A obesidade anda junto de diabetes, doença cardiovascular, dislipidemia, hipertensão e diversos cânceres. Segundo o artigo, 41% das mortes relacionadas ao IMC se devem a doenças cardiovasculares.
A diretriz é conhecida: perder peso ajuda na prevenção. O problema é manter. Dietas hipocalóricas emagrecem no começo; depois, muitos recuperam o que perderam (o clássico efeito sanfona). Cirurgia bariátrica funciona, mas fica para obesidade grave.
Aqui entram os agonistas do receptor de GLP-1. São uma opção farmacológica promissora. A revisão do Journal of the American Heart Association discute ensaios clínicos sobre perda de peso e desfechos cardiovasculares, além de segurança e uso prático.
Metodologia da revisão
É uma revisão narrativa sobre manejo da obesidade e risco cardiovascular: estilo de vida, cirurgia e terapia farmacológica, com foco no desafio da manutenção.
Inclui ensaios de fase 3 com agonistas do GLP-1: a série STEP (semaglutida) e o SURMOUNT (tirzepatida), voltados a perda/manutenção de peso e melhora cardiometabólica.
Os ensaios de desfechos cardiovasculares em DM2 aparecem em tabela comparativa (ELIXA, LEADER, SUSTAIN-6, PIONEER-6, EXSCEL, Harmony Outcomes, REWIND, AMPLITUDE-O).
Resultados principais
Semaglutida 2,4 mg (aplicação semanal) nos STEP 1, 2 e 3 (68 semanas) e no STEP 4 (run-in de 20 semanas + 48 semanas de randomização):
- STEP 2 (obesidade com DM2): 2,4 mg (n=404) vs 1,0 mg (n=403) vs placebo (n=403).−9,64% do peso com 2,4 mg; −6,99% com 1,0 mg; −3,42% com placebo. Caíram IMC, cintura e pressão; triglicerídeos −22% com 2,4 mg.
- STEP 3 (sobrepeso/obesidade sem DM2, + intervenção comportamental): 2,5 mg/semana (n=407) vs placebo (n=204). −16% de peso vs −5,7% no placebo, com quedas maiores de IMC e cintura.
- STEP 1 (obesidade sem DM2): −15,3 kg com 2,4 mg vs −2,6 kg com placebo; diferença −12,7 kg. IMC: −5,54 kg/m² vs −0,92 kg/m².
- STEP 4 (run-in 20 semanas com 2,5 mg/semana; N=902; depois 48 semanas): quem manteve semaglutida (n=535) sustentou a perda; quem migrou para placebo (n=268) recuperou boa parte do peso — sinal claro de que interromper tende a reverter o ganho.
O SURMOUNT-1 (duplo-cego, randomizado, controlado por placebo): tirzepatida 5 mg, 10 mg e 15 mg semanais versus placebo.
A dose 15 mg levou a −23,6 kg em 72 semanas; no placebo, −2,4 kg.
Desfechos cardiovasculares
Em DM2 de alto risco, agonistas de GLP-1 reduzem MACE (eventos cardiovasculares maiores):
- LEADER (liraglutida): 13,0% vs 14,9%; HR 0,87.
- SUSTAIN-6 (semaglutida 0,5–1,0 mg): 6,6% vs 8,9%; HR 0,74; p<0,02.
- Harmony Outcomes, REWIND, AMPLITUDE-O, entre outros, também mostraram vantagem vs placebo.
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Segurança e efeitos adversos
Gastrointestinais são os mais comuns (náusea, diarreia, vômito, constipação). Nos STEP, 81,3%–95,8% relataram algo, em geral leve a moderado e transitório.
Como mitigar?
Começo com dose baixa e escalonamento gradual; evitar álcool e bebidas gaseificadas ajuda na náusea.
Com tirzepatida, padrão semelhante (78,9%–81,8%).
Um ponto prático: parou, engorda. Um ano após cessar, por exemplo, semaglutida 2,4 mg, participantes recuperaram ~2/3 do peso perdido.
Discussão
Esses agonistas fazem perder peso, e não pouco. IMC e cintura acompanham a queda. Muitas vezes, o efeito supera dieta e exercício isolados (útil para quem não mantém adesão). De quebra, melhoram pressão, lipídios, glicemia e reduzem eventos em DM2 — portanto, benefício além do açúcar no sangue.
Faz sentido que, para muitos, virem primeira linha. Não é bala de prata: custo e acesso pesam, sobretudo nas classes mais vulneráveis.
No Brasil, convém seguir SBEM e ABESO: estilo de vida primeiro; medicação quando há comorbidades ou falha das medidas conservadoras. Outro recado da revisão: tratar obesidade como doença crônica e reduzir estigma — isso muda a consulta.
Conclusão e mensagem prática
Potência terapêutica. Em 68 semanas, GLP-1 entregam −9% a −16% de peso e melhoram vários marcadores cardiovasculares. Em DM2 de alto risco, há cerca de −14% em MACE e −12% em mortalidade geral. Sem sinal claro de aumento de câncer ou hipoglicemia grave.
Aplicação clínica. Bons candidatos: IMC ≥ 30 kg/m² ou ≥ 27 kg/m² com comorbidades, histórico de tentativas de estilo de vida e possibilidade de monitorar. O remédio anda junto de dieta e atividade física. Formulações orais e agonistas duais (GLP-1/GIP) podem melhorar aderência e ampliar acesso — a comparação com as versões subcutâneas ainda gera debate.
Em síntese: vale usar agonistas de GLP-1 para controle de peso e redução de risco cardiovascular em sobrepeso/obesidade, sobretudo com DM2. A soma de perda ponderal relevante, melhora da síndrome metabólica e perfil de segurança aceitável coloca essa classe no centro da abordagem multimodal da obesidade — com um lembrete de vida real: aderência, custo e acesso decidem o desfecho.
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