A terapia antiobesidade tem passado por uma verdadeira revolução nas últimas décadas, com grande entusiasmo relacionado à disponibilidade dos agonistas do receptor GLP-1 e do polipeptídeo insulinotrópico glicose-dependente (GIP).1
A crescente prescrição desses potentes fármacos traz consigo a necessidade de lidar com os seus efeitos colaterais, sendo os mais proeminentes os relacionados ao trato gastrointestinal.2
Apesar da ênfase dedicada ao mau esvaziamento gástrico secundário ao uso dos agonistas do receptor de GLP-1/GIP, um outro sintoma proeminente é a diarreia.2
A prevalência de diarreia crônica entre os obesos é, sabidamente, aumentada, chegando a 30%, em comparação a 17% da população não obesa, sendo os mecanismos pouco compreendidos. A terapêutica destinada à obesidade, seja farmacológica ou cirúrgica, tende a amplificar o problema, a exemplo da alarmante prevalência de diarreia crônica, que se aproxima de 75%, na sequência da cirurgia bariátrica com anastomose em Y de Roux.3
Entre os medicamentos atualmente disponíveis no Brasil para o tratamento da obesidade, todos apresentam-se com o potencial de induzir diarreia:
- Orlistate: associado a aumento da frequência evacuatória e esteatorreia é observado em até um quinto dos usuários, especialmente com a transgressão dietética,2
- Sibutramina: entre os efeitos colaterais gastrointestinais, destacam-se as náuseas, vômitos e diarreia,
- Liraglutida: a diarreia é mais comum logo no início do tratamento, sobremaneira nas primeiras 4 semanas de uso, estando presente em cerca de 20% dos pacientes,4
- Naltrexona-bupropiona: a constipação é a alteração intestinal mais comum, presente em 19% dos pacientes, mas a diarreia pode se estabelecer em até 7% dos casos,17
- Semaglutida: a diarreia, de forma semelhante à liraglutida, tem prevalência de 10% com a apresentação oral e até 30% com a injeção subcutânea,6
- Tirzepatida: a diarreia é um sintoma relatado por até 16% dos pacientes, especialmente nas primeiras 4 semanas de tratamento e durante os incrementos de doses.7
A evolução autolimitada e, geralmente, leve da diarreia induzida por medicamentos antiobesidade frequentemente pode ser manejada com alentecimento da progressão posológica, intervenções dietéticas com evitação de gatilhos alimentares e uso pontual de antidiarreicos, como a loperamida e a racecadotrila, conforme a opinião de especialistas.
A persistência do quadro, contudo, pode impedir o alcance das doses-alvo ou mesmo induzir à descontinuação do tratamento, prejudicando o controle da obesidade. Nesse cenário, há carência de estudos que possam embasar condutas adicionais para viabilizar a continuidade do tratamento de forma segura.
Os probióticos, de acordo com a definição da Organização Mundial de Saúde, são microrganismos vivos, como fungos e bactérias, que, quando administrados em quantidade adequada, podem trazer benefícios à saúde humana.13 O racional da utilização médica dos probióticos é pautado na contribuição da microbiota para a gênese de condições gastrointestinais específicas, além de doenças sistêmicas relacionadas ao sistema nervoso central, pele, fígado e pulmões.9
O probiótico Bacillus clausii, utilizado há mais de 5 décadas,14 é uma bactéria gram-positiva ubíqua e que tem aplicabilidade potencial, à semelhança de outros probióticos, nos seguintes cenários:9
- Tratamento e prevenção da diarreia induzida por antibiótico,10
- Prevenção da diarreia por Clostridioides difficile,10
- Tratamento adjuvante à reidratação e à suplementação de zinco na gastroenterite aguda viral entre crianças,16
- Tratamento adjuvante à antibioticoterapia na erradicação do Helicobacter pylori com o intuito de reduzir efeitos colaterais, como náuseas, diarreia e epigastralgia.15
Uma das vantagens aventadas do B. clausii, em relação ao Lactobacillus sp. e Saccharomyces boulardii, reside em sua capacidade de formar endósporos, que são estruturas resistentes a condições de estresse, como a exposição calor, pH intragástrico ácido e à bile,8 o que poderia aumentar a sua biodisponibilidade.
O uso dos probióticos, em geral, é considerado seguro, embora existam alguns poucos relatos de bacteremia e sepse por B. clausii entre pacientes críticos e imunossuprimidos, condições nas quais a susceptibilidade provavelmente está vinculada ao aumento da permeabilidade de barreira mucosa gastrointestinal.11,12
No enfrentamento da diarreia secundária à terapia antiobesidade, a despeito da plausibilidade biológica, sobretudo as referentes às alterações anatômicas impostas pela cirurgia bariátrica,3 com propensão ao supercrescimento bacteriano e modificações da microbiota, não há literatura médica que embase, nesse momento, a utilização de probióticos para essa finalidade.
Em contrapartida, dada a segurança e eficácia demonstrada em outros contextos, a utilização dos probióticos deve ser objeto de estudos futuros para avaliar a sua eficácia e segurança no tratamento da diarreia secundária à cirurgia bariátrica ou relacionada aos fármacos antiobesidade, sobretudo os análogos GLP-1/GIP.
Conclusão
- A grande prevalência da obesidade, somada à disponibilidade de um arsenal terapêutico amplo e com eficácia crescente, gerou a necessidade de manejar os efeitos colaterais atribuídos à cirurgia bariátrica e aos medicamentos antiobesidade.
- A prevalência de diarreia crônica entre obesos, em comparação à população geral, é sabidamente aumentada, com potencial de agravamento na sequência de intervenções cirúrgicas gastrointestinais ou utilização de fármacos, como o orlistate, análogos do receptor GLP-1 e GLP-1/GIP.
- Os probióticos, como o Bacillus clausii, têm sido objetos de múltiplos estudos, com aplicabilidade em potencial no tratamento e profilaxia de diarreia induzida por antibiótico, prevenção da diarreia por difficile e adjuvante no tratamento da gastroenterite aguda entre crianças e na terapia de erradicação do H. pylori.
- No cenário da diarreia vinculada à terapia antiobesidade, os dados em literatura são escassos, o que demonstra a necessidade de estudos adicionais entre pacientes submetidos à cirurgia bariátrica e aos análogos do receptor GLP-1 e GLP-1/GIP.
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