Existem diversas formas de pancreatite, porém a mais frequente é sem dúvida a pancreatite biliar. Por definição, a presença de cálculos em vesícula biliar define a origem biliar da pancreatite, devido a sua elevada associação. Independente da causa da pancreatite o tratamento é semelhante, com medidas de suporte e repouso pancreático, o qual normalmente é obtido mantendo o paciente em dieta restrita.
Pancreatite biliar
O que difere o tratamento da pancreatite biliar das demais formas de pancreatite é a necessidade de realização de colecistectomia antes da alta hospitalar. Classicamente, o melhor momento para realização deste procedimento cirúrgico é imediatamente antes da alta. Isto é, após a melhora completa do episódio de pancreatite, o paciente é submetido a uma colecistectomia e posteriormente liberado sem a necessidade de uma nova internação.
Foco do estudo
A questão foi alvo de um estudo que propôs uma nova forma de abordar este tipo de paciente. O desenho do estudo foi um ensaio clínico randomizado em centro único, que se comparou dois grupos em paralelo: colecistectomia em até 24h da admissão com colecistectomia após a resolução dos sintomas em pacientes com pancreatite biliar aguda leve. A hipótese seria que a realização da colecistectomia precoce diminui o tempo de internação hospitalar sem alterar complicações associadas a patologia.
Entre junho de 2016 até junho de 2018, todos os pacientes maiores de 18 anos com diagnóstico de pancreatite biliar foram avaliados para inclusão no estudo. A severidade da pancreatite era avaliada pelo escore BISAP e ao longo do estudo se determinou um período mínimo de 12h de observação, afim de constatar que o paciente mantinha critérios de pancreatite leve e seu quadro não foi agravado. A randomização era gerada eletronicamente por computador.
Método
Ao longo do estudo, 147 pacientes foram avaliados para inclusão e 100 foram realmente incluídos. Destes pacientes, 3 foram excluídos e com isto a amostra permaneceu com 97 pacientes. Foram alocados de forma randômica 49 pacientes para a realização precoce da colecistectomia e 48 no grupo de controle, ou seja, após a resolução dos sintomas. Os dois grupos apresentavam características demográficas semelhantes.
Todos os pacientes do estudo foram submetidos a colecistectomia e associados a colangiografia em 91% do grupo precoce e 83% do grupo de controle. O motivo de não realizar a colangiografia em todos os pacientes não foi analisado pelo artigo. Colangiopancreatografia endoscópica retrógrada (CPER) foi realizada em 7 pacientes (15%) do grupo precoce e 14 (30%) do grupo de controle, sendo que em 1 paciente do grupo precoce e 6 do grupo de controle, foram realizadas antes da colecistectomia por piora dos valores laboratoriais e forte suspeita de coledocolitíase.
Resultados
A análise desta diferença da taxa de CPERs realizadas entre os grupos sugeriu um decréscimo de 93% na probabilidade de realização de CPER nos pacientes que são operados precocemente.
O tempo de hospitalização no grupo com cirurgia precoce foi significativamente menor que o grupo de controle 50h e 77h de média respectivamente e p < 0,005. A taxa de complicações também foi baixa em ambos grupos com a diferença não significativa, sendo que 1 paciente do grupo de cirurgia precoce apresentou fistula biliar pelo coto cístico.
Conclusão
Claro que não podemos ter como base apenas 1 artigo de centro único para definirmos as nossas condutas. No entanto, aqueles pacientes que possuem uma pancreatite biliar leve talvez se beneficiem da realização precoce do procedimento. Dessa forma, poderiam retornar mais rapidamente as suas atividades laborativas. As complicações que ocorreram entre os diferentes grupos foram poucas, e com isto não há como efetivar uma real análise estatística.
Quem sabe algum dia mude-se as rotinas, e as colecistectomias pós pancreatites sejam realizadas mesmo antes da reintrodução da dieta por via oral. Porém, por enquanto, não possuímos substrato forte para a realização desta prática e manteremos a indicação clássica. Sabendo que podemos mudá-la em um futuro quando obtivermos mais estudos sugerindo a mesma prática.
Referências bibliográficas:
- Mueck KM, et al. Gallstone Pancreatitis: Admission Versus Normal Cholecystectomy-a Randomized Trial (Gallstone PANC Trial). Annals of Surgery. 2019 Set;270(3):519-527.
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.