A obesidade é uma condição crônica com impactos metabólicos, cardiovasculares e sociais crescentes. Dados apontam para que em 2035, mais de 1,5 bilhão de adultos viverão com obesidade no mundo, sendo que quase 80% estarão em países de baixa e média renda.
Felizmente, a última década marcou uma revolução no tratamento da condição, com o surgimento de fármacos altamente eficazes, como os agonistas do receptor de GLP-1, que possibilitam perda de peso superior a 15% e redução de desfechos cardiovasculares. Contudo, seu custo e acesso limitado impõem barreiras significativas em países como o Brasil, onde a terapêutica de baixo custo segue sendo uma necessidade clínica concreta, visto que apenas uma parcela pequena da população tem acesso a tais medicações. Além disso, ainda carecem de opções fornecidas pelo SUS para o tratamento da obesidade, problema emergente também em nosso país.
Nesse cenário, combinações off-label têm sido utilizadas na prática diária brasileira. A associação de sibutramina e topiramato, embora sem aprovação formal ou robustez de dados até então, é amplamente prescrita em serviços. Foi pensando nisso que foi elaborado o estudo “SIBAMATE”, 100% brasileiro, realizado na Universidade de São Paulo. O estudo traz uma evidência fundamental para a prática endocrinológica nacional, ao ser o primeiro a avaliar sistematicamente a efetividade e segurança da combinação entre sibutramina e topiramato, medicações mais acessíveis, eficazes e amplamente utilizadas na prática clínica, num cenário de vida real no Brasil.
Métodos
O SIBAMATE foi uma coorte retrospectiva que avaliou, após critérios de exclusão aplicados, 246 pacientes com obesidade, maiores de 18 anos, atendidos entre 2012 e 2022 no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Todos receberam prescrição combinada de sibutramina e topiramato por pelo menos 3 meses (alguns já vinham com o uso de uma das medicações no baseline). A população incluída tinha IMC ≥ 30 kg/m² ou ≥ 27 kg/m² com comorbidades (diabetes tipo 2, hipertensão ou dislipidemia).
Foram excluídos pacientes com contraindicações formais às medicações (como doença cardiovascular prévia, idade > 65 anos, hipertensão não controlada, glaucoma de ângulo fechado, DM associado a outros fatores de risco cardiovasculares, outras doenças que afetem a perda de peso como uso de antipsicóticos ou corticoides, cirurgias bariátricas prévias e gestação). Dados clínicos, laboratoriais, de efeitos adversos e antropométricos foram extraídos de prontuários eletrônicos.
A amostra foi composta predominantemente por mulheres (86,2%), com média de idade de 42,8 anos e IMC médio de 39,7 kg/m². Cerca de metade apresentava hipertensão (52%), um terço tinha diabetes tipo 2 (31,3%) e outro terço dislipidemia (30%). O seguimento médio foi de 25,3 meses.
A combinação mais comum prescrita foi de 10 mg/d de sibutramina e 100 mg/d de topiramato. A média das doses utilizadas foi de 11 ± 2,1 mg/d para sibutramina e 119,7 ± 54,7 mg/d para topiramato, com maior variabilidade entre os indivíduos quanto à dose de topiramato. O aumento de dose era realizado de forma gradual nas primeiras 12 semanas e mantido conforme tolerabilidade.
Todos os pacientes receberam orientação dietética hipocalórica (máximo de 1600 kcal/dia, ou com déficit de 500 kcal baseado na taxa metabólica basal quando disponível) e estímulo para prática de atividade física regular. O acompanhamento foi multidisciplinar e individualizado, com possibilidade de encaminhamento à psicologia e psiquiatria quando indicado.
Resultados
A perda de peso foi significativa já aos 3 meses de tratamento, com média de –7,2% do peso inicial, atingindo –10,9% em 36 meses. A maioria dos pacientes atingiu perdas clinicamente relevantes: 61,8% perderam ≥ 5% do peso com 3 meses; 29,4%, ≥ 10%; e 10,9%, ≥ 15%. Esses percentuais se mantiveram relativamente estáveis até o 3º ano de acompanhamento.
Entre os 64 pacientes com dados completos até 36 meses, 64% mantiveram perda ≥ 5%, 40,6% ≥ 10% e 26,5% ≥ 15% — indicando manutenção duradoura dos efeitos, mesmo sem intensificação farmacológica. A perda média de peso absoluto ao final do seguimento foi de 10,2 ± 9,8 kg.
Do ponto de vista metabólico, observou-se melhora significativa nos níveis de HDL e na pressão arterial diastólica. Embora outras variáveis, como glicemia de jejum, colesterol total, LDL e triglicérides tenham apresentado redução discreta, essas mudanças não atingiram significância estatística.
Segurança e efeitos adversos
Os efeitos adversos mais comuns foram parestesia (28%), lentificação cognitiva (13,4%) e aumento de pressão arterial (13%). Tais eventos são consistentes com os mecanismos farmacológicos das drogas e esperados no uso individual de cada uma.
A taxa de descontinuação por efeitos adversos foi de 24,4%, similar à observada com outras combinações orais para obesidade. As principais causas de suspensão foram hipertensão ≥ 145/90 mmHg (4,9%), parestesia intolerável (3,2%) e taquicardia (2,8%). Nenhum evento adverso grave foi relatado ao longo do seguimento.
Os autores do estudo destacam que o perfil de segurança observado se alinha com dados prévios de monoterapia com ambas as drogas, reforçando que, em pacientes bem selecionados, a combinação pode ser utilizada com segurança a longo prazo.
Considerações
Este estudo brasileiro fornece a primeira evidência significativa do uso combinado de sibutramina e topiramato na prática clínica real, abordando uma lacuna importante para contextos em que o acesso a fármacos modernos é limitado. A magnitude da perda de peso observada foi comparável à descrita com a combinação aprovada de fentermina + topiramato, usada nos Estados Unidos — embora esta última não esteja disponível no Brasil.
A combinação estudada, segundo os autores do estudo, possui ação complementar: enquanto a sibutramina reduz o apetite via inibição da recaptação de noradrenalina e serotonina, o topiramato atua em centros hipotalâmicos modulando GABA e glutamato, interferindo em comportamentos compulsivos e hedônicos. Isso se traduz em uma ação sinérgica sobre os principais circuitos de controle alimentar.
A taxa de perda de peso superior a 10% em mais de um terço dos pacientes com três anos de seguimento é particularmente relevante, visto que se associa à melhora de múltiplos marcadores cardiometabólicos. Embora a sibutramina tenha sido retirada do mercado em diversos países após o estudo SCOUT, dados subsequentes indicam que, em pacientes sem doença cardiovascular estabelecida e com perda de peso significativa, o risco é pequeno. O presente estudo reforça essa observação, sugerindo que a retirada global da sibutramina pode ter sido precipitada, especialmente para jovens sem comorbidades cardiovasculares.
Apesar das limitações (único centro, natureza retrospectiva e falta de grupo controle), os achados refletem a prática cotidiana de milhares de prescrições em nosso meio. A elevada prevalência de obesidade, associada à limitação de acesso a fármacos mais modernos, torna a busca por alternativas custo-efetivas uma necessidade ética e clínica.
Conclusão e mensagem prática
O estudo SIBAMATE representa uma contribuição fundamental para o manejo da obesidade em países em desenvolvimento, ao avaliar uma combinação amplamente utilizada, mas até então pouco estudada sistematicamente. Seus resultados sustentam que a associação de sibutramina com topiramato promove perda de peso significativa, sustentável por até 3 anos, com perfil de segurança aceitável em pacientes bem selecionados.
Para o Brasil, esse achado é altamente relevante. Em um cenário de restrições orçamentárias, essa combinação pode representar uma opção terapêutica válida, sobretudo para pacientes jovens, sem contraindicações e com risco cardiovascular baixo a intermediário. O estudo também reforça a importância da individualização, do seguimento multidisciplinar e da seleção criteriosa dos candidatos à terapia combinada.
Ainda que o futuro da farmacoterapia na obesidade caminhe para agentes injetáveis de alto custo e múltiplos mecanismos (como os agonistas triplos de GLP-1/GIP/Glucagon e várias combinações diferentes), a realidade brasileira demanda opções eficazes e acessíveis. Neste contexto, a combinação sibutramina + topiramato pode ter um papel importante como ponte terapêutica — ou mesmo como alternativa definitiva para populações vulneráveis.
Estudos futuros, preferencialmente prospectivos e randomizados, são necessários para confirmar esses achados e ampliar as indicações dessa associação farmacológica promissora.
Autoria

Luiz Fernando Fonseca Vieira
Endocrinologista pelo HCFMUSP ⦁ Telemedicina no Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE) ⦁ Residência médica em Clínica médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) ⦁ Graduação em Medicina pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) - Faculdade de Medicina de Botucatu
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