Em fevereiro de 2021, o estudo Dexmedetomidine or Propofol for Sedation in Mechanically Ventilated Adults with Sepsis foi publicado no NEJM. O objetivo deste trabalho foi comparar os desfechos clínicos com o uso de Dexmedetomidina (Precedex®️) ou Propofol, drogas usualmente utilizadas para sedação em pacientes de UTI em ventilação mecânica.
O propofol é um agonista do receptor GABA, amplamente utilizado em terapia intensiva para sedação de pacientes em ventilação mecânica, ou para anestesia em procedimentos invasivos. É uma droga de rápido início de ação, além de ser amplamente disponível. A dexmedetomidina, por sua vez, é um agonista alfa-2 adrenérgico de ação central, com propriedades analgésicas e ansiolíticas, que possui a propriedade de não inibir o drive respiratório (ao contrário do propofol). In vitro, esta droga apresenta efeito anti-inflamatório e imunomodulatório, o que poderia ser benéfico em pacientes com sepse. Ambas têm meia vida curta e eliminação renal, o que facilita o desmame dessas medicações.
Em relação a efeitos adversos, o propofol é reconhecidamente cardiodepressor (causa bradicardia e hipotensão), além de apresentar o risco da síndrome de infusão do propofol, quando usado em doses altas e por períodos prolongados (veja mais sobre esse assunto). A dexmedetomidina também pode causar bradicardia e hipotensão, porém com uso de doses proporcionalmente mais elevadas.
Estudos anteriores já haviam comprovado que a sedação contínua com dexmedetomidina é superior a sedação com benzodiazepínicos em pacientes sépticos, reduzindo o tempo de ventilação mecânica, com melhor custo-efetividade para os sistemas de saúde.
Características do estudo
O estudo foi multicêntrico (com participação de 13 centros nos EUA) e duplo cego. Os médicos e pesquisadores não sabiam para qual droga cada paciente havia sido randomizado; apenas as enfermeiras do estudo podiam titular as doses dos sedativos. O desfecho primário analisado foi: “dias vivos sem delirium ou coma, nos primeiros 14 dias do período de intervenção”.
Os desfechos secundários foram dias livres de ventilação mecânica no 28º dia; mortalidade em 90 dias; e avaliação de déficit cognitivo, ajustado para idade, em 6 meses.
Os pacientes estudados foram adultos com sepse admitidos em UTI, um grupo com alto risco de evolução para SDRA e necessidade de sedação endovenosa contínua. Foram excluídos do estudo pacientes que já estavam em ventilação mecânica (VM) há mais de 96 horas; em uso de bloqueador neuromuscular por mais de 48 horas; aqueles com disfunção cognitiva prévia ou deficiência sensorial; pacientes com outras indicações para uso de benzodiazepínicos (crise convulsiva ou abstinência alcoólica, por exemplo); BAV de 2º ou 3º graus; gestantes; moribundos; alérgicos a alguma das drogas do estudo; e aqueles com perspectiva de melhora rápida da disfunção orgânica.
Saiba mais: Analgesia e sedação em pacientes com síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA)
Os 422 pacientes inicialmente incluídos no estudo foram randomizados em 2 grupos, cada um com uma das seguintes estratégias de sedação: dexmedetomidina (0,2 a 1,5 micrograma/kg de peso por hora) ou propofol (5 a 50 micrograma/ kg de peso por minuto). O ajuste de doses foi guiado pela Escala de Agitação-Sedação de Richmond (RASS), objetivando um grau de sedação leve (RASS entre -2 e 0) — ver Tabela 1 abaixo.
Tabela 1 – Richmond Agitation–Sedation Scale (RASS) – Traduzido para o português.
Richmond Agitation–Sedation Scale (RASS) | |
0 | Alerta e calmo |
-1 | Sonolento (mantém contato visual por mais de 10 segundos) |
-2 | Sedação leve (acorda brevemente ao chamado, porém mantém contato visual por menos de 10 segundos) |
-3 | Sedação moderada (movimento ou abertura ocular ao estímulo da voz, sem manter contato visual) |
-4 | Sedação profunda (sem resposta ao estímulo verbal, porém com movimento ou abertura ocular ao estímulo físico) |
-5 | Coma (sem resposta aos estímulos verbais ou físicos) |
Os resultados demonstraram que não houve diferença estatisticamente significativa em relação aos desfechos primários ou secundários, entre os grupos estudados.
O grupo que recebeu dexmedetomidina apresentou mediana ajustada de 10,7 dias vivos sem delirium ou coma (IC 95% 8,5 a 12,5). Já o grupo que recebeu propofol, a mediana ajustada foi de 10,8 dias (IC 95% 8,7 a 12,6) (odds ratio, 0,96; 95% CI, 0,74 a 1,26; P=0,79).
Em ambos os grupos, 25% dos pacientes apresentaram declínio cognitivo importante após 6 meses de alta da UTI (avaliado através de aplicação de questionário por telefone), em relação à população normal.
O perfil de segurança de ambas medicações também foi similar.
Os hospitais participantes utilizaram um protocolo pré-definido para auxiliar no manejo da dor, agitação e delirium na UTI – o ABCDE bundle, que já havia se mostrado eficaz em reduzir a mortalidade de pacientes com necessidade de sedação contínua.
Tabela 2 – ABCDE Bundle. Algumas referências incluem a letra “F”, que significa participação dos familiares no cuidado do paciente dentro da UTI.
ABCDE Bundle | |
A e B – awakening and breathing coordination | Despertar diário da sedação |
C – choice of sedation | Escolha da sedação mais apropriada |
D – delirium monitoring and management | Prevenção e manejo do delirium |
E – early mobility | Mobilização precoce no leito |
Conclusão
Neste trabalho, a dexmedetomidina não foi superior ao propofol para uso na sedação contínua de pacientes sepse em ventilação mecânica, respeitando-se as doses e os perfis de segurança das medicações. A escolha por propofol ou dexmedetomidina não interferiu no prognóstico cognitivo destes pacientes, assim como não alterou a mortalidade, dias livres de VM ou disfunção neurológica aguda nos primeiros 14 dias de uso.
Referências bibliográficas:
- Hughes CG, et al., for the MENDS2 Study Investigators. Dexmedetomidine or Propofol for Sedation in Mechanically Ventilated Adults with Sepsis. N Engl J Med. 2021;384:1424-1436. doi: 10.1056/NEJMoa2024922
- Jakob SM, et al. Dexmedetomidine vs midazolam or propofol for sedation during prolonged mechanical ventilation: two randomized controlled trials. JAMA. 2012 Mar;307(11):1151-60. doi: 10.1001/jama.2012.304
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