As atividades de lazer em família nas praias brasileiras é uma das marcas registradas do nosso povo e atraem turistas do mundo inteiro.
Para se usufruir com qualidade e segurança desses momentos ímpares, entretanto, é necessária a adoção de uma série de cuidados especiais, entre os quais:
- Fotoproteção;
- Hidratação;
- Olhar sempre vigilante direcionado às crianças;
- Atenção aos pertences que se encontram na beira do mar;
- Cuidados na seleção dos serviços prestados na areia;
- Evitar mergulhos em áreas com maior risco de afogamento ou ataques de tubarões;
- Jamais entrar no mar sob efeito do álcool ou drogas.
Queimaduras por águas-vivas
Um anticlímax clássico é adentrar em uma praia paradisíaca, em um dia típico de verão, e perceber que a água está cintilante pela presença das fascinantes e numerosas águas-vivas. Além de prejudicar o turismo, podem comprometer as atividades como o mergulho e a pesca doméstica. Os acidentes anuais envolvendo o filo Cnidaria são estimados em 150 milhões, especialmente na região Indo-Pacífico.
A exposição cutânea ao celenterado induz a lesões cutâneas e efeitos sistêmicos, incluindo o risco de óbito. A virulência do veneno varia em conformidade com a espécie (com destaque para a Chironex fleckeri e C. yamaguchii) e o segmento acometido. A descarga do nematocisto, presente nos cnidócitos dos tentáculos, é um dos eventos mecânicos hidráulicos mais rápidos da natureza, desencadeados por estímulos físicos ou químicos.
Manifestações clínicas do acidente por cnidários | |
Dermatológicas |
As lesões iniciais, imediatamente dolorosas, pruriginosas ou dormentes, incluem o eritema, pápulas, equimoses e bolhas, com aspecto linear (“em chicote”) com duração de 1 a 2 semanas. Em casos graves, podem evoluir para hemorragia subcutânea, ulceração e necrose. O processo de reparo costumeiramente leva à hiperpigmentação cutânea e à formação de cicatrizes. |
Efeitos sistêmicos |
Febre, parestesias e mioclonias. Reações alérgicas às toxinas e antígenos. |
O tratamento suportivo inicial é pautado na remoção cuidadosa dos tentáculos e nematocistos com o emprego de pinças, lavagem com água do mar de forma criteriosa e aplicação de compressas quentes. A lidocaína tópica a 10% é uma opção eficaz para a analgesia inicial. O uso de soluções como o vinagre (ácido acético a 5%) é benéfico na maioria das espécies, especialmente para cubozoários, por inibir a descarga dos túbulos.
Veja também: Lesões por águas-vivas: como identificar e conduzir?
Não se deve aplicar água doce, refrigerantes a base de cola, suco de limão, urina ou papaína, entre outras substâncias, nas lesões.
A solução de bicarbonato mostrou-se eficaz em desativar os nematocistos e pode aliviar o eritema cutâneo por meio da inibição da liberação do veneno. Produtos comerciais, como o “Stingose” (solução aquosa de sulfato de alumínio e surfactante) e “Sting No More” (creme de ureia, gluconato de cobre, sulfato de magnésio, vinagre, difenidramina e vitamina D) têm eficácia comprovada contra picadas de água-viva.
Ouriços-do-mar
Os ouriços-do-mar são animais arredondados que possuem espículas em sua superfície, capazes de provocar lesões graves. Algumas espécies são peçonhentas e liberam substância de ação hipotensora e efeitos hemolíticos, cardiotóxicos e neurotóxicos. As lesões tipicamente acometem pés e tornozelos, e os espinhos facilmente se rompem em vários fragmentos, sendo visualizados pontos negros na pele.
A dor aguda localizada com duração de horas a dias é o sintoma mais comum. Eritema, edema, vesículas, infecção secundária e necrose tecidual podem ocorrer. O tratamento imediato consiste na imersão da área afetada em água quente não escaldante por 30 a 90 minutos. A retirada das espículas deve ser realizada por profissional habilitado sob anestesia local, e justifica-se pelo risco de formação de granulomas tardios.
Cnidários (águas-vivas e caravelas)
São animais de aspecto gelatinoso que possuem nematocistos, estruturas que disparam conteúdo venenoso após mudanças de pressão e/ou osmose. A toxina tem ação enzimática, neurotóxica e hemolítica, podendo causar sintomas locais como dor intensa e erupção urticariforme de linhas entrecruzadas. No decorrer de horas podem surgir vesículas, bolhas e necrose superficial.
Quadros sistêmicos podem instalar-se, como choque anafilático, arritmias, insuficiência respiratória, hemólise e insuficiência renal, sendo as alterações cardiopulmonares as principais responsáveis pelos óbitos. Esses casos devem ser encaminhados com urgência para o hospital.
O tratamento consiste em utilizar compressas de água do mar fria, medida de potente efeito analgésico que sempre deve ser aplicada ainda na praia. A água doce não deve ser utilizada, pois dispara os nematocistos por mecanismo osmótico.
Os estudos são controversos e alguns artigos indicam o uso de água quente; o mais sensato é evitar temperaturas extremas, que podem afetar a atividade nociceptiva da peçonha. A aplicação de vinagre durante 30 minutos mostrou-se benéfica para cnidários da costa brasileira. O uso de anti-histamínicos tópicos, urina, álcool ou Coca-Cola® não tem embasamento científico e não devem ser aplicadas, com risco de piora do quadro.
Saiba mais: Qual a relação entre a gravidade da doença atópica e a qualidade de vida?
Peixes (arraias)
As arraias são peixes cartilaginosos em formato de disco, cuja cauda tem ferrões geralmente venenosos. Apesar do seu envolvimento em acidentes, não são animais agressivos, mas podem reagir quando pisados. A picada costuma ser na parte distal da perna, provocando dor intensa que dura horas a dias. Infecção secundária e necrose tecidual podem ocorrer.
O tratamento imediato consiste na imersão em água quente não escaldante (pois o veneno é termolábil). A dor geralmente melhora com essa medida. Outras medidas incluem limpeza e assepsia, exploração cirúrgica dos fragmentos do ferrão, profilaxia antitetânica, uso de antibióticos, anestésicos locais e analgésicos sistêmicos, incluindo opioides, caso a dor persista após horas.
Conclusão e mensagens práticas
- Os acidentes com águas-vivas são frequentes no litoral brasileiro, de forma que as autoridades locais devem ser encorajadas a sinalizar o perigo e disponibilizar meios para o atendimento inicial às vítimas, entre os quais as soluções de ácido acético e bicarbonato.
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