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Cirurgia23 junho 2020

Tromboprofilaxia estendida após cirurgia torácica: existe consenso?

Tromboembolismo venoso (TEV) é uma importante complicação pós-operatória. Porém, ainda há pouco consenso quanto a melhor estratégia de profilaxia para ele.

O tromboembolismo venoso (TEV) corresponde a uma importante complicação pós-operatória. Pacientes submetidos a cirurgias torácicas estão sob especial risco com a incidência deste tipo de morbidade variando na literatura entre 0.2% a mais de 10%. Isso principalmente naqueles com quadros oncológicos que, quando submetidos à procedimentos de ressecção pulmonar, podem chegar a uma incidência dobrada em relação as ressecções em doenças benignas. Evidências ainda apontam que até 23% dos eventos trombóticos ocorrem após a alta hospitalar. Todavia, apesar de sua relativa frequência, ainda há uma pequena quantidade de recomendações especificas nos consensos vigentes quanto a melhor estratégia a ser adotada nos pacientes em pós-operatório de cirurgias da cavidade torácica.

Leia também: Papel dos novos anticoagulantes orais na tromboprofilaxia após alta hospitalar

Tromboembolismo venoso após artroplastia total de joelho e de quadril

Tromboembolismo venoso após artroplastia total de joelho e de quadril

Consensos sobre profilaxia para tromboembolismo venoso

O consenso de profilaxia de TEV mais recente do American College of Chest Physicians (ACCP) datado de 2012, por exemplo, possui limitações na força das evidências relacionadas a cirurgia torácica, a despeito de recomendações mais robustas em relação a cirurgia abdominal oncológica e ortopedia. Sua atual recomendação limita-se ao período intra-hospitalar com uso de quimioprofilaxia e/ou profilaxia mecânica, em especial nos quadros de maior risco.

A maior parte dos consensos no assunto, incluindo a Sociedade Europeia de Anestesiologia (ESA) e a Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO), também reconhecem os pacientes oncológicos submetidos à cirurgia torácica como de maior risco para TVE. Entretanto, nenhum deles orienta quanto a indicação, duração ou tipo de profilaxia estendida no grupo de pacientes de cirurgia torácica. Desse modo, há margem para uma gama de rotinas adotadas em todo o mundo, sua maioria não embasadas em evidências científicas.

Estudos e ações em busca de um consenso

Um estudo conduzido nacionalmente no Canadá avaliando o problema demonstrou consenso mínimo em relação a escolha e duração da profilaxia estendida para TVE, o que é consistente com a literatura publicado no assunto até então.

Visando preencher essa lacuna, uma coalização criada por membros das Sociedades Europeia de Cirurgia Torácica (ESTS), Internacional de Trombose e Hemostasia (ISTH) e Associação Americana e Cirurgia Torácica (AATS), a partir do método de Delphi, o qual se constitui na formação de um painel estruturado de experts no assunto, se propôs a criar uma discussão internacional em diversas especialidades quanto às práticas de profilaxia estendida de TEV para o grupo de pacientes submetidos a cirurgia torácica. Dessa forma, permitindo, em última instância, a identificação de diferenças e/ou similaridades nos centros. Além de evidenciar pontos comuns que possam via a servir como base para futuros consensos.

Com a participação de 21 profissionais, incluindo cirurgiões torácicos (~76%), hematologistas, especialistas em trombose, anestesiologistas e pneumologistas, representando nove países (incluindo as regiões da América do Norte, Europa e Ásia), e participação de praticamente 100% dos especialistas em todas as etapas da discussão (exceto 1 ausente na última reunião); realizaram-se reuniões sucessivas em momentos distintos de 2016 a 2018.

As discussões foram pautadas em questionários interativos anônimos distribuídos por via eletrônica, nos quais se dividiram as opções em quatro grandes categorias: (i) fatores de risco identificados para indicação de profilaxia estendida; (ii) agentes de preferência; (iii) duração da profilaxia estendida; e (iv) barreiras para a implementação da profilaxia pós alta hospitalar. Sendo cada questionamento avaliado em uma escala de 1 a 10, no qual um corresponde a insignificância e 10 muito importante. A definição do grupo de concordância foi por meio de um coeficiente de variância ≤ 0,3. De modo que uma vez um parâmetro atingisse esse limiar em duas discussões consecutivas, deixava de ser incluído nas demais, portanto, correspondendo a um consenso. Todos os dados foram obtidos de forma prospectiva.

Saiba mais: A Covid-19 pode causar tromboembolismos fatais?

Consensos atingidos

O único parâmetro no qual se obteve consenso razoável foi a definição de fatores de risco para a indicação da profilaxia estendida após cirurgia torácica oncológica, a saber: história prévia de TVE, pneumonectomia, ressecções estendidas (toracectomia, bilobectomia, tumores de Pancoast, esofagectomia, pneumonectomia extrapleural), cirurgia com duração superior a 4 horas, índice de massa corpórea (IMC) superior a 30 kg/m², quimioterapia de indução (neoadjuvante), idade ≥ 75 anos e histórico familiar de TVE.

O agente escolhido para a quimioprofilaxia estendida após a alta foi a heparina de baixo peso molecular, definida como consenso apenas na primeira reunião, porém não sendo de comum acordo nos demais encontros, havendo variabilidade substancial entre quimioprofilaxia e/ou profilaxia mecânica como método preferencial. Outros agentes como heparina não fracionada, fondaparinux, aspirina ou anticoagulantes orais não atingiram qualquer consenso. No tocante à duração e barreiras para implementação da profilaxia estendida, nenhum consenso foi obtido no grupo de estudo em nenhum dos encontros.

Os resultados obtidos nesse estudo reproduziram os achados do trial canadense. O achado mais consistente do atual estudo é que a despeito do elevado grau de expertise e interesse de todos os participantes envolvidos ainda não há consenso geral sobre a melhor estratégia. Bem como há mínima consistência entre as rotinas dos diversos centros. Embora, todos reconheçam a relevância do tema em especial àqueles pacientes de maior risco. Os parâmetros identificados como de maior risco neste trabalho podem auxiliar na elaboração de futuros guidelines para a tromboprofilaxia estendida em cirurgia torácica. Assim, definindo o grupo que possa realmente se beneficiar de tal estratégia. Ferramentas como o escore de Caprini, para avaliação de risco, podem eventualmente atuar de forma adjuvante na seleção dos pacientes que possuem indicação da extensão das medidas profiláticas.

Mensagem final

Apesar de limitações como: viés de seleção (inerente ao método de Delphi); representatividade ainda pequena tanto de instituições, em sua maioria acadêmica, e de localidade (principalmente europeus e norte-americanos); maior proporção de opiniões de cirurgiões torácicos em relação aos demais especialistas; além da pequena amostragem do grupo, esse estudo abre a possibilidade para um terreno fértil para diversas pesquisas futuras.

Referências bibliográficas:

  • Agzarian J, Litle V, Linkins L-A, Brunelli A, Schneider L, Kestenholz P et al. International Delphi survey of the ESTS/AATS/ISTH task force on venous thromboembolism prophylaxis in thoracic surgery: the role of extended post-discharge prophylaxis. Eur J Cardiothorac Surg. 2019; 1-6 (doi:10.1093/ejcts/ezz319)
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