Colangiografia transcística intraoperatória durante colecistectomias é um tema que possui uma vasta discussão se há benefício no uso rotineiro.
Aqueles que defendem o uso rotineiro da colangiografia argumentam que poderiam diagnosticar litíases insuspeitas e até diminuir a chance de lesões de vias biliares.
Já a outra vertente defende que ao seletivar a colangiografia estaríamos diminuindo o tempo operatório, e, mais importante, não expondo os pacientes a procedimentos desnecessários. Muitos desses cálculos insuspeitos podem não requerer nenhum procedimento adicional com uma passagem espontânea para o colédoco.
Importante lembrar que as lesões de vias biliares usualmente são detectadas após a realização de colangiografias, e, portanto, a realização ou não de colangiografias estariam mais relacionadas a uma detecção precoce de lesões que uma prevenção propriamente dito.
O artigo publicado na JAMA – Surgery argumenta especificamente se o uso rotineiro de colangiografia pode diminuir lesões de vias biliares quando comparada à realização de colangiografia de forma seletiva. O objetivo do estudo foi observar se os desfechos cirúrgicos possuíam alguma alteração com ou sem o uso rotineiro de colangiografias.
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Métodos
Estudo retrospectivo envolvendo diferentes hospitais de uma mesma rede em 2 estados dos EUA entre 2015 e 2023. Somente foram incluídos pacientes cuja cirurgia era colecistectomia isolada. Determinou-se que cirurgiões que realizavam colangiografia em pelo menos 70% dos seus casos seriam considerados uso rotineiro e aqueles com índice menores que esse, uso seletivo. A decisão de realizar ou não a colangiografia foi critério de cada cirurgião.
O desfecho primário foram lesões de vias biliares classificadas com Bismuth-Strasberg B,C,D ou E. Já os desfechos secundários incluíram as lesões Bismuth-Strasberg A, além das comorbidades associadas e necessidade de CPER nos 30 dias após a cirurgia. Também foram incluídos no estudo análise dos custos envolvidos nos 2 grupos.
Resultados
Ao total, foram incluídas 28.212 colecistectomias, realizadas por 134 cirurgiões e, destes, 47 realizaram colangiografias de rotina. Ists resultou em 10.244 pacientes submetidos à colangiografia de rotina e 17.968 no grupo seletivo. Ao total, foram identificadas 26 (0,09%) lesões maiores, sendo 13 em cada grupo. Após ajustar pelas características de cada paciente, resultou que o uso rotineiro de colangiografia estaria relacionado RC 0,16 95% IC 0,15-0,18) em favor do uso rotineiro e 0,83 95% IC 0,77-0,89 ao se falar de lesões menores.
As lesões maiores de vias biliares identificadas intraoperatórias foram mais frequentes no grupo colangiografia de rotina, que resultou em reparos definitivos mais precoces.
Discussão
Esse estudo foi capaz de demonstrar que o uso rotineiro de colangiografia pode diminuir o número de lesões maiores e menores das vias biliares e inclusive reparo mais precoce. Alguns outros estudos anteriores, no início da laparoscopia, não determinaram diferenças estatísticas entre realizar ou não colangiografia, quando o objetivo era diminuir as lesões de vias biliares.
No entanto, os autores desses artigos iniciais se basearem em dados puramente administrativos, sem rever os dados institucionais como a causa da indicação cirúrgica.
Um terço de todos os cirurgiões que tiveram uma lesão de via biliar, possuíam uma segunda lesão e 1 em cada 10 possuía uma terceira lesão. Isso pode conotar que estratégias e auxílio didático após a lesão pode influenciar positivamente aqueles cirurgiões que apresentaram lesões.
Pelo menos 40% das lesões do presente artigo se apresentaram quando o cirurgião decidiu aplicar a técnica de iniciar pelo fundo e depois caminhar ao pedículo da vesícula, apesar da recomendação amplamente difundida da Visão Crítica de Segurança, com dissecção inicial do pedículo.
O uso rotineiro de colangiografia representou um acréscimo de 5% do tempo operatório, mas que pode ser ainda menor se for realizado em uma instituição familiarizada com o método, com equipe treinada em relação aos materiais necessários e técnicos de radiologia disponíveis no momento adequado. Em relação aos custos, não foram identificadas alterações significativas entre os dois métodos.
Para levar para casa
Seria utópico achar que apenas um artigo iria resolver um debate tão longo da medicina. Está demonstrado neste artigo que a colangiografia não evita lesões.
Uma análise fria dos dados inclusive demonstra percentual maior de lesões de vias biliares quando se faz de rotina. No entanto, ao se destrinchar a estatística em diferentes cenários, houve uma melhor performance em favor da realização da colangiografia.
Acredito que ser liberal no uso de colangiografias é um caminho que devemos seguir.
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