Na cobertura do 18° Congresso Brasileiro de Clínica Médica, realizado em Olinda/PE, entre 09 e 11 de outubro de 2025, destacamos a conferência “Cómo está el volumen intravascular?”, ministrada pelo Dr. Hugo Fernan Milione, médico clínico e diretor do POCUSIM da Argentina, que demonstrou diversos cenários clínicos em que a aplicação da ultrassonografia à beira do leito (POCUS) é definitivamente útil na inferência do volume intravascular.
Nesse aspecto, a epidemiologia do choque nas unidades de urgência e emergência é um ponto inicial de partida que deve ser conhecido, pois naturalmente molda toda a probabilidade pré-teste:
- Choque séptico (62%);
- Choque cardiogênico (16% – nas unidades coronarianas pode chegar a 66%);
- Choque hipovolêmico (16%);
- Choque obstrutivo (2%);
- Outros tipos de choque (4%).
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O POCUS, vale lembrar, auxilia na definição do mecanismo etiológico do choque a partir de uma perspectiva multiparamétrica. Isso significa que os dados da entrevista médica, exame físico e radiografia de tórax continuam no cerne do raciocínio diagnóstico. O que a ferramenta faz é auxiliar no refinamento da definição de padrões, com a vantagem de ser um método dinâmico, versátil, realizado à beira do leito, amplamente disponível, de baixo custo e isento de riscos ao paciente, que não a má interpretação dos achados. Nesse sentido, destacamos que é um método operador-dependente, exigindo treinamento adequado e supervisão. Além disso, os entusiastas do método devem se valer da objetividade, definindo perguntas claras e minimizando o tempo até a tomada de condutas potencialmente salvadoras de vida.
Quais achados no POCUS podem auxiliar na predição do status volêmico?
Protocolo BLUE:
- Objetivo: avaliação da congestão venocapilar pulmonar;
- Racional: a mudança do padrão subpleural A (linhas pleurais finas e linhas A contínuas e bem definidas) para o padrão B, caracterizado por artefatos em cauda de cometa em projeção vertical a partir da linha pleural em número ≥ 3 por espaço intercostal que oblitera as linhas A, associados ao gradiente ápico-basal com predomínio nos campos inferiores e a ausência de alterações da linha pleural (geralmente indicativa de opacidades subpleurais), é sugestivo de hipertensão venocapilar pulmonar, sendo equivalente ao edema interlobular expresso pelas linhas B de Kerley à radiografia de tórax ou espessamento septal liso à TC de tórax.
Veia cava inferior (VCI):
- Objetivo: estimativa da pressão venosa central;
- Método: avaliação do diâmetro da VCI em seio eixo longo durante o ciclo respiratório a 3 cm da junção atriocaval;
- Limitações: ventilação mecânica com pressão positiva e o aumento da pressão intratorácica;
- Parâmetros: os pontos de dicotomia são diâmetro de 2,0 cm e colapsibilidade inspiratória de 50%: < 2 cm e colapsibilidade > 50%, PVC < 5 mmHg; > 2 cm e colapsibilidade < 50%, PVC > 15 mmHg.
Veia jugular interna (VJI):
- Objetivo: estimativa da pressão venosa central;
- Método: avaliação do diâmetro de VJI durante o ciclo respiratório 2 cm acima da clavícula com o paciente em posição supina.
- Parâmetros: diâmetro máximo ≥ 12 mmHg e variação respiratória < 30% sugerem PVC ≥10 mmHg, enquanto variação <15% sugere PVC ≥ 15 mmHg).
VExUS
- Objetivo: avaliação da congestão venosa sistêmica.
- Método: análise do doppler espectral na VCI, veias supra-hepáticas, veia porta e vasos renais.
Avaliação da distribuição de fluidos para o 3° espaço: derrame pleural, derrame pericárdico e ascite.
Além do auxílio na avaliação do status volêmico, o POCUS permite avaliação da bomba cardíaca, devendo-se checar os seguintes parâmetros:
- Função do ventrículo direito (TAPSE, sinal de McConnell e sinal do D);
- Função do ventrículo esquerdo (distância E septo, com normalidade < 7 mm e alterado se > 13 mm); eyeballing na estimativa da fração de ejeção e análise do VTI (integral da velocidade-tempo) como estimativa do débito sistólico, sendo normais valores de 20 ± 3 cm).
- Definição etiológica de mecanismos de choque obstrutivo além do tromboembolismo pulmonar, como o tamponamento cardíaco e pneumotórax.
O VTI ainda é útil na avaliação da fluido responsividade a partir da elevação passiva dos membros inferiores, sendo a manobra considerada positiva para incrementos ≥ 10-15%.
Conclusão e Mensagens práticas
A ultrassonografia à beira do leito (POCUS) representa uma ferramenta atrativa, útil e plenamente viável na realidade brasileira para a avaliação seriada de parâmetros hemodinâmicos. Contudo, deve sempre ser interpretada dentro do contexto mais amplo da análise multiparamétrica inerente à definição do status volêmico e dos mecanismos do choque circulatório. Assim, embora não elimine todas as incertezas diagnósticas, o POCUS, quando bem aplicado, tem potencial para reduzir significativamente dúvidas, orientar condutas e contribuir de forma decisiva para a compreensão dinâmica do quadro clínico.
Confira a cobertura completa do Congresso Brasileiro de Clínica Médica 2025!
Autoria

Leandro Lima
Editor de Clínica Médica da Afya ⦁ Residência em Clínica Médica (2016) e Gastroenterologia (2018) pelo Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG) ⦁ Residência em Endoscopia digestiva pelo HU-UFJF (2019) ⦁ Preceptor do Serviço de Medicina Interna do HU-UFJF (2019) ⦁ Graduação em Medicina pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
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