Na cobertura do 18° Congresso Brasileiro de Clínica Médica, realizado em Olinda/PE, entre 09 e 11 de outubro de 2025, destacamos a mesa redonda “Neurologia na Emergência”, presidida pelo Dr. Marçal Paiva.
O Dr. João Cláudio da Costa Urbano, neurologista pela FMUSP, compilou de forma muito didática o passo a passo da abordagem dedicada às crises convulsivas.
As crises devem ser subdivididas em provocadas (ou sintomáticas agudas) e não provocadas (epilepsia). Entre os gatilhos mais frequentes estão as causas tóxicas (abuso de substâncias ou abstinência e uso de medicamentos que reduzem o limiar convulsivo), metabólicas (distúrbios do sódio, cálcio e magnésio; hipoglicemia, insuficiência hepática e renal), estruturais (aneurismas e malignidades) e infecciosas (encefalites).
Na primeira linha de tratamento estão os benzodiazepínicos, como o lorazepam, midazolam e diazepam, preferencialmente pela via endovenosa nas crises que duram mais do que alguns poucos segundos.
A famosa hidantalização está indicada no status epilepticus, com crises reentrantes ou mecanismo de gatilho subjacente persistente.
A fenitoína deve ser prescrita na dose de 10-20 mg/kg endovenosa (administração por cateter nasoentérico não é recomendada!), com velocidade inferior a 50 mg/min, uma condição de segurança para minimizar eventos adversos, sobretudo a bradicardia entre indivíduos com cardioscopia estrutural, motivo pelo qual a monitorização cardioscópica é fundamental.
A diluição deve ser feita em soro fisiológico para evitar a precipitação e em uma via distinta daquela dos benzodiazepínicos ou glicose.
Um detalhe importante é frequentemente negligenciado: o nível sérico, quando disponível, deve ser realizado 1 hora após o término da infusão, com correção para a albumina (fórmula de Sheiner-Tozer). O alvo terapêutico é entre 10 e 20 mg/L e, caso esteja inferior, uma dose adicional deve ser administrada a partir da fórmula:
Dose adicional de fenitoína (mg) = (20 – nível sérico) x Peso (kg).
Na indisponibilidade do nível sérico da fenitoína, uma dica prática é avaliar se surgiu nistagmo multidirecional, evocado pela mirada e em padrão típico cerebelar, um achado típico dos níveis terapêuticos da droga.
O fenobarbital, por sua vez, é a preferência no manejo das crises convulsivas relacionadas à abstinência alcoólica. A dose recomendada é de 15-20 mg/kg. Sempre é válido lembrar: a suspensão abrupta desse fármaco é um desencadeador forte de status epilepticus.
O levetiracetam tem se tornado mais disponível no Brasil. A dose recomendada é de 60 mg/kg e, diferente da fenitoína e fenobarbital, o seu metabolismo predominante é renal, e não hepático. Deve-se ter atenção para o potencial de agravamento de sintomas psiquiátricos.
Uma pulga atrás da orelha do clínico: uma das apresentações possíveis de um AVC isquêmico é como a primeira crise convulsiva da vida e ocorre em até 6% dos casos. Dessa forma, diante de déficits neurológicos focais pós-ictais, embora possamos considerar a paralisia de Todd (hipoatividade pós-hiperatividade ictal em crises de início focal), a trombólise tem sido recomendada se o paciente estiver em janela terapêutica e for elegível, embora essa seja uma recomendação fraca e com baixo nível de evidência. A RM de encéfalo e a TC de perfusão são de grande auxílio nesse diagnóstico diferencial e corroboram para a tomada de decisão.
As indicações de intubação orotraqueal (IOT) incluem crises persistentes, rebaixamento do nível de consciência prolongado pós-ictal (> 40-60 minutos), insuficiência respiratória e apneia central pós-ictal. Um quarto dos pacientes é intubado nas primeiras 2 horas do evento.
Na investigação sequencial, além dos eletrólitos e bioquímica previamente assinalada, deve-se considerar a neuroimagem, com preferência para a RM, na presença de déficits focais, febre, cefaleia persistente, histórico de TCE ou malignidades, etilismo, distúrbios da coagulação e rebaixamento persistente do nível de consciência. A punção lombar deve ser aventada diante de febre, irritação meningorradicular e alterações comportamentais.
O eletroencefalograma (EEG), sempre lembrado, pode ser realizado ambulatorialmente na maioria das vezes, sendo geralmente dispensável para o manejo agudo do quadro.
Na sequência de crises não provocadas, a taxa de recorrência no primeiro ano é de 21-45%, de forma que as drogas antiepilépticas podem reduzir o risco absoluto em 35%. Os fatores de risco para recorrência incluem lesões estruturais em SNC, crises noturnas e história familiar de epilepsia.
Veja também: AAN 2025: Atualização em manejo de crises epilépticas e status epilepticus
Conclusão e Mensagens práticas
- A abordagem da primeira crise convulsiva exige um raciocínio clínico organizado que precisa ser rápido, seguro e embasado. Dominar esses elementos é essencial não só para o neurologista, mas sobretudo para o clínico que atua na linha de frente do pronto-atendimento.
Confira a cobertura completa do Congresso Brasileiro de Clínica Médica 2025!
Autoria

Leandro Lima
Editor de Clínica Médica da Afya ⦁ Residência em Clínica Médica (2016) e Gastroenterologia (2018) pelo Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG) ⦁ Residência em Endoscopia digestiva pelo HU-UFJF (2019) ⦁ Preceptor do Serviço de Medicina Interna do HU-UFJF (2019) ⦁ Graduação em Medicina pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
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