ADA 2024: O que o paciente com diabetes precisa na atenção primária?
O congresso da American Diabetes Association (ADA 2024) é o maior congresso de diabetes do mundo. Para melhor aproveitamento dos temas a se discutir dentro dessa complexa condição, alguns temas são agrupados por conselhos específicos. No segundo dia de congresso, a principal palestra foi a do conselho da ADA sobre atenção primária e prevenção focou em revisar, de forma ampla, as necessidades que os pacientes com diabetes possuem e que podem ser contempladas na atenção primária.
Não custa lembrar que a incidência e prevalência de diabetes vem aumentando progressivamente e, obviamente, apenas uma minoria acompanhará com um endocrinologista, sendo que a grande maioria dos casos de fato podem (e devem) ser conduzidos na atenção primária. Mas quais são as dificuldades apresentadas e como podemos tentar superá-las para atingirmos um cuidado de excelência na atenção primária?
O papel da atenção primária no manejo da diabetes
Quando o Dr. Kevin Patterson menciona time de atenção primária, o mesmo engloba uma série de profissionais, como o médico de família/clínico, profissionais nas áreas de nutrição, farmácia, enfermagem, e com o suporte de endocrinologistas e oftalmologistas. O cuidado ideal, em sua opinião, deve englobar formas de assegurar que este seja contínuo, proativo, coordenado e compreensivo. O foco desse painel multiprofissional não foi levantar pontos exatos de seguimento, exames que devem ser solicitados – tais fatores estão bem consolidados e expostos em guidelines – mas sim ressaltar a importância de cuidados que não são amplamente comentados, sendo alguns pontos intrinsecamente praticados mas outros frequentemente ignorados.
Em primeiro lugar, a importância de uma equipe multiprofissional. O painel contou com especialistas da ADA, médicos de família, enfermeiras, farmacêuticos e até mesmo profissionais osteopatas (incomuns em nosso país). A palestra foi guiada de forma que cada uma das sociedades participantes do painel colocasse suas perspectivas.
A Dra. Andrea Haynes, MD, da Academia Americana de Medicina de Família, enfatizou tanto cuidados diretos aos pacientes, quanto melhorias necessárias no treinamento e acesso à novas medicações. Várias colocações, apesar do contexto do serviço norte americano, se aplicam ao Brasil, como a dificuldade no acesso de novas tecnologias e problemas no treinamento em seu uso. Por exemplo, não temos de forma nacional a disponibilidade de monitores contínuos de glicose e, mesmo que houvesse, não temos uma forma estruturada de treinamento fornecido pelo SUS para atualização profissional onde fosse possível explicar sobre o melhor uso e indicação dessa ferramenta.
Em seguida, a Dra. Kimberly Miller (American Association of Nurse Practitioners) deu continuidade, ressaltando a dificuldade na barreira de acesso às tecnologias e terapias, mas sobretudo na educação em diabetes aos pacientes. Educar os pacientes em sua condição é essencial, tanto para melhor aderência ao tratamento como para seu empoderamento, melhorando sua capacidade de decisão, impactando diretamente em sua saúde.
A Dra. Pamela Stamm, PharmD (Auburn University), representando o conselho de farmácia, reforçou a importância do farmacêutico na equipe multiprofissional. O objetivo do cuidado, na sua visão, deve ser claro, a avaliação de medicações, porém não apenas isso – focando em educação e numa avaliação holística, fundamental para conhecer seu contexto, realidade e dificuldades. É fundamental que profissionais da área busquem entender se o paciente compreende sua prescrição, elaborar sugestões na simplificação de esquemas terapêuticos, reconhecimento de efeitos colaterais e, como mencionado, educando os pacientes com relação à sua saúde e sobre sua prescrição.
Trazendo para nossa realidade
De fato, todos os cuidados apontados são importantes e requerem o cuidado de um time. Os desafios englobam, ainda, além de todos acima expostos pelos profissionais, superar a barreira de tempo disponível e a sobrecarga dos serviços. Mesmo nos EUA, o tempo disponibilizado médio para atendimento desses pacientes, para avaliação do diabetes e também de suas demais comorbidades, é de cerca de 12 minutos, o que não é muito diferente da realidade brasileira.
Para que seja possível o cuidado adequado de um paciente com diabetes na atenção primária, o ideal – que deve ser o modelo para buscarmos em termos de políticas públicas – é a cobertura de todas essas áreas de vulnerabilidade, lançando mão de profissionais qualificados para endereçar cada um desses pontos. De acordo com a opinião dos experts do painel, podemos sumarizar os principais pontos da seguinte forma:
Atendimento médico
- Capacitação em atualizações, novas tecnologias
- Tempo adequado para avaliação do diabetes e suas comorbidades
- Suporte de endocrinologistas nos casos mais complexos
Enfermagem
- Tempo suficiente para aconselhamento e educação em saúde
- Auxílio em manejo de dispositivos
Farmácia
- Remuneração adequada para composição de equipe multi
- Consultas específicas com profissionais de farmácia para revisão de medicações, auxílio na organização da prescrição, treino no uso de insulina e esclarecimentos sobre efeitos colaterais, dúvidas, etc.
Nutrição
- Orientações sobre alimentação e promoção de saúde
- Avaliar o acesso a alimentos saudáveis e possíveis alternativas
Sistema de saúde
- Maior disponibilidade e acesso a novas medicações e tecnologias, quando indicados.
Planejamento
- Adequação de tempo entre consultas
- Levar em consideração fatores sociais e geográficos para facilitar o seguimento
Educação em saúde
- Orientação do próprio paciente e da família sobre como proceder em situações de emergência
- Explicar sobre monitorização glicêmica
- Educar sobre hipoglicemia
- Etc.
Tais reflexões, presentes nas falas dos profissionais durante as palestras, devem também ser o padrão-ouro a se buscar na atenção primária em nosso país.
Confira os destaques do ADA 2024!
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