Uma das complicações mais prevalentes da tireoidectomia total é a hipocalcemia pós-operatória, sendo descrita hipocalcemia assintomática e sintomática de 13% a 49% dos casos nas primeiras 24 horas e 63,3% nas 48h após o procedimento. É uma situação clínica relativamente comum e geradora de enorme desconforto ao paciente.
Estudos clínicos randomizados (RCTs) sugerem que deficiência de vitamina D, presente em até 30 a 50% da população geral, é um importante fator de risco para hipocalcemia sintomática pós tireoidectomias, a qual pode se manifestar com variados graus de severidade e com necessidade de diferentes formas de tratamento.
Diferentes RCTs avaliaram a administração de cálcio e vitamina D no preparo pré-operatório, mas os resultados se mostraram controversos.
Com intuito de avaliar o papel da suplementação pré-operatória de cálcio e vitamina D e seu impacto na incidência e severidade da hipocalcemia após tireoidectomias os autores propuseram esse estudo de revisão sistemática e metanálise.
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Materiais e Métodos
O estudo analisou RCTs que avaliaram eficácia da suplementação pré-operatória de cálcio e vitamina D em relação a hipocalcemia pós-operatória em população adulta e pediátrica submetida a tireoidectomia total por doença benigna da tireóide ou câncer de tieóide, associada ou não a esvaziamento cervical.
Pacientes submetidos a outros procedimentos como laringectomia ou paratireoidectomia das quatro glândulas com intuito curativo, cirurgia cervical prévia ou que receberam medicações como corticóides, furosemida, bisfosfonados ou reposição de rotina de cálcio por doença de base foram excluídos do estudo.
Os desfechos analisados incluíram os níveis séricos pós-operatórios de cálcio e vitamina D, a incidência de hipocalcemia sérica no pós-operatório, a incidência de hipocalcemia sintomática, as taxas de necessidade de suplementação de cálcio endovenoso e as taxas de reinternação por este motivo.
Resultados e discussão
Foram inicialmente selecionados 496 artigos, após exclusão de duplicados e aplicados os critérios de eligibilidade foram selecionados 13 RCTs envolvendo um total 1504 pacientes sendo 75,2% do sexo feminino, a média de idade foi 47,9 ± 7,2 anos. A porcentagem de patologia benigna foi 69,6%.
Não houve diferenças estatisticamente significativas para taxa de readmissão (OR 0,15, 95% IC 0,01 a 3,08) e para os níveis séricos basais pré-operatórios entre o grupo intervenção e o grupo controle para níveis de cálcio (p=0,54, média 9,50 ± 0,3 mg/dL grupo intervenção vs 9,48 ± 0,3 mg/dL do grupo controle), vitamina D (p=0,38, média 27,28 ± 9,2 ng/mL do grupo de intervenção vs 25,97 ± 8,7 ng/mL grupo controle) e PTH (p=0,43, média 53,61 ± 4,3 ng/L do grupo de intervenção vs 58,35 ± 7,5 ng/L do grupo controle).
Em relação aos níveis séricos pós-operatórios de cálcio sérico, desfecho avaliado por 10 estudos, houve maiores níveis séricos no grupo intervenção em comparação ao grupo controle apresentando uma diferença média de 0,30mg/dl (IC 95%, 0,15 a 0,44).
Houve benefício em relação à diminuição da ocorrência de hipocalcemia, definida por cálcio sérico ≤ 8,5 mg/dL, em 48 horas pós-operatória, desfecho avaliado por 13 estudos, com OR 0,41 (95% IC, 0,27 a 0,62); em relação à diminuição da ocorrência de hipocalcemia associada a sintomas, definida por cálcio sérico ≤ 8,5 mg/dL, em 48 horas pós-operatória, avaliada por 11 estudos com OR 0,38 (95% IC, 0,24 a 0,62) e também para a necessidade de reposição endovenosa de cálcio, avaliada por 7 estudos e com OR de 0,32 (95% IC, 0,18 a 0,58).
Mais um benefício identificado foi a diminuição do tempo de internação para o grupo intervenção em comparação ao grupo controle, avaliado por 7 estudos e com achado de diferença médica de -0,29 (95% IC, -0,51 a -0,07).
Não houve diferença estatisticamente significativa para análise de subgrupos do tempo de suplementação antes da cirurgia < 3 versus ≥ 3 dias, para subgrupos em relação a suplementação pré-operatória exclusiva versus suplementação pré e pós-operatórias combinadas, para subgrupos em relação ao regime de suplementação de cálcio + vitamina D versus suplementação de cálcio exclusivo versus suplementação de vitamina D exclusiva, para subgrupos em relação asiáticos versus caucasianos e para subgrupos em relação próximo ao equador ou longe do equador.
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Mensagem Prática
Esse recente estudo de metanálise, explorando um tema bastante pertinente e corriqueiro para Cirurgião de Cabeça e Pescoço e Endocrinologista, trouxe preciosas informações diante dos achados de benefício da suplementação pré-operatória de cálcio e vitamina D: aumento dos níveis séricos de cálcio pós-operatórios, diminuição das taxas de hipocalcemia em 48 horas e hipocalcemia sintomática, diminuição da necessidade de reposição endovenosa e do tempo de internação, evidenciando um benefício prático e de fácil aplicabilidade no dia-a-dia. A dose de suplementação deve ser individualizada para cada paciente e o tempo de suplementação de 3 dias se mostra razoável.
Essa suplementação pré-operatória não prescinde o rigor técnico durante a cirurgia para a adequada identificação e preservação das glândulas paratireoides, assim como da correta indicação do procedimento em si, para garantir o máximo de benefício ao paciente com patologia da tireoide.
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