O câncer de tireoide é a neoplasia endócrina mais prevalentes, com incidência crescente nas últimas décadas. Embora parte desse aumento seja reflexo de mudanças ambientais e metabólicas, é inquestionável que a facilidade do acesso a exames de imagem, sobretudo a ultrassonografia, desempenhou papel importante para uma maior detecção de casos, inclusive de tumores indolentes que antes não seriam diagnosticados.
A vitamina D é um fator de interesse na participação da fisiopatologia de diversas doenças pois além de seu papel clássico no metabolismo ósseo, estudos apontam sua participação em mecanismos de proliferação celular, diferenciação e resposta imune. Assim, alguns autores sugerem que a sua deficiência possa contribuir para maior risco de desenvolvimento de alguns tipos de canceres, inclusive o de tireoide, embora a evidência ainda seja controversa. A maioria dessas hipóteses vêm de observações clínicas, estudos experimentais e análise de expressão de receptores de vitamina D em células tumorais, mas sem comprovação definitiva de causalidade.
A metanálise em questão teve como objetivo, com base na literatura existente, avaliar se há diferença significativa nos níveis séricos de vitamina D entre pacientes com câncer de tireoide e controles, bem como a prevalência de deficiência da vitamina nos grupos. O desfecho primário foi a associação entre níveis reduzidos/deficiência de vitamina D e maior risco de câncer de tireoide.
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Metodologia
Os autores realizaram uma busca sistemática em PubMed, Embase e Web of Science até setembro de 2024, incluindo ensaios clínicos randomizados, estudos observacionais (coorte, caso-controle, transversais), considerando apenas pesquisas em humanos. Foram excluídos estudos experimentais, revisões, relatos de caso e publicações incompletas.
No total, 4.474 artigos foram inicialmente identificados, dos quais 23 preencheram critérios de elegibilidade, abrangendo mais de 12 mil participantes, distribuídos em diferentes continentes. A amostra final foi composta por 18 estudos de caso–controle e 5 estudos transversais. Portanto, trata-se de uma metanálise exclusivamente baseada em estudos observacionais, o que explica a limitação importante de não permitir inferência de causalidade.
A análise utilizou modelos de efeitos aleatórios e explorou potenciais fontes de heterogeneidade, como tipo de estudo, época da coleta da vitamina D (sazonalidade), métodos laboratoriais distintos (ELISA, LC-MS/MS, CLIA, entre outros) e características populacionais variadas. Apesar do rigor metodológico, a heterogeneidade significativa entre os trabalhos e a ausência de ensaios clínicos randomizados robustos foram limitações importante. Os vieses foram parcialmente mitigados por análises de subgrupos e meta-regressão, mas permanecem como pontos críticos para interpretação dos resultados.
Resultados e discussão
A metanálise mostrou que os pacientes com câncer de tireoide apresentaram níveis séricos significativamente mais baixos de vitamina D em comparação com controles. Além disso, a prevalência de deficiência foi maior entre os portadores de neoplasia, com odds ratio de 1,33 — sugerindo um risco relativo 33% maior associado à hipovitaminose. Importante destacar que a maior parte dos estudos era de caso-controle, o que limita a inferência causal, já que estudos observacionais buscam correlação e não necessariamente a causa.
Nos subgrupos, a variação sazonal da coleta foi identificada como fonte relevante de heterogeneidade, reforçando a necessidade de padronização metodológica. Logo, não houve consenso entre os trabalhos quanto à relação entre níveis de vitamina D e estadiamento tumoral, indicando que a associação pode não ser linear nem uniforme.
Do ponto de vista clínico, embora a deficiência de vitamina D tenha sido mais frequente nos pacientes com câncer de tireoide, não se pode afirmar que baixos níveis sejam fator causal da doença. Os autores discutem que a associação observada pode refletir um marcador indireto de exposição solar, estado nutricional ou fatores metabólicos concomitantes, e não necessariamente um determinante direto da carcinogênese.
Conclusão
Os dados encontrados sugerem que há uma associação entre níveis mais baixos de vitamina D e presença de câncer de tireoide. Contudo, a elevada heterogeneidade dos estudos, as diferentes metodologias laboratoriais e o desenho majoritariamente observacional impedem qualquer afirmação definitiva sobre causalidade.
Assim, embora seja plausível considerar a deficiência de vitamina D como um potencial fator de risco, o conhecimento atual ainda é insuficiente para sustentar recomendações clínicas específicas. Ensaios clínicos randomizados e estudos prospectivos padronizados são necessários para elucidar se a reposição da vitamina pode, de fato, ter impacto preventivo ou prognóstico no câncer de tireoide. Por hora, a reposição de vitamina D deve ser direcionada às indicações já estabelecidas.
Autoria
Paulo Melo
Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Ceará. Residência Médica em Clínica Médica pela Universidade Federal do Piauí e Residência Médica em Endocrinologia e Metabologia pela Santa Casa de Belo Horizonte. Possui título de especialista pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. É mestrando e professor da área de endocrinologia na Afya Educação Médica.
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