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Endocrinologia22 maio 2025

Bomba de insulina em pacientes com diabetes tipo 2

Estudo teve por objetivo avaliar o impacto da tecnologia de AID em adultos com DM2 em uso de insulinoterapia intensiva, comparando-a com o tratamento convencional

Embora o arsenal terapêutico para o manejo do diabetes tipo 2 (DM2) tenha se expandido substancialmente nas últimas décadas, com a introdução de agentes como os agonistas do receptor de GLP-1 e os inibidores de SGLT2, uma parcela considerável de pacientes ainda evolui para a necessidade de insulinoterapia. Para estes pacientes, a complexidade do regime com múltiplas aplicações diárias de insulina, associada ao risco de hipoglicemias e à baixa adesão, contribui para um controle glicêmico insatisfatório e aumento do risco de complicações micro e macrovasculares. 

No contexto do diabetes tipo 1, os sistemas automatizados de infusão de insulina (do inglês “AID” – Automated Insulin Delivery) já são uma realidade bem estabelecida, com evidências de melhora do controle glicêmico, redução de hipoglicemias e melhora da qualidade de vida. Vale lembrar que quando utilizamos esta nomenclatura, AID, estamos nos referindo aos dispositivos de infusão de insulina que combinam a tecnologia dos monitores contínuos de glicose (CGMs) com o controle automatizado da infusão de insulina basal. 

No entanto, a aplicação de tais dispositivos em pacientes com DM2 permanece, até recentemente, como uma fronteira pouco explorada. Estudos anteriores com AID em DM2 foram limitados por amostras pequenas, desenhos não controlados ou períodos de intervenção muito curtos. 

Foi nesse cenário que se desenvolveu o estudo 2IQP, publicado no New England Journal of Medicine em março de 2025. O seu objetivo foi avaliar o impacto da tecnologia de AID em adultos com DM2 em uso de insulinoterapia intensiva, comparando-a com o tratamento convencional (com CGM, mas sem automação da infusão de insulina). Pelo caráter inovador do estudo e sua relevância, trazemos o mesmo para discussão aqui no portal. 

Métodos do estudo 

O estudo foi um ensaio clínico randomizado, multicêntrico e controlado, conduzido em 21 centros de pesquisa nos Estados Unidos e Canadá. Foram incluídos 319 participantes adultos com DM2 com duração mínima de 6 meses, todos em uso de insulinoterapia intensiva — predominantemente múltiplas injeções diárias (96% dos casos), com pelo menos uma aplicação de insulina de ação rápida por dia, ou então em uso de bomba de insulina convencional por pelo menos três meses antes da triagem. O uso concomitante de antidiabéticos era permitido, desde que em dose estável há no mínimo três meses. 

Os participantes foram alocados em uma razão 2:1 para um dos dois grupos: o grupo intervenção recebeu o sistema AID Control-IQ+ da Tandem, associado ao sensor Dexcom G6, enquanto o grupo controle manteve seu regime de insulinoterapia habitual (injeções ou bomba) com uso de CGM em tempo real, mas sem automação da liberação de insulina. Ambos os grupos foram acompanhados por 13 semanas, com visitas presenciais e remotas programadas, e receberam o mesmo suporte clínico. Nenhuma mudança de dose de medicamentos era permitida, exceto por razões de segurança. 

A população incluída teve média de idade de 58 anos (variação entre 19 e 87 anos), 39% pertencentes a minorias raciais ou étnicas, IMC médio de 33 a 35 kg/m², com uma HbA1c basal média de 8,2% no grupo AID e 8,1% no controle. A duração mediana do diabetes era de 18 anos, e 71% dos participantes já usavam CGM antes do estudo. Cerca de 44% utilizavam agonistas de GLP-1, 37% usavam iSGLT2, e 21% combinavam ambas as classes. 

O desfecho primário foi a variação na HbA1c em 13 semanas. Entre os desfechos secundários, destacaram-se a proporção do tempo no alvo (70–180 mg/dL), a frequência de hiperglicemias prolongadas (>300 mg/dL por ≥90 minutos), eventos de hipoglicemia (<70 ou <54 mg/dL), variabilidade glicêmica, necessidade de ajustes de insulina e eventos adversos relacionados ao dispositivo. 

Resultados 

Ao final das 13 semanas, os resultados foram expressivos e consistentes a favor do grupo AID. A redução da hemoglobina glicada foi significativamente maior entre os participantes que utilizaram o sistema automatizado: houve queda média de 0,9 ponto percentual (de 8,2% para 7,3%), contra apenas 0,3 ponto percentual no grupo controle (de 8,1% para 7,7%). A diferença média ajustada entre os grupos foi de −0,6%. (IC95%: −0,8 a −0,4; p<0,001). 

Essa superioridade foi ainda mais acentuada em pacientes com controle glicêmico pior ao início do estudo. Entre aqueles com HbA1c ≥9%, observou-se uma queda média de 2,4 pontos percentuais com AID, em comparação a apenas 1,1 ponto com o tratamento convencional. Em todas as subanálises — estratificadas por idade, sexo, IMC, renda, escolaridade, tipo de insulina, uso prévio de CGM ou bomba, e uso de GLP-1 ou SGLT2 — o benefício do AID foi mantido. 

Mais interessante ainda, a melhora do controle glicêmico também se refletiu nas métricas do CGM. O tempo no alvo aumentou de 48% para 64% no grupo AID, contra uma variação de apenas 51% para 52% no grupo controle. Isso representa uma diferença de 14 pontos percentuais, equivalente a 3,4 horas a mais por dia com glicemias entre 70 e 180 mg/dL. Os benefícios foram observados já na primeira semana de uso e se mantiveram estáveis ao longo do período de acompanhamento, tanto durante o dia quanto à noite. Em relação à hiperglicemia, os participantes que usaram AID passaram menos tempo com glicemias acima de 180 mg/dL e 250 mg/dL, além de apresentarem menor frequência de episódios de hiperglicemia prolongada. A média de eventos semanais caiu de 1,7 para 0,9, enquanto no grupo controle permaneceu praticamente inalterada. 

Importante ressaltar que toda essa melhora ocorreu sem aumento do risco de hipoglicemias. A incidência de hipoglicemias significativas foi baixa em ambos os grupos e estatisticamente semelhante, com apenas um caso de hipoglicemia grave (sem uso de glucagon) registrado no grupo AID. Não houve casos de cetoacidose diabética, síndrome hiperglicêmica hiperosmolar ou morte relacionada ao dispositivo. Essa diferença é ainda mais relevante que a mera redução da HbA1c, pois reflete uma menor variabilidade glicêmica, com menor tempo acima do alvo sem aumentar o tempo em hipoglicemias. 

Além disso, os pacientes do grupo AID utilizaram menos insulina ao final do estudo (redução de 95 para 87 U/dia), enquanto o grupo controle teve leve aumento (de 102 para 104 U/dia). Em contrapartida, observou-se um pequeno ganho de peso com o uso do sistema automatizado (média de +2,4 kg). Um possível motivo discutido pelos autores pode ser a melhora da glicemia e sintomas catabólicos, além da redução da glicosúria. A satisfação com o dispositivo e a qualidade do sono, avaliadas por escalas padronizadas, mostraram tendência à melhora no grupo AID. 

Veja também: SUS amplia uso de insulinas análogas para pacientes com diabetes tipo 2 

Conclusão e mensagem prática 

O estudo 2IQP traz evidências robustas sobre uma nova forma de se pensar o tratamento do diabetes tipo 2 em pacientes com necessidade de múltiplas doses de insulina. Pela primeira vez, foi demonstrado com clareza que um sistema automatizado de infusão de insulina — antes restrito ao contexto do diabetes tipo 1 — é seguro, eficaz e aplicável a uma população ampla de pacientes com DM2, inclusive aqueles sem experiência prévia com bomba. 

A magnitude do benefício clínico, apesar de não tão expressiva em termos de redução da HbA1c (queda de 0,6%), levou a um aumento considerável de 3 a 4 horas por dia do tempo no alvo e menor tempo em hiperglicemia — tudo isso sem aumento de hipoglicemias. Esses efeitos foram consistentes mesmo em pacientes com uso concomitante de análogos de GLP-1 e iSGLT2, o que reforça que o AID pode ser complementar às terapias orais e injetáveis já existentes. 

Do ponto de vista da prática médica brasileira, esses resultados são altamente relevantes. O Brasil possui uma das maiores populações com DM2 no mundo, muitas vezes mal controlada, com acesso restrito à educação em diabetes, e com altas taxas de complicações crônicas. A adoção de tecnologias como o AID pode representar uma mudança de paradigma, especialmente em centros especializados, para pacientes que não atingem metas glicêmicas apesar do tratamento intensivo. 

Ainda que barreiras econômicas e estruturais limitem o acesso a curto prazo, o estudo traz evidências que, uma vez confirmadas em estudos com outras populações e maior tempo de seguimento, podem suscitar a necessidade da discussão de políticas de incorporação progressiva dessas tecnologias em sistemas de saúde, especialmente quando se considera o potencial de redução de internações, hipoglicemias graves e progressão das complicações microvasculares. 

Em conclusão, o 2IQP é mais que um estudo de eficácia de um dispositivo: ele representa a validação de um novo modelo de cuidado, baseado em tecnologia, automação, segurança e precisão, que poderá no futuro remodelar o tratamento do diabetes tipo 2 avançado. 

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Referências bibliográficas

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