalidade global, está associada à progressão da doença renal crônica (DRC), mesmo na ausência de diabetes mellitus. A perda de peso pode ser um fator importante para reduzir a velocidade de progressão da doença renal. Contudo, até o momento, poucos estudos trazem informações consistentes a respeito do impacto de intervenções direcionadas à obesidade e seu impacto na DRC.
A semaglutida, por sua vez, tem um papel que vem sendo cada vez maior na doença renal. Análises secundárias de grandes estudos como o SUSTAIN-6 já apontavam para uma redução na albuminúria em pacientes com diabetes. Tais achados motivaram a realização de um estudo com desfecho primário próprio renal e cardiovascular em pacientes com diabetes (o estudo FLOW), que demonstrou que a semaglutida em pacientes com diabetes e albuminúria é capaz de reduzir desfechos renais e cardiovasculares.
Recentemente foi publicado um ensaio clínico randomizado (RCT) na Nature Medicine que avaliou o impacto da semaglutida em indivíduos com sobrepeso (IMC > 27 kg/m²) e DRC. Pela importância do tema, trazemos aqui uma análise do tema.
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Métodos
O estudo foi um ensaio clínico foi randomizado (RCT), duplo-cego, multicêntrico e controlado por placebo, conduzido entre 2022 e 2023 em 14 centros no Canadá, Alemanha, Espanha e Países Baixos. O objetivo principal foi avaliar a redução da relação albumina/creatinina urinária (UACR) em pacientes com DRC e obesidade, não diabéticos, após 24 semanas de tratamento com semaglutida.
Os participantes foram randomizados para receber 2,4 mg de semaglutida 2,4 mg/semana ou placebo, administrados semanalmente por injeção subcutânea.
Foram incluídos 101 adultos com IMC: ≥27 kg/m² (média: 36,2 kg/m²), taxa de filtração glomerular (TFG) ≥25 mL/min/1,73 m² (média: 65 mL/min/1,73 m²), UACR: entre 30 mg/g e 3.500 mg/g (mediana: 251 mg/g). Os diagnósticos mais comuns de causas para a DRC foram nefropatia hipertensiva (26,7%), glomerulonefrite crônica (24,8%) e glomerulopatia relacionada à obesidade (9,9%).
O desfecho primário selecionado foi a mudança percentual da UACR desde o início até completar as 24 semanas. Também foram incluídas avaliações secundárias, como alterações na TFG, peso corporal, pressão arterial e proteína C reativa de alta sensibilidade.
Resultados
A semaglutida reduzir a relação albumina/creatinina urinária comparada ao placebo:
- Semaglutida: – 52,1% (IC 95% −65,5 a −33,4; P<0,0001).
- Grupo placebo: aumento de 7,4%
A redução de albuminúria foi consistente em todos os subgrupos analisados (sexo, idade, tipo de nefropatia e uso de inibidores de SGLT2).
Ao longo do estudo, foi observada uma redução inicial na TFG no grupo semaglutida (−4,3 mL/min/1,73 m² nas primeiras 8 semanas), seguida por retorno ao valor basal até a semana 24. Não houve diferença significativa entre os grupos em termos de TFG ao final do tratamento (diferença ajustada: −1,1 mL/min/1,73 m²; P=0,57). Mas aqui é necessário cuidado na análise: Foi um estudo relativamente curto (24 semanas) com indivíduos com TFG média inicial de 65 ml/min, onde mesmo os estudos com inibidores de SGLT-2 têm impactos mais modestos. Além disso, a avaliação da TFG foi um desfecho secundário.
Com relação ao peso corporal, houve uma redução significativa no grupo semaglutida:
- Semaglutida: −10,2 kg (IC 95% −11,8 a −8,7).
- Placebo: −1,2 kg (IC 95% −2,3 a −0,1).
Analisando outros marcadores metabólicos, a PCR ultrassensível reduziu em 37,9% (P=0,01), indicando menor inflamação sistêmica. Também houve redução no NT-proBNP (31,9%), sugerindo melhora no perfil cardiovascular.
Quanto aos eventos adversos, nada novo sob o sol. A semaglutida foi bem tolerada, com eventos adversos consistentes com estudos anteriores, sobretudo gastrointestinais como náusea (31,4%), diarreia (21,6%) e constipação (15,7%). Eventos adversos graves foram raros: 2,0% no grupo semaglutida vs. 4,0% no placebo.
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Considerações e conclusão
Os autores do estudo ponderam que a redução significativa da UACR sugere que a semaglutida pode oferecer benefícios renais independentes do controle glicêmico. Neste estudo não foi possível concluir os exatos mecanismos através dos quais a semaglutida trouxe a melhora do desfecho primário, porém especula-se que o principal efeito seja causado pela perda de peso. Ainda, o retorno do eGFR aos níveis basais após uma redução inicial reflete um possível efeito hemodinâmico temporário, similar ao observado com inibidores de SGLT2. Além disso, a redução da PCR pode indicar possíveis benefícios anti inflamatórios da medicação.
Contudo, apesar de se tratar de um ensaio clínico randomizado, vale destacar a curta duração e pequena população analisada. Estudos de maior duração e com populações maiores e mais diversas são necessários para confirmar os efeitos da semaglutida na progressão da DRC e em desfechos cardiovasculares.
Mensagem prática
A semaglutida demonstrou eficácia na redução de albuminúria, peso corporal e inflamação sistêmica em pacientes com obesidade e DRC sem diabetes, com um perfil de segurança favorável. Esses resultados sugerem que a semaglutida pode ser uma terapia promissora para abordar simultaneamente a obesidade e a progressão da doença renal crônica. Tal hipótese deve ser confirmada em novos estudos, maiores e mais robustos, antes de indicar a medicação para esse fim específico.
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