A retocolite ulcerativa (RCU) é uma doença inflamatória intestinal crônica, imunomediada, ditada por episódios de surtos e remissões e com prevalência crescente em nosso meio, associando-se à elevada morbidade sob uma população jovem e submetida a um risco aumentado ao longo da vida de câncer colorretal, megacólon tóxico e manifestações extraintestinais.
O avanço da terapia biológica tem viabilizado novos horizontes e melhorado, em muito, a qualidade de vida desses pacientes. Entretanto, dois problemas ainda são proeminentes na prática moderada: a taxa elevada de falha terapêutica primária e a perda de resposta frequente no longo prazo, que acomete mais da metade dos indivíduos.
Dessa forma, o surgimento de novas opções terapêuticas, com mecanismos de ação originais e potencialmente eficazes e seguras, gera, naturalmente, um certo grau de otimismo em relação ao manejo das doenças inflamatórias intestinais. A ampliação do leque de intervenções farmacológicas atende a demanda crescente dos indivíduos com formas graves da RCU ou falhados a múltiplas terapias.
O Guselkumabe, uma IgG humana do subtipo 1, é uma medicação já indicada na psoríase em placas e na artrite psoriásica, mas promissora no tratamento da doença de Crohn e da própria RCU, conforme resultados de estudos de fase 2. O seu mecanismo de ação é pautado na frenagem da resposta mal adaptativa, autoimune, direcionada à mucosa intestinal sob mediação das células T auxiliadoras CD4+ do subtipo Th17 a partir da inibição da IL-23.
A IL-23 pode ser inibida por duas frentes, baseadas na ação em uma das suas duas subunidades:
- Subunidade p19 (IL-23p19), exclusiva da IL-23, sendo os principais expoentes o Rizankizumabe, Mirikizumabe e o Guselkumabe, de forma que o último se diferenciando por seu duplo mecanismo de ação, bloqueando também o CD64 expresso em células mieloides, como macrófagos, monócitos e células dendríticas;
- E a subunidade p40 (IL-23p40), compartilhada entre a IL-12 e IL-23, representada pelo ustekinumabe.
No estudo QUASAR, conduzido entre maio/2021 e junho/2022 e publicado em janeiro de 2024 no The Lancet, David Rubin e colaboradores avaliaram a eficácia do Guselkumabe na terapia de indução (200 mg EV nas semanas 0, 4 e 8) e manutenção de remissão de pacientes adultos com RCU moderada a grave (escore de Mayo modificado entre 5 e 9), a última em dois protocolos posológicos distintos: esquema de baixa intensidade (100 mg SC de 8/8 semanas) e alta intensidade (200 mg SC de 4/4 semanas).
Trata-se de um RCT de fase 3, duplo cego e controlado por placebo e que incluiu mais de 700 pacientes na fase de indução e quase 600 pacientes na fase de manutenção, com média de idade de 40 anos, predomínio do sexo masculino (3:2) e provenientes de mais de 30 países.
Metade da população havia experimentado resposta inadequada ou intolerância a outras terapias biológicas, refletindo a realidade dos serviços dedicados às doenças inflamatórias intestinais. A média de duração da doença foi de 8 anos, sendo que metade apresentava colite extensa e o escore de Mayo basal entre 7 e 9 foi predominante, com prevalência em dois terços da amostra.
Em relação ao placebo, a intervenção se mostrou superior na indução de remissão clínica (23% vs. 8%, P < 0,001) e na manutenção da remissão clínica em 1 ano: 45% com o esquema de baixa intensidade e 50% com o esquema de alta intensidade, em comparação a 19% do braço placebo. O perfil de segurança foi considerado excelente sob o aspecto de infecções oportunistas, complicações cardiovasculares e doenças tromboembólicas.
A publicação é relevante, pois permitiu identificar que o Guselkumabe alcançou o desfecho primário de eficácia na RCU, em conjunto com os outros dois inibidores da IL-23p19 já disponíveis: mirikizumabe e risankizumabe. Todavia, algumas ressalvas merecem ser destacadas: a alocação exclusiva de respondedores ao esquema de indução para a fase de manutenção pode ter favorecido os bons resultados encontrados; a ausência de representação de pacientes falhados com terapias mais recentes, como o ustekinumabe, nos priva de qualquer inferência sobre eficácia nesse grupo de pacientes; e o seguimento limitado a 44 semanas gera questionamentos sobre a durabilidade do efeito e sobre o perfil de segurança dessa terapia.
Veja também: Retocolite ulcerativa: quais as principais indicações cirúrgicas?
Conclusão e Mensagens práticas
- A terapia biológica destinada à retocolite ulcerativa (RCU) tem avançado de forma exponencial nas últimas décadas, oportunizando a indução e manutenção da remissão para uma gama maior de indivíduos, inclusive entre aqueles que experimentaram falhas a múltiplas terapêuticas.
- A inibição da IL-23, seja por meio da subunidade p40 ou p19, atua sobre uma via muito importante da doença inflamatória intestinal: as células Th17.
- O estudo QUASAR permitiu identificar que o Guselkumabe, à semelhança dos outros medicamentos da classe (rizankizumabe e mirikizumabe), alcançou o desfecho primário de eficácia, além de se mostrar uma opção com perfil de segurança muito favorável.
- A grande questão que os gastroenterologistas precisarão lidar é em relação à definição do nicho para a prescrição desses fármacos. A princípio, são terapias reservadas para a RCU moderada a grave, sem dados de superioridade de um inibidor da IL-23p19 sobre o outro, bem como a ausência de comparações diretas com os outros agentes disponíveis para manejo da RCU, como os corticoides, aminossalicilatos, imunossupressores, anti-TNF, anti-integrina, inibidores da fosfatase esfingosina-1 e inibidores da IL-12/IL-23. Ao que tudo indica, entretanto, a eficácia do Guselkumabe é aquém daquela experimentada com o upadacitinibe, um inibidor da JAK e com grande potência no manejo da RCU.
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