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Clínica Médica13 março 2025

Sódio urinário: manejo da insuficiência cardíaca pautado na natriurese

O sódio urinário é considerado um marcador direto da eficácia diurética
Por Leandro Lima

Um dos principais motivos pelos quais um indivíduo acometido por insuficiência cardíaca (IC) procura um pronto-atendimento é a congestão, cujas principais manifestações podem ser assim sintetizadas: 

Congestão 

Manifestações 

Venocapilar pulmonar 

Dispneia aos esforços, ortopneia, dispneia paroxística noturna, tosse seca, dispneia em repouso e edema agudo de pulmão. 

Venosa sistêmica 

Turgência venosa jugular, refluxo hepatojugular, hepatomegalia congestiva, ascite e edema em membros inferiores.  

Um pouco da fisiopatologia 

A congestão é promovida por um balanço positivo da reabsorção de sódio em desproporção à retenção hídrica.  

O sódio é livremente filtrado pelo glomérulo, mas tem taxa de reabsorção superior aos 99%. Na IC, a retenção hidrossalina é potencializada pela baixa perfusão renal, ativação neuro-humoral e hipertrofia dos túbulos distais, com ampliação do estado natural de avidez pelo sódio. O prejuízo na excreção de sódio é um marcador de mau prognóstico e um forte preditor de mortalidade. 

Leia mais: Qual o melhor critério para determinar congestão na insuficiência cardíaca?

A diureticoterapia como pilar fundamental na IC descompensada 

Um dos pilares do tratamento da IC descompensada aguda é a diureticoterapia, sobretudo nos perfis hemodinâmicos B e C de Stevenson. O carro-chefe do tratamento são os diuréticos da alça endovenosos, como a furosemida, somada aos tratamentos específicos que alteram a mortalidade na IC recomendados pelos guidelines 

 

Classificação de Stevenson 
Perfil A 

  • Quente; 
  • Seco. 

(Alvo terapêutico) 

Perfil B 

  • Quente; 
  • Úmido. 

(Diurético + Vasodilatador) 

Perfil D 

  • Frio; 
  • Seco.  

(Fluidos com parcimônia) 

Perfil C 

  • Frio; 
  • Úmido.  

(Inotrópico, vasodilatador e diuréticos) 

Um conceito importante é o de que a descongestão precisa ser rápida, com o intuito de minimizar a cascata de disfunções orgânicas. Nesse sentido, deve-se buscar a redução do “tempo porta-furosemida” e a otimização da diureticoterapia baseada em métricas. Nesse sentido, desde 2021, a European Society of Cardiology (ESC) recomenda a utilização de dois parâmetros precoces para avaliação da resposta ao diurético: 

  • Débito urinário > 150 mL/h (aferição em 6 horas após a administração do diurético); 
  • Sódio urinário > 70 mmol/L (aferição em amostra única de urina 2 horas após a administração do diurético).  

O sódio urinário é, portanto, considerado um marcador direto da eficácia diurética. A ideia é selecionar indivíduos com resposta natriurética insatisfatória (< 70 mmol/L), um montante que pode alcançar os 40%, para a pronta intensificação terapêutica. Por meio de protocolos baseados em natriurese, espera-se ampliar a meta de descongestão em 72 horas, que atualmente não ultrapassa os 20% entre pacientes admitidos com IC descompensada. 

A resistência aos diuréticos, mediada por diversos fatores (ativação da mácula densa por redução da oferta de cloro aos túbulos distais; hipertrofia tubular distal; hipoalbuminemia; má perfusão renal por baixo débito e doença renal crônica), pode ser sobrepujada com o aumento da dose do diurético de alça para além do limiar de natriurese e pela implementação do bloqueio sequencial do néfron, uma estratégia que envolve a adição de mecanismos de ação em sítios distintos do néfron: 

 

Sítio de ação  

Classes diuréticas 

Túbulo contorcido proximal 

  • Acetazolamida (inibidor da anidrase carbônica) – estudo ADVOR; 
  • iSGLT-2 (bloqueio da reabsorção de Na+/glicose). 

Alça de Henle 

  • Diuréticos de alça (bloqueio do simporte Na+/K+/2Cl) 

Túbulo contorcido distal 

  • Tiazídicos (bloqueio do cotransporte Na+-Cl) – estudo CLOROTIC. 

Néfron distal 

  • Antagonistas do receptor mineralocorticoide. 

 

Um novo algoritmo prático  

Qual é o status da diureticoterapia? 

  • Virgens de diuréticos de alça: furosemida 40 mg EV (dobrar a dose se TFGe < 60 mL/min/1,73m²) ou 0,5 a 1 mg/kg;  
  • Usuários crônicos de diuréticos de alça: fornecer o dobro da potência da dose de manutenção oral pela via EV (1 comprimido de 40 mg de furosemida = 1 ampola de 20 mg de furosemida → dessa forma, se a prescrição ambulatorial é de 4 comprimidos de furosemida/dia [160 mg], a dose venosa deverá ser de 8 ampolas de furosemida [160 mg = equivalente a 320 mg de furosemida VO). Nesses casos, considerar a adição preferencial de acetazolamida (500 mg EV 1x/dia) ou hidroclorotiazida (25 mg/dia VO) – a última principalmente nos usuários de doses elevadas de furosemida, em que há hipertrofia presumida do néfron distal. 

Qual foi a resposta 2 horas após a administração da furosemida EV? 

  • Sódio urinário < 70 mmol/L ou débito urinário < 150 mL/h? Nesses casos, dobrar a dose inicial do diurético de alça (se a primeira dose foi um bolus de 40 mg de furosemida EV, partir então para 80 mg/dose). Reiteramos que a dose máxima por bolus de furosemida é de 200 mg, sendo recomendado não ultrapassar a dose diária de 600 mg EV (30 ampolas/dia), sob o risco de ototoxicidade. Considerar fortemente a adição de acetazolamida ou hidroclorotiazida nesse cenário, caso ainda não tenha sido instituído.  

Uma ressalva importante: a hidroclorotiazida demanda incrementos na presença de redução da TFGe: 

 

TFGe (mL/min/1,73m²) 

Dose de hidroclorotiazida 

> 50  

25 mg/dia 

20 – 50 

50 mg/dia 

< 20  

100 mg/dia 

 

Qual foi a resposta diurética nas primeiras 24 horas? 

  • Débito urinário < 3L/dia e congestão persistente: buscar a otimização de diureticoterapia (dobrar a dose de diurético de alças ou acrescentar mecanismos de ação). Estratégias alternativas devem ser avaliadas: ultrafiltração, se sobrecarga volêmica com franca resistência diurética; vasodilatadores endovenosos, como o nitroprussiato, ou inotrópicos, se IC avançada com disfunção sistólica grave e síndrome de baixo débito; e paracentese, se ascite moderada a grave concomitante.  

Algumas orientações adicionais: 

  • Os diuréticos de alça devem ser administrados pelo menos 2 vezes ao dia, para minimizar a retenção de sódio pós-diurético. Não há evidências de superioridade da administração contínua sobre a posologia em bolus.   
  • A piora da creatinina, quando acompanhada por efetiva descongestão e ausência de sinais de má perfusão tecidual, deve ser interpretada como uma injúria renal aguda falaciosa, e o prognóstico nesse cenário é bom. Dessa forma, é preciso ter em mente que a diureticoterapia, na maioria das vezes, deverá ser mantida! 

Conclusão e Mensagens práticas 

  • A diureticoterapia é importante pilar no manejo da insuficiência cardíaca descompensada aguda. Entretanto, é fundamental que a terapia seja guiada por métricas (débito urinário e sódio urinário em amostra única) para que o alvo de descongestão seja alcançado, interrompendo a cascata de disfunções orgânicas. 

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Referências bibliográficas

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