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Endocrinologia14 novembro 2025

O que a ciência mostrou até agora sobre vitamina D e câncer de tireoide

Estudo avaliou diferenças de níveis séricos de vitamina D entre pacientes com câncer de tireoide e controles
Por Paulo Melo

O câncer de tireoide é a neoplasia endócrina mais prevalentes, com incidência crescente nas últimas décadas. Embora parte desse aumento seja reflexo de mudanças ambientais e metabólicas, é inquestionável que a facilidade do acesso a exames de imagem, sobretudo a ultrassonografia, desempenhou papel importante para uma maior detecção de casos, inclusive de tumores indolentes que antes não seriam diagnosticados. 

A vitamina D é um fator de interesse na participação da fisiopatologia de diversas doenças pois além de seu papel clássico no metabolismo ósseo, estudos apontam sua participação em mecanismos de proliferação celular, diferenciação e resposta imune. Assim, alguns autores sugerem que a sua deficiência possa contribuir para maior risco de desenvolvimento de alguns tipos de canceres, inclusive o de tireoide, embora a evidência ainda seja controversa. A maioria dessas hipóteses vêm de observações clínicas, estudos experimentais e análise de expressão de receptores de vitamina D em células tumorais, mas sem comprovação definitiva de causalidade. 

A metanálise em questão teve como objetivo, com base na literatura existente, avaliar se há diferença significativa nos níveis séricos de vitamina D entre pacientes com câncer de tireoide e controles, bem como a prevalência de deficiência da vitamina nos grupos. O desfecho primário foi a associação entre níveis reduzidos/deficiência de vitamina D e maior risco de câncer de tireoide. 

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Metodologia 

Os autores realizaram uma busca sistemática em PubMed, Embase e Web of Science até setembro de 2024, incluindo ensaios clínicos randomizados, estudos observacionais (coorte, caso-controle, transversais), considerando apenas pesquisas em humanos. Foram excluídos estudos experimentais, revisões, relatos de caso e publicações incompletas.  

No total, 4.474 artigos foram inicialmente identificados, dos quais 23 preencheram critérios de elegibilidade, abrangendo mais de 12 mil participantes, distribuídos em diferentes continentes. A amostra final foi composta por 18 estudos de caso–controle e 5 estudos transversais. Portanto, trata-se de uma metanálise exclusivamente baseada em estudos observacionais, o que explica a limitação importante de não permitir inferência de causalidade. 

A análise utilizou modelos de efeitos aleatórios e explorou potenciais fontes de heterogeneidade, como tipo de estudo, época da coleta da vitamina D (sazonalidade), métodos laboratoriais distintos (ELISA, LC-MS/MS, CLIA, entre outros) e características populacionais variadas. Apesar do rigor metodológico, a heterogeneidade significativa entre os trabalhos e a ausência de ensaios clínicos randomizados robustos foram limitações importante. Os vieses foram parcialmente mitigados por análises de subgrupos e meta-regressão, mas permanecem como pontos críticos para interpretação dos resultados. 

Resultados e discussão 

A metanálise mostrou que os pacientes com câncer de tireoide apresentaram níveis séricos significativamente mais baixos de vitamina D em comparação com controles. Além disso, a prevalência de deficiência foi maior entre os portadores de neoplasia, com odds ratio de 1,33 — sugerindo um risco relativo 33% maior associado à hipovitaminose. Importante destacar que a maior parte dos estudos era de caso-controle, o que limita a inferência causal, já que estudos observacionais buscam correlação e não necessariamente a causa. 

Nos subgrupos, a variação sazonal da coleta foi identificada como fonte relevante de heterogeneidade, reforçando a necessidade de padronização metodológica. Logo, não houve consenso entre os trabalhos quanto à relação entre níveis de vitamina D e estadiamento tumoral, indicando que a associação pode não ser linear nem uniforme. 

Do ponto de vista clínico, embora a deficiência de vitamina D tenha sido mais frequente nos pacientes com câncer de tireoide, não se pode afirmar que baixos níveis sejam fator causal da doença. Os autores discutem que a associação observada pode refletir um marcador indireto de exposição solar, estado nutricional ou fatores metabólicos concomitantes, e não necessariamente um determinante direto da carcinogênese. 

Conclusão 

Os dados encontrados sugerem que há uma associação entre níveis mais baixos de vitamina D e presença de câncer de tireoide. Contudo, a elevada heterogeneidade dos estudos, as diferentes metodologias laboratoriais e o desenho majoritariamente observacional impedem qualquer afirmação definitiva sobre causalidade. 

Assim, embora seja plausível considerar a deficiência de vitamina D como um potencial fator de risco, o conhecimento atual ainda é insuficiente para sustentar recomendações clínicas específicas. Ensaios clínicos randomizados e estudos prospectivos padronizados são necessários para elucidar se a reposição da vitamina pode, de fato, ter impacto preventivo ou prognóstico no câncer de tireoide. Por hora, a reposição de vitamina D deve ser direcionada às indicações já estabelecidas. 

Autoria

Foto de Paulo Melo

Paulo Melo

Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Ceará. Residência Médica em Clínica Médica pela Universidade Federal do Piauí e Residência Médica em Endocrinologia e Metabologia pela Santa Casa de Belo Horizonte. Possui título de especialista pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. É mestrando e professor da área de endocrinologia na Afya Educação Médica.

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