O uso de sistemas de infusão contínuos de insulina (SICI), também conhecidos como “bombas de insulina” vem crescendo, sobretudo em países desenvolvidos, conforme o aprimoramento dessa tecnologia. Apenas na última década vimos a evolução de dispositivos para as bombas de sensibilidade aumentada, capazes de detectar momentos de tendência de hipoglicemias e “desligar” a infusão de forma inteligente (acopladas a um monitor contínuo de glicose, ie, um CGM), passando pelos dispositivos de alça fechada, ou “closed loop” (CL), chegando no próprio pâncreas biônico (deixamos uma observação ao final do artigo para melhor explicação dos termos se você não estiver familiarizado).
Os dispositivos de alça fechada, como por exemplo o sistema MiniMed 780g (Medtronic) e OMNIPod 5 (insulet) são capazes de fazer a programação da insulina basal de forma autônoma. Tais dispositivos são acoplados em sistemas CGM e, de acordo com a glicose intersticial, conseguem modular a taxa de infusão. No caso da MiniMed, por exemplo, a taxa é regulada a cada 5 minutos, sendo capaz de reduzir a infusão em momentos de queda de glicose e risco de hipoglicemia e até mesmo aumentar para correções de períodos pós prandiais nos quais a dose prandial foi insuficiente. De fato, a única programação a ser feita manualmente é a dose dos bolus pré refeição, que precisam ser informados pelo paciente e determinados previamente pela equipe médica.
Em estudos realizados em indivíduos com DM1, tais dispositivos vêm demonstrando grande potencial em melhora do tempo no alvo (time in range, 70-180 mg/dL) mesmo quando comparados aos SICIs mais antigos/convencionais, sem sistema de controle em alça fechada.
Ainda, além dos pacientes com DM1, uma outra população poderia se beneficiar dessa tecnologia. Trata-se dos indivíduos com DM2 com necessidade de múltiplas doses de insulina. Alguns ensaios clínicos randomizados (RCTs) realizados demonstraram benefícios no uso de SICIs convencionais nessa população, levando até mesmo o guideline da American Diabetes Association (ADA) considerar, ainda que com menor nível de evidência, a possibilidade de uso da ferramenta em casos selecionados. Vale lembrar que cerca de 22% dos pacientes com DM2 utilizam insulina (ainda que uma porção menor utilize em múltiplas doses diárias).
Postulando-se a superioridade dos “Closed Loop” (CL) comparados aos SICI convencionais, foi investigado por um estudo francês publicado na última edição da Diabetes Care (periódico da ADA) o impacto do uso de sistemas CL em pacientes com diabetes mellitus tipo 2 ambulatoriais, um estudo pioneiro no assunto.
O estudo
O estudo foi um ensaio clínico randomizado, realizado em 3 centros na França, open label, com design de crossover e duração de 12 semanas (todos os participantes passam por um período inicial com um tratamento e após 6 semanas, ou metade do estudo, trocam de grupo) e comparou a eficácia de bombas Closed Loop (CL) vs. convencionais + uso de CGM no controle glicêmico. O estudo foi realizado entre agosto de 2022 e julho de 2023.
Os critérios de inclusão foram adultos com DM2 (com mais de 18 anos), peso < 150 kg, com uso prévio de bomba de insulina por ao menos 6 meses (na França, o sistema de saúde cobre o fornecimento de bombas convencionais para indivíduos com DM2 em múltiplas doses de insulina sem controle adequado), com dose total diária < 160 U/dia e HbA1c < 10%.
Foram excluídos participantes com DM1 ou outros tipos de diabetes (ex: pós pancreatectomia), além de indivíduos com baixíssima necessidade de insulina (< 8U/dia) ou com outras condições que pudessem impactar o controle glicêmico (ex: uso de glicocorticoides e DRC estadio IV ou mais).
O objetivo primário do estudo foi avaliar o percentual de tempo no alvo (70 a 180 mg/dL) determinado através do uso do CGM. Os principais endpoints secundários selecionados foram as outras métricas do CGM como tempo acima do alvo e abaixo.
Ao final, foram randomizados 17 participantes que cumpriam os critérios. A amostragem foi de acordo com a disponibilidade local, uma vez que os autores justificaram a inexistência de dados prévios que permitissem um cálculo amostral adequado.
Quanto à população do estudo, a média de idade foi de 63 anos, cerca de 65% do sexo masculino, com média de glicada inicial de 7,9%. Todos já estavam em uso de bombas de insulina simples, como previamente mencionado, além do CGM.
Leia também: Bombas de insulina de alça fechada em pacientes com DM1 recém diagnosticados
Cross-over: como o estudo foi elaborado
Para aumentar o poder do estudo, visto que se trata de uma população muito específica, os autores optaram pelo desenho de crossover. Após a seleção dos 17 participantes, 9 foram randomizados para iniciar o período de bomba convencional nas primeiras 6 semanas e trocar para CL após e 8 o oposto – iniciaram pelo CL e depois trocaram para a bomba convencional. Na análise dos resultados os autores notaram que a sequência não influenciou significativamente os resultados.
Ainda, devido a necessidade de adaptação ao sistema CL, foi optado pela análise dos dados apenas das últimas 3 semanas de cada um dos blocos.
O sistema CL utilizado foi composto pela bomba insight AccuChek e o CGM dexcom G6
O sistema Closed Loop parece ser superior a sistemas convencionais
Os resultados foram bem positivos a favor do uso do CL. Durante o período de uso do CL, o tempo no alvo (TIR) foi de 76% (interquartil 69 a 84%) vs. 61% no grupo bomba convencional + CGM (interquartil 55 a 70%). A diferença média estimada foi de 15% (interquartil 8-22; p < 0,001).
Quanto aos desfechos secundários:
- Tempo acima do alvo (> 180 mg/dL): 24% (grupo CL) vs. 38% (grupo convencional); diferença média estimada: – 15% (- 22 a -8%); p < 0,001
- Tempo abaixo do alvo (< 70 mg/dL): Sem diferenças.
Além disso, houve redução na variabilidade glicêmica no grupo CL e uso de maior quantidade de insulina diária.
Limitações do estudo
Obviamente, trata-se de um estudo pequeno, pioneiro, cross over, com grandes limitações para generalização dos resultados. Portanto, é fundamental compreender que apesar desta nova evidência sobre um assunto pouco explorado, os resultados ainda não são suficientes para gerar recomendações de mudanças na prática clínica.
Perspectivas
Apesar das limitações acima expostas, trata-se de um estudo que abordou um assunto sem evidências prévias e que serve como base para suscitar a necessidade de outros estudos sobre o tema, maiores e mais longos, para conclusões apropriadas. Assim como estudos observacionais, este pequeno estudo randomizado é “provocativo”, levantando uma hipótese que, se confirmada, pode trazer de fato benefícios importantes para um grupo considerável de pessoas com DM2 onde o tratamento com múltiplas doses de insulina é dispendioso e acaba afetando significativamente a qualidade de vida desses indivíduos.
A melhora do tempo no alvo apresentada neste estudo é muito significativa, sem contar prováveis benefícios em termos de qualidade de vida que precisam de maior investigação. Por tal motivo, apesar de um estudo pequeno, é relevante para a discussão do futuro do tratamento do diabetes mellitus tipo 2.
Veja mais: Bombas de insulina de alça fechada em pacientes com DM1 recém diagnosticados
Observação: Tipos de “bombas de insulina”
1) Sistemas de Infusão Contínua de Insulina (SICI): São as “Bombas” de insulina convencionais, onde é necessário a programação manual da dose basal (utilizando insulina de ação rápida) e cálculo de bolus, com necessidade de ajustes pelo endocrinologista nas consultas de acordo com o perfil glicêmico. Nesse tipo de dispositivo é possível ajustar basais temporários e adicionar eventos de saúde para diferenciação de doses basais nesses momentos. Um exemplo é a Accu-chek spirit Combo.
2) Bombas com sensibilidade aumentada: Também conhecidas como “alça fechada parcial”, apesar de não conseguirem realizar ajustes automáticos na taxa de infusão, são capazes de suspender a infusão de insulina se predição de queda, com objetivo de reduzir o risco de hipoglicemias. Para isso, já se torna um dispositivo mais complexo e com necessidade de se acompanhar do uso de um CGM. É composta por 3 Partes: Bomba, CGM e algoritmo que suspende automaticamente a infusão de insulina caso haja predição de hipoglicemia nos próximos 30 minutos, de acordo com a tendência da glicose vista no CGM. Um exemplo é a MiniMed 640G, da Medtronic.
3) Entrega automatizada de insulina: Estes são os dispositivos “closed loop” (alça fechada), conhecidos nos artigos em inglês como Automated Insulin Delivery (AID). Tais dispositivos são capazes de ajustar a taxa de infusão de insulina basal conforme a glicose checada pelo CGM, com capacidade tanto de redução na dose como de aumento para corrigir períodos de hiperglicemia. Tais dispositivos requerem apenas a programação do bolus. São exemplos a MiniMed 780G (Medtronic) e a OmniPod 5.0 (Insulet). É sobre um modelo dessa categoria que vamos discutir a respeito neste artigo.
4) Pâncreas biônico: Por fim, a forma mais sofisticada de entrega de insulina é através do pâncreas artificial/biônico, que é capaz de sozinho realizar o ajuste e programação da dose de insulina basal e bolus. Temos apenas um representante nessa categora, a iLet (BetaBionics), cujo estudo foi publicado em 2022 no New England Journal of Medicine.
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