Os agonistas de GLP-1 vêm mudando a forma como encaramos o tratamento da obesidade. Até o advento desta classe de medicações, havia um abismo entre os resultados do tratamento medicamentoso e da cirurgia bariátrica, que classicamente apresenta resultados impressionantes e superiores, porém restritos à indivíduos com IMC mais elevado e/ou presença de comorbidades. O impacto dos agonistas de GLP-1 foi tamanho que levou a diferentes sociedades médicas dedicadas ao estudo da obesidade no mundo propor uma nova classificação sobre o seu tratamento, no qual os agonistas de GLP-1 e outros medicamentos, como a tirzepatida, passaram a ser considerados como tratamentos de “segunda geração”, visto o avanço que representaram.
Contudo, existem alguns pontos a se debater. O tratamento da obesidade deve ser contínuo, algo que boa parte dos pacientes não está disposta a fazer, seja pelo custo envolvido ou pela própria dificuldade em se aderir a um tratamento medicamentoso. Esse fator é um ponto relevante ao se considerar o controle da obesidade a nível de sociedade, visto que o abandono ao tratamento pode impactar na falha do controle da obesidade a médio/longo prazo, enquanto a cirurgia, ainda que possa incorrer em reganho de peso, possui um perfil mais favorável para a manutenção do peso perdido e controle de comorbidades. Outro ponto é a escassez de dados de longo prazo, visto que os agonistas de GLP-1 são medicações que datam de aproximadamente uma década.
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Por outro lado, a cirurgia, ainda que muito segura em termos de mortalidade, também é um desafio, seja na adequação da dieta, no imaginário dos pacientes (muitos tem medo e não desejam se submeter a procedimentos) ou mesmo pela necessidade de reposição contínua de vitaminas e micronutrientes.
Além do exposto acima, a eficácia dos agonistas de GLP-1, sobretudo da semaglutida, e seu impacto sobre múltiplas comorbidades é digno de nota. Esta última, por exemplo, foi a primeira medicação a apresentar redução de risco cardiovascular em um tratamento clínico para obesidade (estudo SELECT). Diante desse cenário, é interessante entender como vem sendo a dinâmica de prescrição dos agonistas de GLP-1 e como isso vem impactando as indicações e realizações de cirurgia bariátrica/metabólica. Com esse intuito, foi realizado um estudo transversal, utilizando uma base de dados norte-americana, para a investigação dessa dinâmica. O estudo foi publicado no JAMA.
Métodos do estudo
O estudo teve um desenho transversal, que utilizou uma base de dados particular dos Estados Unidos (EUA) de 17 milhões de indivíduos (OptumLabs Data Warehouse), entre 2022 e 2023.
Foram incluídos apenas pacientes com obesidade e sem diabetes. Destes, foram analisados dados como idade, sexo e presença de comorbidades, comparando os dados dentre a população que foi submetida a cirurgia bariátrica/metabólica vs tratamento com agonistas de GLP-1 vs nenhum tratamento. As tendências foram analisadas utilizando um modelo de regressão linear.
Resultados
Durante o período do estudo foram identificados 1.547.174 indivíduos (94,7%) com obesidade que não foram tratados nem com agonistas de GLP-1 nem com cirurgia metabólica. Por fim, 81.092 (5,0%) receberam a prescrição de um agonista de GLP-1 e 5173 (0,3%) foram submetidos a cirurgia metabólica. Entre os últimos seis meses de 2022 e os últimos seis meses de 2023 houve um aumento de 132,6% na prescrição de agonistas de GLP-1, ao passo que durante o mesmo período ocorreu uma redução de 25,6% nas cirurgias metabólicas.
Dentre as características principais da população analisada, destaque para a presença de mais comorbidades no grupo submetido à cirurgia, sendo que 18,8% dos pacientes no grupo submetido ao procedimento possuíam quatro comorbidades ou mais, ao passo que 8,2% no grupo aGLP-1 e 11,1% no grupo sem nenhuma das duas intervenções (P < 0,001).
Considerações
O estudo mostra ainda que apenas 6% dos indivíduos de toda a amostra estavam recebendo alguma das terapias, seja cirurgia ou o tratamento com agonistas de GLP-1. Esse dado mostra que, apesar do uso das medicações ter crescido exponencialmente e no mesmo período a quantidade de cirurgias ter diminuído, há uma esmagadora quantidade de pacientes que não estão se beneficiando de nenhuma das opções terapêuticas. Medidas para melhorar a acessibilidade a ambos os tratamentos são necessárias. Ainda, vale lembrar que são dados dos EUA e, trazendo para nossa realidade, é muito provável que a proporção de pacientes que utilizam tais terapias seja bem menor.
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Mensagem prática
Frente às ponderações e aos dados encontrados nesse estudo, alguns pontos ficam claros. Primeiro, o tratamento medicamentoso, pelo menos a curto prazo, pode impactar na decisão dos pacientes em se submeter a um tratamento cirúrgico. É possível, contudo, que se analisarmos dados num prazo maior, alguns desses pacientes que apresentem falha no tratamento clínico acabem recorrendo à cirurgia. O segundo ponto é que há tanto margem como necessidade de se incrementar substancialmente o acesso a ambas as terapias, visto que ambas são utilizadas por uma pequena minoria (ainda que a cirurgia tenha a restrição de sua indicação mais precisa). Mas fato é que ambas as terapias são necessárias para o melhor controle da obesidade tanto a nível de sociedade como individual.
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