Cirurgias abdominais e pélvicas de grande porte apresentam risco muito elevado para eventos tromboembólicos. A literatura atual recomenda tromboprofilaxia estendida, por 28 dias, para pacientes com alto risco de tromboembolismo venoso (TEV). No entanto, os níveis de evidências para tais recomendações são fracos. Além disso, grande parte dessas recomendações foram elaboradas antes de programas de aceleração da resposta ao trauma cirúrgico e à difusão das cirurgias minimamente invasivas.
Estudo prospectivo recentemente publicado teve por objetivo avaliar a real eficácia da tromboprofilaxia farmacológica estendida para pacientes submetidos a cirurgias abdominais e pélvicas de grande porte e sua associação com sangramentos.
Métodos
Estudo de coorte internacional, prospectivo, denominado Cardiovascular outcomes after major abdominal surgery (CASCADE), publicado em março de 2025, avaliou 11.571 pacientes de 445 hospitais em 29 países europeus submetidos a cirurgias abdominais e pélvicas de grande porte. Assim, 3.670 (31,7%) pacientes receberam profilaxia farmacológica estendida, com heparina de baixo peso molecular (HBPM), com duração mediana de 32 dias e 7.901 (68,3%) pacientes receberam profilaxia farmacológica (HBPM) somente durante período de internação, denominada convencional, com duração mediana de 3 dias.
Resultados e discussão
Em geral os pacientes que receberam tromboprofilaxia estendida eram mais velhos (idade média 64 anos vs. 53, p< 0,001), mais debilitados (ASA III-V em 30,5% vs 18,2%, p < 0,001) e tinham maior prevalência de câncer (82,6% vs. 24,1%, p< 0,001). Além disso, nesses pacientes, as cirurgias foram mais complexas (91,0% vs 41,7%, p<0,001), com duração mais prolongada, maior período de internação hospitalar, maior admissão em unidades de terapia intensiva e a cirurgia envolveu a região pélvica com maior frequência.
Por outro lado, nos pacientes que receberam tromboprofilaxia convencional, as cirurgias de emergência foram realizadas com maior frequência (34,8% vs. 15,2%, p<0,001) e houve prevalência de abordagens minimamente invasivas (65,2% vs 53,8%).
Ao todo, 12 pacientes (0,1%) apresentaram eventos tromboembólicos significativos e nenhum óbito por TEV foi identificado. Eventos hemorrágicos foram observados em 85 (0,7%) dos pacientes que receberam profilaxia estendida, sendo apenas 17 com eventos importantes.
Ademais, 6.632 pacientes foram submetidos a cirurgias complexas e, nesse subgrupo, 3.341 (50,4%) dos pacientes receberam tromboprofilaxia estendida. Outro subgrupo foi composto por pacientes com câncer e submetidos à cirurgia complexa, constituído por 4.427 pacientes dos quais 2.857 (64,5%) receberam profilaxia estendida.
O estudo CASCADE não demonstrou benefícios com uso de profilaxia estendida para TEV. Os autores observaram que os eventos tromboembólicos significativos ocorrem, na maioria dos casos, durante a hospitalização e salientam a importância de medidas como tromboprofilaxia mecânica e farmacológica, mobilização precoce e adesão a protocolos de aceleração da recuperação como o Enhanced Recovery After Surgery (ERAS) durante internação hospitalar.
Entretanto, o uso prolongado de tromboprofilaxia, na maioria das vezes realizado com heparina de baixo peso molecular, não se mostrou um fator de proteção significativo para eventos tromboembólicos. Por outro lado, o uso de tromboprofilaxia também não mostrou riscos significativos para eventos hemorrágicos.
Algumas pontuações realizadas pelos autores é que existem limitações ao uso de heparina de baixo peso molecular como custo e a disciplina dos pacientes para aplicação subcutânea diária, o que limita o uso correto dessa medicação. Outra questão levantada pelos autores é que o estudo apresentou variabilidade significativa no uso da tromboprofilaxia, uma vez que a prescrição e o seu uso ficaram a critério das instituições locais e não houve padronização.
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Mensagem prática
O estudo CASCADE traz uma visão racional sobre o uso de tromboprofilaxia farmacológica estendida em pacientes submetidos à cirurgia abdominal e pélvica de grande porte. O objetivo dos autores foi avaliar a real ocorrência de TEV, que foi observada principalmente no período de internação hospitalar, não havendo benefícios da profilaxia farmacológica estendida em domicílio.
Por outro lado, há pacientes em que os riscos de TEV são bem mais elevados, como os que apresentam imobilidade prolongada, submetidos à cirurgia de emergência ou aberta, com fragilidade significativa, oncológicos e com história prévia de TEV. O CASCADE não foi direcionado somente a esses pacientes, englobando uma ampla variedade de casos. Entretanto, para esses pacientes, a tromboprofilaxia estendida deve ser avaliada.
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