Dentro da endocrinologia, o mundo da obesidade vem sendo destaque pelos recentes avanços no tratamento medicamentoso. É sempre importante relembrar que a obesidade é uma doença crônica, com fisiopatologia estabelecida, fator de risco para as principais causas de morbimortalidade e que vem apresentando um aumento vertiginoso em incidência em todo o mundo, inclusive no Brasil. Por isso é mister que tenhamos opções terapêuticas eficazes.
A principal categoria de medicamentos que vem sendo estudada são os agonistas do receptor do GLP-1 (aGLP-1), inicialmente desenhados para o tratamento do diabetes. São extremamente eficazes na redução de hemoglobina glicada e algumas drogas também demonstram redução de eventos cardiovasculares (os famosos MACE), como visto no SUSTAIN-6, por exemplo (onde a semaglutida reduziu eventos em pacientes com DM2).
Foi observado também o poder que boa parte das medicações dessa classe apresenta na perda de peso, sobretudo a semaglutida. Recentemente, em 2021, foi publicado o estudo STEP 1, que avaliou a semaglutida na dose de 2,4 mg/semana por 68 semanas comparado a placebo – ambos os grupos sendo estimulados a mudanças no estilo de vida – resultando numa perda de peso média de -15,3 kg no grupo semaglutida vs. -2,6 kg no grupo placebo, atingindo uma média de -14,9% do peso. Um resultado incrível.
Com o intuito de comparar com uma medicação já muito utilizada e também com bons resultados (a liraglutida), foi publicado este mês no JAMA o STEP 8.
O estudo
O STEP 8 foi um ensaio clínico randomizado em quatro braços (semaglutida vs. placebo vs. liraglutida vs. placebo), cego entre grupo intervenção e seu respectivo controle placebo, mas open label entre semaglutida e liraglutida. Os participantes selecionados apresentavam IMC maior que 30 kg/m² ou acima de 27 kg/m² e uma comorbidade exceto DM2. Na média, balanceados entre os grupos, os participantes apresentavam IMC de 37,5 kg/m² (peso médio de 104,5 kg), com média de idade de 49 anos, a maioria do sexo feminino (quase 80%).
Foram randomizados 338 indivíduos de 19 centros nos EUA na proporção 3:1:3:1 (três nos braços medicamentosos e um nos grupos placebos). O grupo semaglutida recebeu doses progressivas até atingir a dose plena de 2,4 mg; Em caso de intolerância, a dose podia ser reduzida até 1,7 mg/semana. No grupo liraglutida, as doses foram aumentadas até 3,0 mg/dia; se houvesse intolerância, era necessário reiniciar as doses até atingir a dose máxima tolerada (o que pode ter atrapalhado a análise do desempenho da droga). O seguimento foi de 68 semanas.
Como esperado, o grupo semaglutida apresentou uma média de perda de peso de -15,8%, enquanto o grupo liraglutida apresentou uma perda de -6,4%; já o grupo placebo (somados os dois grupos) teve uma perda média de -1,9%.
Fica ainda mais evidente a superioridade da semaglutida quando analisamos o percentual de participantes que atingiram pelo menos 10% de perda de peso (valor comumente utilizado como objetivo de tratamento e que já traz benefícios em redução de morbidades em alguns estudos). No grupo semaglutida, 70,9% atingiram uma perda de pelo menos 10% do peso inicial, enquanto no grupo liraglutida apenas 25,6% conseguiram – o que representa um Odds Ratio (OR) de 8,2 (IC 95%; 3,5 – 19,1). No grupo sema, 38,5% perderam mais que 20% do peso, comparado a apenas 6% no grupo liraglutida.
Descontinuaram o tratamento no grupo semaglutida 13,5% e 27,6% no grupo liraglutida, apesar de que a incidência de eventos adversos gastrointestinais foi similar entre os grupos (84,1% com sema vs. 82,7% com liraglutida). Tal fato foi discutido pelos autores e, dentre diversos fatores, foi destacado o fato de que a semaglutida é de uso semanal, enquanto a liraglutida requer aplicações subcutâneas diárias.
Leia também: Uso do balão intragástrico (BIA) ajustável para o tratamento da obesidade
Considerações para a realidade brasileira
O STEP 8 provou que a semaglutida na dose de 2,4 mg por semana é de fato um marco no tratamento da obesidade, superando um tratamento que já tinha resultados interessantes (a liraglutida). A grande limitação sem dúvida será seu custo, já que a caneta de 1,0 mg semanal já possui um preço impeditivo para a maior parte da população. Os avanços são muito animadores, porém trazendo para a realidade brasileira, ainda carecemos de um tratamento acessível e eficaz. Vale lembrar que (acreditem ou não), não dispomos de absolutamente nenhuma medicação para o tratamento da obesidade que seja fornecido pelo SUS.
Referências bibliográficas:
- Rubino DM, Greenway FL, Khalid U, et al. Effect of Weekly Subcutaneous Semaglutide vs Daily Liraglutide on Body Weight in Adults With Overweight or Obesity Without Diabetes: The STEP 8 Randomized Clinical Trial. JAMA. 2022;327(2):138–150. doi:10.1001/jama.2021.23619
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.