Pericardite aguda: quando a dor torácica não é uma síndrome coronariana aguda
A procura por unidades de emergência tem diversos motivos, mas um dos mais assustadores para médicos e pacientes é a dor torácica.
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A procura por unidades de emergência tem diversos motivos, mas um dos mais assustadores para médicos e pacientes é a dor torácica. Um paciente com uma dor torácica aguda deve ser avaliado rapidamente, visto que as etiologias incluem doenças com alta letalidade.
O atendimento inicial inclui a história direcionada para a dor (localização, irradiação, como foi seu início, duração, tipo de dor, intensidade, fatores desencadeante e de melhora, se ela já ocorreu antes), uma história medicamentosa com questionamento ativo sobre uso de sildenafil, cocaína ou similares, exame físico com atenção particular aos aparelhos respiratório e cardíaco, e aferição dos sinais vitais, incluindo avaliação da pressão arterial em mais de 1 membro.
Pelo risco de síndrome coronariana aguda, devemos sempre realizar um eletrocardiograma (idealmente com menos de 10 minutos), e a radiografia de tórax auxilia, principalmente, na avaliação das causas cardíacas e pulmonares. Além disso, os marcadores de necrose miocárdica, como troponina e CKMB, também são fundamentais nessa avaliação.
Com essas informações em mãos, podemos definir ou, pelo menos, estreitar nossas possibilidades diagnósticas. Tanto o ECG e os marcadores de necrose miocárdica podem estar elevados em situações que não envolvem doenças coronarianas, e devemos estar atentos a essas outras possibilidades. Uma etiologia para dor torácica que pode alterar esses exames é a pericardite aguda.
Uma observação importante é saber que as doenças pericárdicas englobam pericardites agudas, crônicas e recorrentes, miopericardite, derrame pericárdico, tamponamento cardíaco e pericardite constritiva. Cada uma dessas doenças tem particularidades, apesar delas poderem representar um espectro evolutivo. Por exemplo, uma pessoa com pericardite aguda tuberculosa pode evoluir para pericardite constritiva tuberculosa ou se apresentar apenas no segundo momento.
Introdução
Apesar da incidência de pericardite aguda ser difícil de ser avaliada, já que pode ser leve e fazer com que a pessoa não procure atendimento, pode chegar a 5% dos atendimentos de dor torácica não isquêmica numa emergência e predomina nos homens.
A pericardite aguda possui muitas etiologias (tabela 1), mas costuma ser idiopática em 80-90% dos casos atendidos nos países desenvolvidos. Muitas etiologias virais não são frequentemente avaliadas no atendimento cotidiano pela pouca disponibilidade de exames complementares para isso, os custos associados, e a ausência de tratamentos específicos.
Estima-se que a maior parte das etiologias idiopáticas sejam por vírus não testados. Antes do desenvolvimento e disseminação dos antibióticos, a etiologia purulenta bacteriana era mais frequente, mas esses pacientes são raros nos dias atuais. Devemos sempre estar atentos para mulheres jovens com pericardite aguda, já que essas pacientes podem estar abrindo um quadro autoimune, como lúpus eritematoso sistêmico.
A elevação dos marcadores de necrose miocárdica indica envolvimento miocárdico, mas é infrequente que esses pacientes apresentem redução na fração de ejeção do ventrículo esquerdo e uma insuficiência cardíaca.
Veja também: ‘Como melhorar o atendimento à parada cardiorrespiratória?’
Diagnóstico
O diagnóstico é pautado na combinação de 2 dos seguintes itens: dor torácica típica de pericardite; ausculta de atrito pericárdico; alterações eletrocardiográficas típicas; visualização de um derrame pericárdico.
A dor típica da pericardite é em pontada paraesternal e que piora com as ventilações realizadas, simulando uma dor pleurítica, e que pode irradiar para a borda do trapézio. Ela ainda melhora com a posição sentada ou inclinada para frente (posição da prece maometana) e piora com o decúbito horizontal. O atrito pericárdico é um som que pode ser composto por 3 fases e ele deve ser pesquisado com atenção em diversas posições e diversas vezes, pois pode ser discreto, depender de alguma posição específica ou mesmo intermitente.
Os pacientes costumam apresentar ainda sintomas gripais que antecedem o quadro, e febre baixa é frequente na avaliação inicial. Porém, pacientes toxêmicos ou com febres acima de 38,5ºC devem ser avaliados para etiologias bacterianas.
O eletrocardiograma possui 4 estágios bem caracterizados, mas não necessariamente observados em todos os pacientes. No primeiro estágio, com duração de horas, há o clássico achado de elevação difusa do segmento ST com uma onda T positiva. É importante salientar outros achados que ajudam a corroborar que a elevação do segmento ST é por uma pericardite.
- O segmento ST costuma estar normal ou infradesnivelado em aVr e/ou V1
- O segmento PR costuma estar supradesnivelado em aVr e/ou V1, e infradesnivelado nas demais derivações
Sendo assim, os achados típicos podem ser resumidos em taquicardia sinusal (pela inflamação), supradesnivelamento do segmento ST difusamente com infradesnivelamento do segmento PR associado, e achados inversos em aVr e V1.
Ainda assim, algumas vezes, podemos ficar na dúvida se os achados encontrados são de uma pericardite ou de uma síndrome coronariana, até porque não é obrigatório que uma pericardite tenha um supradesnivelamento difuso do segmento ST. Para auxiliar nessa diferenciação, podemos prestar atenção no seguinte:
- Quando o supradesnivelamento ocorre localizado apenas na parede inferior (DII, DIII, aVF), a presença de infradesnivelamento do segmento ST em aVl deve apontar etiologia isquêmica.
- Pacientes com etiologia isquêmica associam QRS mais largos e intervalos QT mais curtos quando comparamos as derivações com os maiores supradesnivelamentos com as demais derivações.
Por sua vez, o ecocardiograma pode demonstrar derrame pericárdico e é uma importante ferramenta na avaliação de restrições que possam gerar um quadro de tamponamento cardíaco. Além disso, um pequeno estudo recente ainda deixa a sugestão de que a presença de dor quando o probe é colocado no 5º espaço intercostal esquerdo teria boa sensibilidade e especificidade (cerca de 90% para ambos).
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Tratamento e evolução
No caso de haver uma etiologia específica, o tratamento deve ser direcionado a ela. Na maior parte dos casos (viral e idiopática) o tratamento consiste em sintomáticos.
No Brasil, dispomos da dipirona para auxílio no manejo da dor. Ela deve ser associada ainda a um anti-inflamatório não esteroidal (AINE), o mais usado e estudado fora do Brasil é o ibuprofeno. Uma de suas vantagens é a possibilidade de titularmos sua dose, mas, geralmente sua dose inicial é de 600-800mg a cada 6-8 horas. O AINE deve ser mantido por 2 semanas.
Além disso, existe discussão acerca do papel da colchicina, mas alguns trabalhos mostram que ela reduz o tempo de doença e a sua recorrência. Por isso, existe a recomendação de tratamento ajustado pelo peso durante 3 meses.
Existe uma preocupação com a possibilidade de lesão de mucosa gástrica pela associação prolongada de AINE em altas doses e colchicina. Alguns médicos optam, então, por introduzir também um inibidor de bomba de prótons (como o omeprazol) durante o tratamento.
A maior parte dos pacientes tem boa evolução. Porém, devemos estar atentos para complicações, como o tamponamento cardíaco e a pericardite constritiva (mais comum nas etiologias tuberculosa e actínica).
Outra possibilidade é a recorrência e a persistência da pericardite. Os pacientes que após 1 semana permanecem necessitando de mais analgésicos, febris ou que tiveram piora da febre, devem ser reavaliados sobre a etiologia da doença e podem necessitar de glicocorticoides na sua prescrição. Por sua vez, recorrência é mais comum nas mulheres e naqueles que não respondem ao tratamento inicial, e ela deve indicar a reintrodução imediata de AINE e colchicina.
Tabela 1: etiologias da Pericardite Aguda |
Idiopática |
Infecciosa
|
Pós infarto agudo do miocárdio
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Traumática |
Maligna
|
Doenças do colágeno
|
Doenças inflamatórias e infiltrativas
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Metabólicas
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Farmacológicas
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Após procedimentos
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Referências:
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26726821
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18052017
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25517707
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24287008
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27444112
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