O pré-diabetes (pré-DM) é uma condição com elevado risco para desenvolver diabetes tipo 2 (DM2), caracterizada por glicemia de jejum alterada, intolerância à glicose ou hemoglobina glicada (HbA1c) discretamente elevada. Estima-se que mais de 374 milhões de pessoas no mundo apresentem essa alteração, configurando um desafio de saúde pública com impacto direto em mortalidade, complicações cardiovasculares e custos em saúde. Sem intervenção, até 70% dos indivíduos evoluirão para diabetes.
O exercício físico é considerado tratamento de primeira linha, não apenas pela melhora glicêmica, mas também pelo impacto em sensibilidade à insulina, composição corporal, perfil lipídico e risco cardiovascular. A recomendação é de, no mínimo, 150 minutos de atividade aeróbica moderada a vigorosa por semana, associada ao treinamento resistido. Entretanto, poucas pessoas atingem essa meta. No intuito de diversificar as opções de modalidades, o treinamento intervalado de alta intensidade (HIIT) e exercícios tradicionais chineses (TCEs) têm sido estudados como estratégias promissoras, principalmente pela eficiência metabólica e maior adesão na população mais idosas.
Uma recente metanálise avaliou cinco modalidades de exercício, aeróbico (AT), resistido (RT), combinado (AT+RT), HIIT e TCEs, com o objetivo de comparar seus efeitos sobre o controle glicêmico, perfil lipídico e composição corporal em indivíduos com pré-diabetes. O desfecho primário foi o impacto sobre a HbA1c, sendo analisados também glicemia de jejum, glicemia pós-prandial de 2h, colesterol, triglicérides, HDL, LDL, índice de massa corporal, peso e circunferência abdominal.
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Metodologia
Foram incluídos exclusivamente ensaios clínicos randomizados com adultos diagnosticados com pré-diabetes segundo critérios da American Diabetes Association (ADA) e da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD). A busca contemplou bases como PubMed, Embase, Cochrane, Web of Science e bases chinesas, até agosto de 2024. Após os critérios de exclusão, 74 artigos foram incluídos, totalizando 5.683 participantes com média de idade de 56 anos e IMC médio de 26,7 kg/m².
Com distribuição equilibrada entre homens e mulheres, a seleção dos artigos contemplou diferentes regiões do mundo, incluindo Ásia, Europa e América, o que confere uma amostra diversa em termos de estilo de vida, perfil étnico e cultural. O risco de viés foi avaliado e classificado como risco incerto a moderado. A análise estatística utilizou modelo de rede comparativa, avaliando consistência entre comparações diretas e indiretas.
Resultados e discussão
A análise mostrou que todas as modalidades de exercício reduziram HbA1c, glicemia de jejum e duas horas pós-prandial. O HIIT destacou-se como mais eficaz na redução de HbA1c (-0,44%) e glicemia de jejum, além de aumentar HDL de forma significativa. Já o AT+RT mostrou-se superior para melhora do perfil lipídico, reduzindo colesterol total, LDL e triglicérides, e foi eficaz na redução de IMC. Curiosamente, os TCEs, muitas vezes subestimados na prática clínica, apresentaram maior impacto em peso corporal e circunferência abdominal, além de redução consistente da glicemia de 2h.
Os autores destacam o papel fisiológico do HIIT na ativação rápida de vias metabólicas como AMPK e GLUT4, que melhoram a captação muscular de glicose. Contudo, ressaltam limitações em populações mais idosas ou frágeis, que podem ter maior risco de lesão. Nesse contexto, os TCEs surgem como alternativa viável, segura e culturalmente aceitável. Já o AT+RT mantém seu papel consolidado como modalidade de maior benefício metabólico global.
Na prática clínica, esses achados reforçam a necessidade de personalização da prescrição de atividade física. O exercício combinado (AT+RT) segue como a estratégia de escolha pelos seus benefícios amplos. O HIIT pode ser prescrito para pacientes jovens, sem limitações cardiovasculares e pouco aderentes a outras modalidades. Os TCEs devem ser considerados em idosos ou indivíduos com comorbidades, mais susceptíveis a lesões, melhorando a adesão a longo prazo.
Embora não seja comum no Brasil, os TCEs podem ser comparados, em termos de proposta, ao pilates, pois realizam movimentos controlados com ênfase no equilíbrio, flexibilidade e integração mente-corpo.
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Conclusão e mensagem prática
No Brasil, onde mais de 15 milhões de pessoas vivem com pré-DM, a implementação de programas estruturados de atividade física poderia reduzir significativamente a incidência de diabetes tipo 2 e suas complicações. Fica claro que a prescrição de exercício deve ser individualizada, mas sempre considerada tratamento de primeira linha, tão ou mais importante que qualquer intervenção farmacológica inicial.
Diante de robusta evidência, o exercício físico mais uma vez se consolida como intervenção essencial para reverter ou retardar a progressão do pré-diabetes, com impacto direto no controle glicêmico, perfil lipídico e peso corporal. Independentemente da modalidade, a mensagem central permanece: o essencial é se exercitar.
Autoria
Paulo Melo
Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Ceará. Residência Médica em Clínica Médica pela Universidade Federal do Piauí e Residência Médica em Endocrinologia e Metabologia pela Santa Casa de Belo Horizonte. Possui título de especialista pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. É mestrando e professor da área de endocrinologia na Afya Educação Médica.
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