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Endocrinologia22 junho 2024

ADA 2024: Transplante de células beta pancreáticas. Chegou o momento?

Atualmente temos disponível, ainda que pouco utilizado em nossa prática brasileira, o transplante de pâncreas e de ilhotas pancreáticas.

Em uma das apresentações mais inovadoras do congresso da American Diabetes Association (ADA 2024), especialistas de um painel composto pela ADA e pela IPITA (International Pancreas and Islet Transplant Association) se juntaram para discutir o atual estágio do transplante de células beta pancreáticas.  

Atualmente temos disponível, ainda que pouco utilizado em nossa prática brasileira, o transplante de pâncreas e de ilhotas pancreáticas, normalmente realizados de forma associada ao transplante renal. Porém nos últimos anos vem ganhando atenção pesquisas relacionadas ao desenvolvimento de células beta pancreáticas a partir de células pluripotentes e novas formas de se pensar a terapia de substituição de células beta, buscando métodos que não necessitam de imunossupressão. O painel trouxe uma revisão sobre o assunto no “estado da arte”. 

O que temos hoje: transplante de pâncreas e ilhotas 

A primeira palestra foi administrada pela Dra. Anna Lam (Alberta Diabetes Institute), introduzindo o tema, dividindo didaticamente entre os tópicos: 

  • Por que considerar transplante/substituição de células beta? 
  • Indicações clínicas 
  • Avaliação do paciente 

A primeira consideração é a importância de considerarmos novas terapias para o tratamento do diabetes. Dados de estudos recentes (entre 2019 e 2024) mostram que, apesar do avanço com as tecnologias em diabetes, não estamos conseguindo atingir as metas adequadas ou evitar hipoglicemias. Além disso, mais de 59% dos pacientes com DM1 apresentam estresse moderado/grave relacionado à doença, por medo de complicações, sobrecarga de cuidado e sentimento de culpa quando o diabetes não está dentro das metas. 

Até o momento, as modalidades disponíveis de terapia de substituição são baseadas no transplante de pâncreas ou de ilhotas. Aproximadamente 70% dos pacientes mantêm os benefícios do procedimento após 5 anos. Mesmo com o declínio da função do enxerto ao longo dos anos e necessidade de retornar o uso de insulina, pacientes submetidos a tais procedimentos costumam apresentar menor variabilidade glicêmica, menor índice de hipoglicemias e controle mais adequado com doses menores. Contudo, o grande problema envolvendo a terapia é que as opções disponíveis atualmente requerem imunossupressão sistêmica ao longo da vida (e seus efeitos colaterais), além da baixa disponibilidade de enxertos pancreáticos advindos de doadores cadáveres. 

As indicações de substituição de células beta, de forma geral, incluem indivíduos com DM1, por mais de 5 anos, adultos (18-65a), com peptídeo C baixo/indetectável e normalmente hipoglicemias graves, recorrentes ou naqueles sem percepção adequada das hipoglicemias. “Brittle” diabetes (DM com elevada variabilidade glicêmica) também pode ser uma indicação. Além disso, indicações menos precisas como medo extremo de hipoglicemias ou impacto emocional devido o uso de insulina podem ser eventualmente ser considerados. 

Por fim, para introduzir o assunto, é importante lembrar sobre a avaliação do paciente candidato. Importante considerar a necessidade de transplante duplo pâncreas/rim, detalhe sobre riscos envolvendo terapias imunossupressoras, avaliação metabólica e psicossocial. 

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Updates em estudos clínicos avaliando a terapia de substituição de células beta a partir de células tronco 

O Dr. Piotr Witkowski (University of Chicago) trouxe a parte mais inovadora do tema: os estudos clínicos a respeito da terapia de substituição de células beta. A Universidade de Chicago é o centro com maior volume de procedimentos e experiência em estudos relacionados ao transplante de ilhotas e também vem desenvolvendo técnicas de diferenciação de células beta. 

Potenciais vantagens do transplante de células beta 

As vantagens do transplante de células beta desenvolvidas podem ser muito superior ao transplante de ilhotas ou de pâncreas, pois a partir de técnicas de armazenamento e proteção, podem eliminar a necessidade do uso de imunossupressores; elimina-se o risco de infecções advindas do doador e a qualidade das células recebidas pode ser padronizada e checada. Por fim, o potencial de células beta desenvolvidas a partir de técnicas de bioengenharia é infinito, enquanto um transplante tradicional requer um doador, o que limita muito o processo.  

Existem três estratégias investigadas para proteger as células transplantadas: imunossupressão; encapsulação (separar as células do sistema imune); ou evasão imune através de edição gênica. 

Os primeiros dados apresentados pelo Dr. Witkowski foram do estudo VX-880, de fase 1 e 2. Tal estudo avalia o VX-880, nome atribuído às células que compõem as ilhotas pancreáticas diferenciadas a partir de células pluripotentes. O implante é totalmente diferenciado e alogênico. O VX-880 é infundido pela veia porta hepática, enquanto a proteção às células é realizada ainda através de um esquema de indução com timoglobulina e terapia de manutenção com tacrolimus e sirolimus. 

O estudo foi realizado em três partes, com design open-label, e incluiu 14 pacientes com DM1 entre 18 e 65 anos, com baixa percepção de hipoglicemias e com pelo menos duas hipoglicemias graves no último ano. Na primeira parte, pacientes recebiam meia dose do VX-880, enquanto nas fases seguintes era administrada a dose completa. O endpoint primário era avaliar a proporção de pacientes livres de hipoglicemias a partir de 90 dias do transplante e avaliar o controle glicêmico. A média de HbA1c inicial era de 7,8%. 

No ano passado (ADA 2023), foi apresentado o dado de seis pacientes. Atualmente, a fase 1/2 está completa e os pacientes estão em seguimento. 12 dos 14 pacientes receberam a dose completa e todos os 12 no momento tem pelo menos 150 dias de seguimento. Três pacientes já estão em seguimento há mais de um ano. 

Até o momento, todos os 12 pacientes apresentaram produção de insulina, com peptídeo C endógeno significativo e melhora dos níveis glicêmicos no dia 90. Todos atingiram redução de Hba1c < 7%, atingindo também eliminação de hipoglicemias graves após o dia 90 e 11 dos 12 participantes tiveram redução ou eliminação completa do uso de insulina exógena até a última visita. O único que não teve redução ou eliminação no uso de insulina recebeu uso de corticoides no momento periinfusão, o que não era permitido pelo protocolo do estudo. Dos 10 participantes que completaram a visita no D180 de estudo, 7 não requerem mais qualquer uso de insulina, 2 tiveram redução de 70% na dose de insulina e é possível que atinjam remissão completa e 1 teve redução de aproximadamente 24% na dose total diária. 

Tão impressionante quanto são os dados do CGM. Os dados basais apontavam para um tempo no alvo de 49,5%, com 30,1% entre 181 e 250 e 18,1% em hiperglicemia > 250 mg/dl, com <4% de hipoglicemias. Após a última visita, o tempo no alvo médio subiu para “assustadores” 95,5%, sem hipoglicemias, um resultado de longe invejável para qualquer dispositivo de infusão, até mesmo para os pâncreas artificiais mais modernos.  

O grande problema foram os efeitos colaterais ligados à imunossupressão em si. Nenhum dos efeitos foi relacionado diretamente ao VX-880. Houve 2 mortes, não ligadas ao VX-880: um devido à progressão de uma condição neurocognitiva prévia causada por um TCE grave antes do recrutamento para o estudo e outro devido a uma meningite por criptococose após uma cirurgia eletiva de seios da face. Tal paciente utilizou altas doses de glicocorticoide nas semanas antecedendo o procedimento. 

Portanto, até o momento, todos os pacientes que receberam VX-880 demonstraram eliminação de hipoglicemias graves, com melhora muito significativa no controle glicêmico (HbA1c < 7% e TIR >> 70%), enquanto eliminaram em sua maioria a necessidade de uso de insulina. O estudo, que se chama “FORWARD” foi expandido para avaliar aproximadamente 37 pacientes num futuro próximo. 

Perspectivas 

A Vertex, empresa que trabalha no desenvolvimento do VX-880, também trabalha no VX-264, um projeto que traz também a mesma terapia de células beta, porém utilizando um device encapsulado com propriedades imunoprotetoras, implantável na parede abdominal. A grande vantagem é a eliminação da necessidade de imunossupressão, fator que mudaria completamente o curso do manejo do DM1. Além disso, também existe o projeto VCTX211, que avalia medidas de edição gênica para promover escape imunológico. 

Diante do exposto, de novas tecnologias que podem eventualmente eliminar até mesmo a necessidade do uso de imunossupressores, o transplante de células beta parece ser uma terapia extremamente promissora, capaz de modificar completamente o curso da doença e o impacto que o diabetes tipo 1 causa em seus portadores.  

Confira os destaques do ADA 2024!

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