Logotipo Afya
Anúncio
Endocrinologia11 fevereiro 2025

Metformina e o risco de fetos PIG (pequeno para a idade gestacional)

Ensaio clínico randomizado controlado por placebo, avaliou o uso precoce de metformina no manejo do diabetes gestacional (DMG)

A discussão sobre o uso da metformina na gestação, seus potenciais riscos e benefícios, ganham mais um capítulo em termos de evidência. A discussão sobre seu uso reside na comodidade e potenciais benefícios em redução de desfechos adversos, sobretudo risco de feto grande para idade gestacional (GIG), redução da necessidade de uso de insulina materna e na limitação do ganho de peso materno durante a gestação.  

Tais benefícios parecem ocorrer, mas com significado clínico discutível, ainda mais quando consideramos achados que também apontam para maior risco de fetos pequenos para idade gestacional (PIG) e possíveis riscos de consequências metabólicas negativas para o concepto ao longo da vida, como maior risco de obesidade, o que ainda não é claro. 

Hoje, a indicação do uso da metformina na gestação, de acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), é restrita tanto no diabetes mellitus gestacional (DMG) quanto no diabetes tipo 2 durante a gestação (DM2) a situações de difícil controle (necessidade de insulina > 2,0 U/kg/d sem controle glicêmico adequado), podendo também ser considerada se houver ganho de peso fetal excessivo e/ou ganho de peso materno excessivo, além de situações sociais/dificuldade de acesso ou no uso/manejo da insulina. Independentemente, deve ficar claro que a primeira opção medicamentosa no tratamento do DMG ainda deve ser a insulinoterapia. 

O estudo EMERGE, um ensaio clínico randomizado controlado por placebo, avaliou o uso precoce de metformina no manejo do diabetes gestacional (DMG). Com 535 gestações randomizadas, seu objetivo primário foi avaliar a necessidade de insulina ou níveis de glicemia de jejum ≥ 92 mg/dL nas semanas 32 ou 38. Embora a metformina tenha mostrado benefícios secundários significativos, como menor ganho de peso materno e redução de recém-nascidos grandes para a idade gestacional (GIG), levantou-se a hipótese de que poderia aumentar o risco de fetos pequenos para a idade gestacional (PIG) devido a alterações no transporte de nutrientes placentários​​. 

Para tentar esclarecer tais achados, recentemente foi publicada uma análise secundária do estudo EMERGE, que investigou em maiores detalhes quais foram os fatores de risco para desenvolvimento de fetos PIG, os desfechos neonatais nessa subpopulação e sua relação entre o uso de metformina ou não. 

Leia mais: Metformina no diabetes gestacional: novas evidências!

metformina

Métodos 

O estudo foi uma subanálise do estudo EMERGE. Foram incluídas 522 gestações (261 em cada grupo) com dados completos sobre peso ao nascimento e idade gestacional.  

Os Critérios de inclusão foram gestantes diagnosticadas com DMG segundo os critérios da OMS de 2013 (glicemia de jejum ≥ 92 mg/dL, 1 hora ≥ 180 mg/dL ou 2 horas ≥ 153 mg/dL em teste de tolerância à glicose oral) antes de 28 semanas + 6 dias. A definição de PIG foi estabelecida como peso ao nascimento abaixo do 10º percentil ajustado para idade gestacional e sexo. 

A idade média das participantes foi de 33,7 anos no grupo PIG e 34,4 anos no grupo não-PIG. A maioria das participantes era de ascendência branca ou europeia (>70%), com uma prevalência de obesidade basal (IMC ≥30 kg/m²) em 45,5% no grupo PIG e 61,0% no grupo não-PIG. 

Relembrando os resultados do estudo EMERGE, a taxa global de PIG foi de 4,2% (n=22), com 5,7% (n=15) no grupo metformina e 2,7% (n=7) no grupo placebo (RR 2,14; IC 95% 0,89–5,17; p=0,13). Embora os dados não tenham alcançado significância estatística, a diferença sugere um possível aumento no risco relativo, que deve ser interpretado com cautela devido ao tamanho amostral limitado. Além disso, não houve diferenças significativas em variáveis como HbA1c (5,5% no grupo PIG vs. 5,7% no grupo não-PIG; p=0,54), hipertensão prévia ou pré-eclâmpsia. 

Objetivos 

O objetivo principal da subanálise foi encontrar fatores de risco adicionais para fetos PIG no estudo EMERGE. Dentre os fatores de risco encontrados, destacamos: 

Pré-eclâmpsia e hipertensão gestacional 

A pré-eclâmpsia foi significativamente associada ao risco de PIG (18,2% no grupo PIG vs. 2,0% no grupo não-PIG; p=0,001). Após ajuste multivariado, pré-eclâmpsia permaneceu como fator de risco independente (OR 6,20; IC 95% 1,29–25,9). A hipertensão gestacional também apresentou associação significativa na análise univariada (22,7% no grupo PIG vs. 5,4% no grupo não-PIG; p=0,005), mas perdeu significância após ajuste para pré-eclâmpsia. 

Glicemia materna 

Gestantes do grupo PIG apresentaram níveis de glicemia de jejum mais baixos nas semanas 32 (4,7 vs. 4,9 mmol/L; p=0,03) e 38 (4,3 vs. 4,6 mmol/L; p=0,006), enquanto os níveis pós-prandiais não diferiram. Esse achado sugere que a hipoglicemia relativa pode estar associada a restrições no crescimento fetal. 

Insulina e ganho de peso materno 

A necessidade de insulina foi menor no grupo PIG (27,3% vs. 45,0%; p=0,15), embora sem significância estatística. O ganho de peso materno não diferiu entre os grupos (-0,1 kg no grupo PIG vs. +1,5 kg no grupo não-PIG; p=0,16). 

Resultados 

Como esperado, recém-nascidos PIG apresentaram medidas antropométricas significativamente reduzidas (Peso ao nascimento: 2555 g vs. 3489 g (p<0,001); Circunferência abdominal: 29,3 cm vs. 33,5 cm (p<0,001); Comprimento total: 47,2 cm vs. 51,5 cm (p<0,001). Quanto ao desenvolvimento de complicações neonatais, houve diferença na admissão em unidade neonatal intensiva (NNU): 36,4% no grupo PIG vs. 13,2% no grupo não-PIG (p=0,006) e no risco de síndrome do desconforto respiratório: 31,8% no grupo PIG vs. 13,6% no grupo não-PIG (p=0,041). Não houve diferença significativa na incidência de hipoglicemia neonatal ou icterícia.  

Contudo, entre os recém-nascidos PIG, não houve diferenças significativas nos desfechos neonatais entre os grupos metformina e placebo, incluindo peso ao nascimento, necessidade de NNU ou complicações neonatais específicas. 

Os achados do estudo EMERGE sugerem que a metformina, embora eficaz na prevenção de GIG e macrossomia, pode estar associada a uma tendência de aumento do risco relativo de PIG. Contudo, a ausência de significância estatística em muitos dos desfechos analisados exige uma interpretação criteriosa, sobretudo devido ao pequeno número de eventos. 

A subanálise traz mais informações sobre os dados encontrados: a pré-eclâmpsia emergiu como o principal fator de risco para PIG, com impacto mais significativo do que a glicemia ou o uso de metformina e a glicemia de jejum mais baixa no grupo PIG sugere que um controle glicêmico excessivo, possivelmente induzido pela metformina, pode contribuir para restrições no crescimento fetal em subgrupos vulneráveis. 

Comparativamente a outros estudos, os autores destacam que a taxa de PIG no EMERGE (4,2%) foi inferior à relatada em estudos como MiTy (11,8%), que incluiu mulheres com DM tipo 2 e complicações como nefropatia. Diferenças na dose de metformina (2500 mg/dia no EMERGE vs. 2000 mg/dia no MiTy) e na população estudada podem explicar essa disparidade. 

Veja também: ACOG 2019: saiba como manejar o crescimento intrauterino restrito

Conclusão 

O estudo reafirma os benefícios da metformina no controle do crescimento fetal excessivo em gestações complicadas por DMG, mas levanta questões sobre seu uso em populações com risco elevado de PIG. A associação entre pré-eclâmpsia e PIG destaca a necessidade de monitoramento rigoroso em gestantes com hipertensão ou disfunção placentária. 

Recomenda-se a individualização do tratamento com metformina, com foco na estratificação de risco e em uma abordagem multidisciplinar para otimizar os desfechos materno-fetais. Estudos futuros devem explorar mais profundamente o impacto da metformina em populações de maior risco e o papel da glicemia de jejum no crescimento fetal. 

Hoje, a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) e a American Diabetes Association (ADA), em seus guidelines, já colocam as situações analisadas neste estudo como contraindicações ao uso da metformina na gestação: 

  • SBD: Metformina contraindicada se feto abaixo do P50, restrição de crescimento intrauterino (RCIU), Mãe com nefropatia/DRC  
  • ADA: Risco de RCIU, pré-eclâmpsia e/ou hipertensão gestacional 

Diante do exposto, é fundamental que o uso da metformina seja ponderado quanto aos benefícios esperados e riscos conhecidos e muito bem discutido com as pacientes. 

Como você avalia este conteúdo?

Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.

Compartilhar artigo

Referências bibliográficas

Newsletter

Aproveite o benefício de manter-se atualizado sem esforço.

Anúncio

Leia também em Endocrinologia