O diabetes mellitus gestacional (DMG) é definido como qualquer grau de intolerância à glicose diagnosticado pela primeira vez durante a gestação. Trata-se da complicação médica mais frequente do período gravídico, com prevalência estimada em 14% das gestações no mundo e cerca de 18 milhões de nascidos vivos anualmente.
A hiperglicemia materna está associada a múltiplas complicações: pré-eclâmpsia, parto prematuro, macrossomia, maior necessidade de cesariana e risco aumentado de hipoglicemia neonatal. Além disso, tanto as mães quanto os filhos apresentam risco mais elevado de desenvolver diabetes tipo 2 ao longo da vida.
A base do tratamento é o manejo dietético, incluindo dietas de baixo índice glicêmico e ricas em fibras. Nos últimos anos, soluções digitais, como aplicativos de mensagens e telemedicina, ganharam espaço como ferramentas de apoio ao tratamento. Quando associadas a estratégias de terapia cognitivo-comportamental (TCC), essas intervenções têm mostrado potencial para melhorar adesão e controle metabólico. Contudo, ainda são escassos os estudos que avaliem sua eficácia específica em pacientes com DMG.
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Metodologia
O ensaio clínico multicêntrico em questão avaliou 200 gestantes com DMG, entre 24 e 28 semanas, acompanhadas em quatro hospitais na China. As participantes foram randomizadas em proporção 1:1 para dois grupos: controle (tratamento padrão segundo diretrizes) e intervenção (tratamento padrão associado a um programa digital baseado em TCC, disponibilizado via aplicativo WeChat).
O programa funcionava como um guia digital: três vezes por semana, as gestantes recebiam aulas curtas sobre escolhas alimentares e estratégias práticas para organizar as refeições, incluindo orientações sobre índice glicêmico, combinação de alimentos e sequência alimentar (fibras e proteínas antes dos carboidratos), ajudando as gestantes a planejar melhor suas refeições e a manter maior controle da glicemia de forma autônoma.
O protocolo teve duração de 12 semanas. Embora não tenha havido avaliação objetiva da adesão ao aplicativo, a metodologia foi bem delineada e se mostrou factível na prática clínica. Este estudo teve como objetivo avaliar se uma intervenção digital baseada em TCC poderia melhorar o controle glicêmico e os desfechos gestacionais em mulheres com DMG.
Resultados encontrados e discussão
A população estudada apresentou média de idade de 31 anos e idade gestacional de 26 semanas, sem diferenças significativas entre os grupos quanto a IMC, histórico familiar ou HbA1c inicial. Ao final, 171 gestantes completaram o estudo, com perdas de seguimento semelhantes em ambos os grupos.
O grupo intervenção apresentou maior taxa de controle glicêmico a partir da 5ª semana de seguimento (follow-up 3), além de reduções significativas na glicemia pós-prandial após almoço e jantar. Houve ainda uma redução importante da incidência de macrossomia (5% vs. 15%), um desfecho clínico de grande relevância. Em contrapartida, não foram observadas diferenças na glicemia de jejum ou no pós-prandial do café da manhã, o que pode estar relacionado ao padrão de resistência insulínica matinal.
Esses resultados reforçam que pequenas melhorias dietéticas e educação em diabetes podem repercutir de forma positiva em desfechos neonatais relevantes. Isso reforça o papel central da instrução alimentar estruturada, sobretudo com recursos digitais de fácil acesso, como ferramenta de suporte ao oferecer às gestantes maior autonomia no manejo de sua dieta e controle glicêmico.
Conclusão
O estudo demonstra que intervenções digitais estruturadas, baseadas em TCC e aplicadas de forma acessível via celular, podem ser um complemento eficaz ao tratamento convencional do DMG. Para o contexto brasileiro, especialmente no SUS, essa abordagem poderia representar uma estratégia viável para superar a limitação de acesso a nutricionistas e endocrinologistas durante o pré-natal.
Embora existam diferenças culturais e alimentares entre Brasil e China, a base da intervenção, educação estruturada para melhorar o autocuidado alimentar, é universal. Trata-se, portanto, de um modelo que merece ser testado em nossa realidade, com potencial de ampliar a resolutividade do pré-natal e reduzir complicações maternas e neonatais relacionadas ao DMG.
Autoria
Paulo Melo
Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Ceará. Residência Médica em Clínica Médica pela Universidade Federal do Piauí e Residência Médica em Endocrinologia e Metabologia pela Santa Casa de Belo Horizonte. Possui título de especialista pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. É mestrando e professor da área de endocrinologia na Afya Educação Médica.
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