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Endocrinologia22 agosto 2025

Agonismo e antagonismo do GIP reduzem peso corporal por mecanismos diferentes?

Agonismo e antagonismo do GIP levam à perda de peso por mecanismos diferentes, revelando novas estratégias contra obesidade.

Durante muito tempo, o GIP (glucose-dependent insulinotropic polypeptide) ocupou um papel coadjuvante na fisiologia das incretinas. Diferentemente do GLP-1, cujos efeitos benéficos sobre a glicemia e o peso corporal são amplamente reconhecidos e explorados clinicamente, o GIP era visto como algo secundário. Além disso, experimentos pré-clínicos sugeriam que ele poderia estimular a lipogênese e contribuir para a resistência à insulina, o que o rotulava antes como um hormônio “obesogênico”. 

Esse cenário mudou de forma radical com a percepção do papel do GIP no controle do apetite em regiões do sistema nervoso central. A introdução dos agonistas duplos de GIP e GLP-1, como a tirzepatida, demonstra efeitos superiores aos dos agonistas isolados de GLP-1 em termos de perda de peso e controle glicêmico. 

Mais intrigante ainda é a constatação de que o antagonismo do receptor de GIP (GIPR) também pode levar a uma mesma consequência clínica: a redução significativa do peso corporal. Diante deste paradoxo e da aplicabilidade clínica desta descoberta, com o surgimento da MariTide (antagonista GIP e agonista GLP-1), apresentada em estudos de fase 2 no congresso da American Diabetes Association (ADA) 2025, trazemos para discussão no portal um estudo publicado na Nature em 2025, que buscou explicar como mecanismos aparentemente contraditórios podem convergir para um mesmo efeito terapêutico, com base em dados fisiológicos, moleculares e clínicos. 

Veja também: Tempo, dinheiro e perda de peso: cirurgia bariátrica vs. programa de perda de peso

GIP perda de peso

Breve revisão do GIP e seu receptor 

O receptor do GIP (GIPR) é um membro da família dos receptores acoplados à proteína G, ativando principalmente a via do AMPc por meio da proteína Gs. O GIPR está amplamente distribuído no organismo, o que justifica os vários efeitos do GIP sobre o metabolismo energético, adiposo, ósseo e até neurocomportamental. Entre os principais locais de ação extra-pancreáticos, destacam-se: 

  • Tecido adiposo branco: promove lipogênese, captação de ácidos graxos e possível ação anti-lipolítica; 
  • Tecido adiposo marrom: modula atividade termogênica (papel ainda controverso); 
  • Hipotálamo e tronco encefálico: modula ingestão alimentar, saciedade e respostas ao jejum; 
  • Osteoblastos: influencia densidade mineral óssea; 
  • Coração e fígado: participa de vias de sinalização ainda pouco compreendidas. 

Translação para evidências clínicas 

A evidência clínica mais expressiva vem da tirzepatida, que nos ensaios SURPASS e SURMOUNT promoveu não apenas controle glicêmico superior ao da semaglutida, mas também redução ponderal muito mais acentuada. A ação combinada sobre GLP-1R e GIPR parece explicar essa potência aumentada, com efeitos centrais na saciedade, melhora da sensibilidade à insulina e potencial modulação do metabolismo lipídico. 

Por outro lado, o desenvolvimento clínico de antagonistas de GIPR, como mencionado antes, se encontra em fase 2 de estudos, com estudos de fase 3 em andamento. Anticorpos monoclonais anti-GIPR mostraram perfis de segurança aceitáveis em humanos, e os dados pré-clínicos sugerem que sua combinação com GLP-1RAs pode ser promissora.  

Metodologia do estudo 

Uma vez contextualizada a importância do GIP, voltemos ao estudo. O estudo buscou esclarecer o paradoxo da perda de peso induzida pelo agonismo e antagonismo do GIP através de modelos murinos geneticamente modificados (Gipr e Glp-1r knockouts – ou “KO” – globais ou neuronais) comparados a animais não modificados geneticamente (Wild Types – “WT”) e farmacologia comparativa com agonistas e antagonistas validados do GIPR, além da análise transcriptômica em núcleo único (snRNA-seq) em regiões cerebrais importantes para o controle do apetite, como o complexo dorsal do vago (CDV) e o hipotálamo. O objetivo central foi determinar se o agonismo e antagonismo do GIPR de fato compartilham os mesmos mecanismos fisiológicos ou se convergem em um mesmo desfecho clínico (perda de peso e redução do apetite) por vias distintas. 

O estudo empregou camundongos alimentados com dieta rica em gordura (HFD), distribuídos em grupos tratados com: 

  • Agonista de GLP-1R (acyl-GLP-1) 
  • Agonista de GIPR (acyl-GIP) 
  • Antagonista de GIPR (peptídeo acilado validado e anticorpo anti-GIPR) 
  • Co-agonista GIPR:GLP-1R (MAR709) 
  • Co-terapia GLP-1R agonista + GIPR antagonista 

Em paralelo, foram utilizados os seguintes modelos transgênicos: 

  1. Gipr KO global – deleção total do receptor de GIP. 
  1. Glp-1r KO global – deleção total do receptor de GLP-1. 
  1. Vgat-Gipr KO – deleção específica do Gipr em neurônios GABAérgicos centrais. 
  1. Per-Gipr KO – deleção específica do Gipr em neurônios periféricos (via peripherin-Cre, restrito ao sistema nervoso periférico).
     

Todas as intervenções foram realizadas com controles de dieta, peso basal e composição corporal. A resposta metabólica foi avaliada por medidas de peso, ingestão alimentar, composição corporal (EchoMRI), glicemia, insulinemia, HOMA-IR e resposta à glicose oral. Em paralelo, foi realizada análise de expressão gênica por snRNA-seq em núcleos do DVC e hipotálamo. 

Resultados 

O antagonismo do GIPR requer GLP-1R funcional para reduzir peso e apetite 

Ao avaliar a resposta da administração do antagonista de GIPR em camundongos, o antagonismo GIPR em ratos Wild Type (WT) – ou seja, sem mutações – reduziu peso e ingestão alimentar, mas esses efeitos foram abolidos nos ratos Glp-1r KO. Em contraste, o agonista de GIPR manteve sua eficácia mesmo na ausência de GLP-1R. Isso sugere que o antagonismo do GIPR depende do GLP-1R funcional, enquanto o agonismo não. 

Já a ação do agonismo do GIPR depende de neurônios GABAérgicos centrais, mas o antagonismo não 

Já no modelo Vgat-Gipr KO, o agonismo de GIPR perdeu completamente sua capacidade de reduzir peso, confirmando a dependência do agonismo do GIP de neurônios GABAérgicos. No entanto, o antagonismo de GIPR seguiu efetivo, sugerindo atuação em outras populações neuronais. 

O antagonismo de GIPR não requer GIPR no sistema nervoso periférico 

Camundongos Per-Gipr KO, com deleção restrita ao sistema nervoso periférico (raiz dorsal e trigeminais), mantiveram a perda ponderal com antagonismo do GIPR. Ou seja, os efeitos sobre peso não são mediados por vias periféricas, apesar de que esses animais desenvolveram intolerância à glicose e secreção deficiente de insulina e GIP após estímulo oral, sugerindo que o GIPR periférico contribui para homeostase glicêmica, mas não para controle ponderal. 

A análise transcriptômica (snRNA-seq) sugeriu uma assinatura transcricional distinta entre o agonismo e o antagonismo 

Análises do complexo dorsal do vago (CDV) demonstraram que GIPR agonismo e antagonismo induzem alterações opostas na expressão gênica. O antagonismo mimetiza a ação do agonismo de GLP-1R, regulando positivamente genes associados à plasticidade sináptica em subpopulações neuronais específicas (GABA4, GABA3 e Glut10), como Nrg3Nrxn3Dlg2Grin2b, entre outros. Já o agonismo de GIPR ativa genes distintos e não compartilha essa assinatura. No hipotálamo, essas alterações foram menos evidentes, com menor expressão de GIPR e respostas transcricionais mais heterogêneas. 

Conclusão 

A hipótese funcional elaborada pelos autores é de que o antagonismo do GIPR pode suprimir neurônios GIPR+ que, por sua vez, exerceriam inibição sobre neurônios GLP-1R+. Assim, ao bloquear o GIPR, essa inibição seria removida, permitindo uma potencialização das vias GLP-1R-dependentes, o que explicaria sua ação sinérgica com agonistas de GLP-1.  

Tal hipótese, ainda que não seja uma conclusão absoluta, traz maior luz ao entendimento do antagonismo do GIP e seu efeito na obesidade, ainda não completamente elucidado. Ademais, os dados encontrados mostram que de fato as vias através das quais o agonismo e o antagonismo do GIP atuam são diferentes. 

Mensagem prática 

O estudo, por mais que focado em fisiologia, nos convida a reavaliar o papel do GIPR sob uma ótica mais complexa e com aplicabilidades práticas, oferecendo insights para compreendermos o paradoxo da eficácia clínica tanto de agonistas quanto de antagonistas do GIPR em promover perda de peso. Ao demonstrar que esses compostos convergem no fenótipo, mas divergem em seus mecanismos de ação, reforça-se a necessidade de abordagens terapêuticas personalizadas baseadas na biologia subjacente de cada fármaco. No contexto clínico, o dado mais impactante é que o antagonismo de GIPR só parece funcionar quando o GLP-1R está funcional. 

Em um cenário em que novas moléculas como agonistas e antagonistas de GIP estão se tornando disponíveis, é fundamental compreender como o GIP contribui para a resposta terapêutica — e quais pacientes se beneficiarão mais de cada ação. A possibilidade de que diferentes subgrupos (por exemplo, pacientes com obesidade visceral resistente ou com hiperinsulinemia basal) respondam melhor a agonistas ou antagonistas de GIPR pode abrir um novo caminho para tratamentos de maior precisão. 

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Referências bibliográficas

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