Não é novidade que o tratamento do diabetes mellitus (DM) vem evoluindo nos últimos anos. Além do direcionamento para o controle concomitante de comorbidades associadas ao DM, tais como o risco cardiovascular e a doença renal, a melhora do controle glicêmico per se e promoção de medidas que facilitam a aderência terapêutica também tem sido exploradas. Exemplos são os estudos sobre uso de bomba de insulina mesmo em indivíduos com diabetes mellitus tipo 2 (DM2) – já em uso de múltiplas doses de insulina – e também as insulinas semanais.
No ano passado, foi apresentado no congresso da American Diabetes Association (ADA) a série ONWARDS, que avaliou o impacto da insulina semanal icodeca no controle do diabetes. Os estudos foram separados de acordo com o comparador ativo (glargina ou degludeca) e com base no subtipo de diabetes (tipo 1 ou tipo 2). O estudo ONWARDS-1 (discutido aqui no portal) demonstrou que em indivíduos com DM2, o uso da insulina icodeca não só foi não inferior (desenho do estudo) como também superior (ainda que discretamente, com uma redução de HbA1c de -0,19%) à glargina em termos de controle glicêmico, com baixas taxas de hipoglicemias, ainda que numericamente superiores do que a insulina degludeca. Em indivíduos com DM1 a insulina atingiu a margem de não inferioridade, mas acabou aumentando também o número de hipoglicemias de forma mais significativa, o que motivou o FDA a não autorizar de imediato sua comercialização nos Estados Unidos da América (EUA) para esse subtipo, ainda que tenha liberado para indivíduos com DM2 devido à baixa incidência de forma geral nesse subtipo.
A grande vantagem discutida no uso desse tipo de insulina é a comodidade posológica, uma vez que os pacientes precisam aplicar apenas uma vez na semana. Este mês foi publicado um estudo de fase 3 no New England Journal of Medicine (NEJM) sobre uma nova insulina semanal, a Efsitora, em pacientes com diabetes mellitus tipo 2 (DM2), que revisamos aqui no portal.
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O estudo
O QWINT-2 foi um ensaio clínico randomizado, de fase 3, multicêntrico, open label, com comparador ativo (insulina semanal Efsitora vs. degludeca), com duração de 52 semanas.
Os critérios de inclusão foram adultos com ≥ 18 anos com DM2, virgens de tratamento prévio com insulina (iriam iniciar o uso no momento da randomização), com HbA1c entre 7 e 10,5% e IMC ≤ 45 kg/m². Foram excluídos participantes com diabetes mellitus tipo 1 (os mesmos foram investigados em um outro estudo da série QWINT, o QWINT-5, publicado no Lancet).
O objetivo primário do estudo foi avaliar a não inferioridade da insulina Efsitora comparada à insulina degludeca no controle glicêmico, medido pela HbA1c.
Também foram avaliados como endpoints secundários mais relevantes como o tempo no alvo, aferido por meio de um monitor contínuo de glicose intersticial (CGM) profissional (cego aos pacientes) utilizado entre as semanas 48 e 52.
Ao final, foram randomizados 928 participantes. Quanto à população do estudo, a média de idade foi de aproximadamente 58 anos, cerca de 58% do sexo masculino, com média de glicada inicial de 8,21%. O tempo médio de duração do diabetes era de 11,6 anos e o IMC médio inicial foi de 30,6 kg/m2. Cerca de 84% dos participantes estavam em uso de metformina, enquanto cerca de 50% dos participantes estavam em uso de agonistas de GLP-1: 50% (a randomização foi estratificada para o uso da classe, respeitando 50% em cada grupo e também para o uso de sulfonilureias, uma vez que tal classe poderia enviesar a quantidade de hipoglicemias).
Da mesma forma que nos estudos da icodeca, o desenho do estudo era “treat to target”, ou seja, ambos os grupos deveriam escalonar a dose com objetivo de atingir glicemias entre 80 e 120 mg/dL em jejum. No grupo Efsitora, a dose total média de insulina utilizada na semana 52 foi de 314,7U/semana comparado a 334,4U/semana no grupo degludeca, significativamente menor no grupo Efsitora (diferença estimada -19,7U; IC 95%; -37 a -2,4).
A insulina semanal Efsitora foi não inferior à degludeca em termos de controle glicêmico ao analisarmos a HbA1c após 52 semanas:
– Degludeca: – 1,17%
– Efsitora: – 1,26% (IC 95%; -0,22 a 0,04)
Apesar de atingir a não inferioridade, definida como uma margem de até 0,4%, a efsitora não foi capaz de demonstrar superioridade.
Ainda, quanto aos desfechos secundários, o tempo no alvo (entre 70 e 180 mg/dL) avaliado por CGM profissional entre as semanas 48 e 52 e ao início, também foi semelhante nos dois grupos, assim como o tempo acima e abaixo do alvo:
- Degludeca: 61,2%
- Efsitora: 64,3% (Diferença estimada do tratamento: 3,1%; 0,1 – 6,1%; IC 95%)
Além disso, os resultados se mantiveram independentemente do uso de agonistas de GLP-1.
Apesar dos bons resultados, houve um discreto aumento nas taxas de hipoglicemia no grupo Efsitora. O estudo evidenciou um aumento na incidência combinada de hipoglicemias nível 2 e nível 3:
- Degludeca: 0,45 eventos/pessoa/ano
- Efsitora: 0,58 eventos/pessoa/ano (RR 1,30; IC 95%; 0,94 – 1,78)
Os autores destacaram na discussão que, apesar da maior incidência relativa de hipoglicemias nível 2 ou 3 no grupo Efsitora, nos dois grupos (efsitora e degludeca) a incidência de eventos foi menor que 1 evento/pessoa/ano, que costuma ser o corte a partir do qual se considera um valor clinicamente significativo para esse tipo de evento adverso. Já a incidência de hipoglicemias graves foi numericamente menor no grupo Efsitora (nenhum evento vs. 6 eventos no grupo degludeca).
Ainda, apesar de não abordado no estudo QWINT-2, ficou evidenciado no estudo QWINT-5 que a incidência de hipoglicemias também foi maior em indivíduos com DM1, porém nesse estudo a incidência foi muito maior, já que há uma tendência maior a hipoglicemias em indivíduos com DM1 (14,03 vs 11,59 eventos/pessoa/ano nos grupos efsitora vs. degludeca, respectivamente).
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Perspectivas
A insulina Efsitora se mostrou relativamente segura e eficaz no tratamento de indivíduos com DM2. Por se tratar de uma insulina com vantagens teóricas em termos de posologia e aderência, o estudo QWINT utilizou um desenho de não inferioridade, o qual conseguiu demonstrar. Ainda, a taxa de eventos de hipoglicemia nível 2 e 3, apesar de maior no grupo Efsitora, permaneceu dentro do “aceitável” em termos de tratamento de DM2.
De fato, apenas o mundo real e estudos de seguimento poderão dizer se de fato há vantagens em termos de comodidade e conforto aos pacientes. Dito isso, imaginar um tratamento combinado entre insulina semanal e uso de agonista de GLP-1, por exemplo, também de uso semanal, já é uma realidade na qual os mesmos podem dispor de uma combinação com excelência em controle glicêmico, redução de risco cardiovascular, renal e segurança, além de extrema facilidade posológica.
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